quarta-feira, 20 de junho de 2012

Cesare Battisti, o cinismo, Lula, Haddad, Maluf e o ator em cada um de nós
 
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
 
Interessam-me os contornos psicológicos da cena em que Fernando Haddad e Lula observam Paulo Maluf, no momento em que este sela o acordo para apoiar o candidato petista à prefeitura paulistana. Observem. Lula é um ator bem mais tarimbado, mas mesmo ele revela, em sua face, um incômodo evidente. Haddad? Esse gostaria de estar em qualquer outro lugar do planeta. Maluf está com sua cara cínica de sempre.


Utilizo a noção de cinismo pensando em uma frase do escritor italiano Cesare Battisti. Hoje um asilado político, ele passou três anos em um presídio comum, no Brasil. Na Itália também vivera na cadeia. A convivência com os presos comuns motivou-o a fazer uma comparação – em entrevista ao portal Vermelho - com o comportamento habitual que temos em sociedade:

 
- Essas pessoas, quando te falam, te falam de uma maneira... porque não têm nada mais a perder. E na cadeia, o cinismo, essa estrutura de defesa que precisamos na rua, lá não existe. Porque você está submetido a uma pressão tal que isso tudo aí não tem o menor sentido. Então quando fala com alguém, fala de verdade. É por isso que eu aprendi a conhecer o Brasil sob a palavra dos presos.
 
Battisti fala de uma certa máscara social. Em muitos casos, dirá a maioria, inevitável. Caetano Veloso já falou sobre “o valor necessário do ato hipócrita”. E nem é preciso utilizar termos negativos para apontarmos condutas que não exatamente seriam as mais autênticas. Por trás da máscara pode haver um objetivo nobre: diplomático, político, um ato de generosidade, de preservação da paz.
 
Mas quem dera o movimento dos disfarces fosse majoritariamente esse: em prol do bem estar do outro, ou de um mundo melhor. Esse grande teatro humano abriga diariamente a perfídia, o cálculo egoísta, a negação de uma igualdade de fato entre os interlocutores. Abriga a agressão, o desprezo, violências diversas contra o outro – tomado como adversário, figura a ser enganada, vencida.
 
Essa atuação coletiva pode ainda representar uma violência contra cada um de nós mesmos. Contra os próprios princípios, convicções, em nome de conveniências. E aí vem o constrangimento. A dificuldade maior de disfarçar, de sorrir de uma forma que não seja amarela, de olhar expansivamente no olho dos demais. De viver uma comunicação plena, e não implícita, distante, simbólica.
 
Assimilamos isso mais facilmente quando ocorre de maneira eventual: quase todos passamos por situações assim. (Meu falecido pai, não – adotava a linha “doa a quem doer”, e sofria muito por conta disso.) Mas, em determinados círculos, isso não ocorre um dia aqui, outro ali. Torna-se a prática cotidiana. A regra. E quem é ator quase o tempo todo?
 
Os políticos, por exemplo. Mas não só eles. Lembro-me de uma amiga que abominava um colega nosso. Por conta da habilidade que ele tinha, alegava ela, em praticar o mimetismo. De acordo com a personalidade de cada interlocutora, esse rapaz agia como se concordasse plenamente com o que ela dizia. Modulava sua voz de acordo com a dela, utilizava frases que ela utilizaria, contraía os músculos da face em uníssono – com objetivos de conquistá-la, manipulá-la.

O objetivo de Lula e Haddad ao aproximar-se de um símbolo do deboche era e é bem definido: amealhar mais tempo de televisão. E votos. Ganhar as eleições. E, com isso, supostamente gerir os bens públicos de uma forma melhor que os adversários. O que, em tese, incluiria combater patifes muito parecidos com aqueles que, por acaso, eles tenham apertado as mãos. Anulam-se, aparentemente, para ganhar acolá. Isto na melhor das hipóteses, claro.
 
