terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

"Disseram que estavam nos levando para Auschwitz", conta Aline, presa na USP
 

Aline Dias é um dos personagens mais presentes nos últimos episódios da USP. Em novembro, foi presa durante a reintegração de posse da reitoria, com mais 72 pessoas. Em dezembro, expulsa da Universidade de São Paulo. Segundo a reitoria, ela foi uma das líderes da ocupação do bloco conhecido como Moradia Retomada - e, por isso, "eliminada", com mais cinco estudantes, do corpo discente da universidade.
 
A Moradia Retomada, no bloco G do Conjunto Residencial da USP, foi alvo, na manhã do domingo, de uma reintegração de posse que culminou na prisão de doze estudantes - entre eles, uma adolescente de 16 anos. O local era utilizado pela Coseas, a Coordenadoria de Assistência Social da USP, e foi ocupado por estudantes em maio de 2010.
 
Estudante (expulsa) de Artes Cênicas na USP, Aline enviou ao blog um relato com detalhes do que aconteceu com os doze presos no domingo, tanto na Cidade Universitária como no 14º Distrito Policial. A cela onde ficaram foi chamada por policiais de "Auschwitz", em referência ao campo de concentração na Polônia, durante o nazismo. Ela também diz que apagaram imagens que gravou, de dentro da moradia estudantil, e que marcas no corpo dos estudantes foram ignoradas pelo médico legista.
 
Confira o relato:
 
"Na chegada dos policiais dentro da Moradia retomada, o comandante da ação, o mesmo que comandou a reintegração da reitoria no dia 8 de novembro, me chamou pelo nome, dizendo que já me conhecia.

A primeira pergunta para todos era: 'Voce é estudante?'. Ficaram assediando os que não eram. Diziam: 'Voce não devia estar aqui'. Como se fosse proibido que os estudantes tenham amigos, namorados ou conhecidos que não estudam na USP.
 
Eles se negaram a ler o mandado e a informar os motivos da prisão, inclusive mentindo que não seríamos presos. Nos agrediram e arrastaram para o ônibus. Eu filmei tal situação com uma camera de mão, mas os policiais me agrediram, tomaram-na, apagaram todos os arquivos e só devolveram a mesma depois de muita reclamação.

A Paula foi arrastada grávida pelo chão. Havia policiais à paisana junto. Um deles me agrediu verbalmente e ameaçou, novamente invocando a situação da ocupação da reitoria.

Na delegacia, perguntei para qual sala estávamos indo, quando chegamos, e um policial respondeu ironicamente: "para Auschwitz".
 
Durante a qualificação, ofenderam uma estudante negra [Ingrid], dizendo que a mesma era analfabeta. O tratamento foi permeado de racismo. Ofenderam a Rosi, dizendo que ela era uma vaca suja. Quem estava fora ouviu os policiais dizendo que, se pudessem, matavam todos os doze.
 
Deixaram-nos numa cela de 1,5 por 1,7 aproximadamente. Éramos cinco garotas, sem ventilação, com fezes transbordando da latrina, as paredes sujas. No caso da cela dos meninos as paredes estavam sujas de sangue. O chão molhado nos fazia permanecer de pé, e o pior, um forte cheiro, ao que me parece de creolina, que permaneceu durante todo o tempo em que estivemos lá, causando tosse, tontura, dor de cabeça.

É um lugar por onde passam muitas pessoas todos os dias. As condições são sub-humanas. Deixar um ser humano naquela cela é tentativa de assassinato por parte do Estado.
 
Quando fomos levadas ao IML, a maioria de nós foi colocada em camburões da Força Tática, que faziam zigue-zague no trânsito, em alta velocidade, causando vários machucados nos estudantes. O Darío ficou com as costas todas marcadas.

Durante o exame no IML, o médico responsável não fotografou os machucados e os roxos. Tratou-nos, principalmente as meninas, de maneira a nos constranger, ameaçando que, se não colaborássemos, ele não faria o exame. Prenderam a advogada junto conosco, numa ocasião, e, em outros momentos, não quiseram deixá-la falar a sós conosco".
 

Aline enviou, minutos depois desse relato, um complemento específico sobre o que aconteceu com Paula, a estudante grávida, na cela da delegacia. Segue o relato:

"Ela entrou na cela e começou a ter ânsia de vômito, que passou. Algum tempo depois começou a ficar com pressão baixa. Arrumamos um plástico (a sacola do lanche) para ela sentar no chão sem se molhar, perto da porta. Era o único local que tinha entrada de algum ar fresco. Paula foi ficando pálida e mole, parecia que ia desmaiar.
 
Então gritamos, o que não adiantou por algum tempo, gritamos mais e mais, batemos a garrafa de refrigerante contra o ferro da cela, para fazer barulho. Só depois de um tempo veio o tal César, dizendo que ali não era a casa da mãe joana, para a gente parar de gritar. Falamos que eles seriam responsabilizados caso acontecesse algo com a Paula, e ela pôde sair da cela para o hospital, por conta da presença da advogada".
 

Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)
 
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Um comentário:

Chi Qo disse...

Ontem vimos "Noite e Neblina" do Alan Resnais... Parece que o MAL continua vivo e periodicamente dá mostras de sua "vitalidade"...
Não se pode deixar isso acontecer!