Em algum momento a cena do trio revirou o estômago da sociedade paulista. Esta sociedade é excludente, ela é agressiva, ela é violenta, ela é uma enorme Casa Grande. Aceita diariamente hipócritas e cínicos de bom grado. Nas repartições, na universidade, no meio empresarial – e também no meio político. A imagem dos três choca mais porque Maluf (esse senhor procurado pela Interpol) é exatamente símbolo de uma degradação maior. Não somente de uma política canastrona, mas de uma vulgaridade explícita.
 
Queremos empurrar essa vulgaridade para debaixo do tapete. Escondê-la, fazer de conta que ela não existe, que vivemos em um mundo mais próximo do ideal. Queremos políticos (e não somente políticos) que façam jogo sujo, mas que sejam capazes de conviver na nossa sala de jantar. Com máscaras, mas com rasgos de autenticidade, resquícios de algo genuíno, migalhas de utopia.
 
Lula e Haddad talvez adorassem ser muito mais que rasgos, resquícios e migalhas. Mas não nos envergonhamos apenas por eles, pelo que eles estão perdendo ou deixaram de ter (e que Maluf nunca teve). E sim pelo pacto coletivo que permite toda essa miséria. Pela falta de alternativas, pelo silêncio sem face dos desiludidos.
 
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segunda-feira, 18 de junho de 2012

Como é ter uma filha. Criá-la. Amá-la. E ouvir os disparates do resto da humanidade
 
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
 
Eu tenho uma filha. Ela tem 12 anos. Mora comigo. Ela é o infinito. Uma multiplicação de possibilidades. Mas a percepção de boa parte das pessoas é estreita, restritiva. Quando perguntam sobre ela, querem encaixá-la em algum estereótipo. A começar da catalogação: “pré-adolescente”, “criança”, “moça”. A continuar pela descrição (e projeção) física: “vai dar trabalho”.
 
(As frases são acompanhas de risinhos, de uma espécie de cumplicidade às avessas, uma certa cordialidade corrosiva. Esperam que eu ria junto, que eu confirme alguma sina, alguma adversidade estrutural. Parece que eu devo ser destinado a sofrer por ter uma filha, e não o contrário: que ela vai me dar muitas alegrias, que ela vai continuar dando sentidos extras à minha vida.)
 
Quase ninguém pergunta como ela é. Quais os traços de personalidade. O que ela gosta de estudar. Que livros já leu. Que filmes já viu. Como ela percebe as amigas, os professores, o mundo adulto, as cidades onde ela viveu, o que a revolta. O que a comove. O que causa nela indignação, aflição. O que ela rejeita. O que ela celebra. O que ela abomina. O que a faz sorrir.
 
Ela não pode ser um infinito e um arremedo ao mesmo tempo. Sendo ela o infinito, o problema está em quem a reduz. Este é um exercício diário, o passatempo principal da nossa sociedade: reduzir, catalogar. Sim, vá lá, faço isso diariamente com adultos. Catalogo os canalhas, os patifes incorrigíveis, os grandissíssimos filhos de uma puta, os vermes, os indiferentes, os cúmplices. Os entreguistas, os traidores, os pusilânimes. Eu olho em volta e os vejo – lá estão.
 
(Em outros cantos vejo heróis, vejo resistentes. Olho para a minha filha e projeto todos eles, vejo nos olhos dela que ela não nasceu para oprimir ninguém. Mas ninguém nunca me perguntou: sua filha é uma boa pessoa? Tem boa índole?)
 

No caso das crianças, considero a redução precoce de seus traços de personalidade um baita de um atrevimento. Uma pretensão. Uma decisão anômala, descabida, deslocada, extemporânea. Uma proposição absurda. Sigo acreditando – enfaticamente – que essa personalidade está em construção. Que ela não é uma mulher de 18 anos. Uma moça de 30 anos. Uma adolescente de 40 anos. Vejo-a como ela é: um ser humano de 12 anos.

Mas ela vai dar trabalho, hem?” As perguntas se repetem. Ou as exclamações: “Sua filha vai dar trabalho!” Os tons variam. Às vezes, mais reticentes, en passant: “Ela vai dar trabalho...”
 
“Dar trabalho”? Já pensaram no que está embutido nessa palavra? “Trabalho”? Por que associar uma vida (e suas potencialidades) à palavra "trabalho"? A minha filha, com licença, não dá e não dará trabalho. Antes de mais nada, ela é um indivíduo - em si. Possui uma vida própria, um recorte específico, uma existência muito particular. Mas... pensem. O que vocês querem realmente dizer com isso?
 
Tá bom, tá bom, eu sei que, em muitos casos, vocês não têm intenções negativas, mentes abomináveis. Que não estão perpetuando a sexualização precoce, que não estão insinuando que ela tenha atributos que simplesmente não são atributos da sua idade. Mas... veja só. Em outros casos desconfio. Fico com a orelha em pé. Os dois pés atrás. Cotovelo e punhos a postos.
 
E por isso escrevo. Porque a minha filha de 12 anos é o infinito e porque ela deve ser preservada. Delicadamente preservada. Linguisticamente preservada. Como toda criança deste planeta.
 
Sim, não se trata do problema único do universo, da maior violência possível contra uma criança. Há fome, há mortes, há trabalho infantil, tráfico internacional de órgãos. Minha filha, especificamente ela, é um poço de privilégios: nasceu num canto da humanidade que se alimenta, não é subnutrida. A casa dela tem telefone, saneamento básico. Estuda em uma boa escola, está lendo Gabriel García Márquez.
 
Ocorre que a existência de violências mais explícitas não anula a existência de violências mais sutis. Minha filha (assim como cada criança do mundo) merece ser vista como ela é. E não como as pessoas projetam, não pelo que elas percebem em si mesmas – ou no conjunto da humanidade sórdida.
 
Está bem, dirão que eu carrego nas tintas contra os adultos. Vá lá. Bem sei que nem toda humanidade é sórdida. Mas sempre (e obsessivamente) me chama a atenção a repetição do bordão negativo - “ela vai dar trabalho, vai dar trabalho”. Como o coelho com pressa de Lewis Carroll. Não somente a repetição, o chavão, mas a ausência de algum equivalente positivo: “Ela é um anjo. Ela vai ser a solução. Está sendo.”
 
As pessoas são hobbesianas. Estão longe de acreditarem no bom selvagem. Nenhum problema em relação a isso, quando pensamos no conjunto da humanidade adulta – em boa parte acanalhada, ou refém de pactos entre patifes. O meu problema é com as crianças. Não temos o direito de projetar nossas frustrações (para ser até simpático com algumas projeções mais rústicas) em cada filho de amigo nosso. Devemos olhá-la como o caleidoscópio possível. Como a pedra a ser burilada.
 
Como a jóia mais exuberante da coroa. A minha filha de 12 anos é assim. E cada menina de 12 anos tem isso dentro dela – mais ou menos desenvolvido. A possibilidade de que seja uma pessoa que faça diferença. Que aja contra a desigualdade, que sinta o drama (esfomeado, violentado) de bilhões de pessoas, que seja coerente, como adulta, com o senso de justiça ainda existente na infância. Ou na adolescência.
 
Essas pessoas são especiais. Devem ser o nosso motivo diário de sorrisos – e de esperança. E não o nosso alvo. Nosso motivo de inveja ou despeito. Voluntário ou involuntário. Devem ser o conjunto dos dicionários, o conjunto das palavras possíveis, devem ser o universo multiplicado.
 
Elas devem ser (do ponto de vista estilístico) Jorge Luis Borges, o narrador do infinito, e não o jornalista redutor de cada esquina. Devem ser celebradas. Cada uma delas é o Prêmio Nobel de Literatura e de Ciência – e é aquele que vai salvar as nossas vidas. Antes disso, são o que são – são plenas.
 
As nossas crianças (entre elas a minha filha de 12 anos, a pessoa mais importante do mundo) merecem ser vistas como tais. Como a soma. O movimento. A utopia.
 
E não um ponto congelado em nossas retinas tão fatigadas.
 
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sábado, 16 de junho de 2012

Boas novas para Maluf, Lalau, Renascer. E são os estudantes da Unifesp que formam uma “quadrilha”?
 
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
 
A edição de hoje da Folha de S. Paulo ajuda a entender o que acontece no Brasil. Por um lado, impunidade. Por outro, criação de empecilhos à mobilização social - e perpetuação da desigualdade. Vejamos três títulos do caderno de política do jornal:
 
1) “Juiz Nicolau pode receber de volta mais de US$ 6 mi”
2) Alagoas: Vereadores acusados de fraude em venda de terreno são soltos
3) Índios: Justiça suspende demarcação que amplia área indígena entre MT e PA
 
A escolha do editor, voluntária ou não, resume com precisão a impunidade em terras brasileiras. “Juiz Nicolau” é aquele mesmo, o Lalau, das obras superfaturadas do Tribunal Regional do Trabalho, em São Paulo. A notícia sobre os índios nos relembra que a Justiça não está exatamente do lado dos indígenas – ou de quaisquer brasileiros excluídos.
 
Mas avancemos. Os jornais de hoje também anunciam que, para obter mais tempo de TV para o PT em São Paulo, o Ministério das Cidades ofereceu um cargo ao excelentíssimo ex-governador Paulo Salim Maluf. Esse senhor que, caso pise fora do país, será imediatamente preso pela Interpol.
 
A manchete da Folha, por sua vez, informa: “PF prende alunos da Unifesp após protestos em SP”. Não se trata somente de prisão após protestos. O que já seria grave. Os 23 estudantes – de uma universidade federal – foram indiciados por “formação de quadrilha”.
 
Eu disse formação de quadrilha? Os estudantes?
 
Vale observar que nem os estudantes da USP, sistematicamente criminalizados pela polícia paulista na gestão do atual reitor, João Grandino Rodas, foram enquadrados por “formação de quadrilha”, após reintegrações de posse na Cidade Universitária.
 
Atentemos então para outra notícia da semana, relativa à Igreja Renascer em Cristo. O Supremo Tribunal Federal decidiu que não existe na legislação brasileira a figura da “organização criminosa”. Com isso, foi arquivada a ação penal contra os fundadores da igreja - investigados por lavagem de dinheiro. A decisão foi unânime entre os ministros do STF.
 
Mas os estudantes paulistas, neste mês junino, esses respondem por formação de quadrilha.
 
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quinta-feira, 14 de junho de 2012

O prefeito Kassab, que fecha saraus, vai fechar shoppings Higienópolis e Pátio Brasil?
 
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
 
A manchete de hoje da Folha de S. Paulo informa que, segundo uma ex-diretora da BGE, Daniela Gonzalez, as obras nos shoppings Higienópolis e Pátio Brasil, em São Paulo, foram liberadas a troco de propina. Ela fala em R$ 1,6 milhão, que teriam sido destinados ao vereador Aurélio Miguel (PR) e a Hussain Aref Saab, ex-diretor do setor de aprovação de prédios da prefeitura, o Aprov. A TV Folha contou em maio que Saab comprou 106 imóveis nos sete anos em que dirigiiu o Aprov.
 
A influência do ex-judoca Aurélio Miguel seria na Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), que teria liberado as obras do shopping Pátio Paulista mesmo sem que elas cumprissem as exigências dó órgão.
 
O fato deve ser pensado à luz da “legalidade”, alegação comum entre juízes e políticos a serviço dos poderosos de plantão. Ela é invocada para questionar ocupações de sem-terra, sem-teto, estudantes. Mas não para fechar estabelecimentos que envolvam muito dinheiro.
 
A prefeitura de Gilberto Kassab (PSD) fechou recentemente três saraus. Três iniciativas culturais, na periferia e no centro. Sempre com o discurso da legalidade. Segundo o jornal Brasil de Fato, não foi somente o Sarau do Binho, na região do Campo Limpo, zona sul, a vítima da fúria “legalista” do prefeito. Esse foi apenas o caso de maior repercussão.
 
Também o bar do Carlita, na Brasilândia, zona norte, foi fechado por falta de alvará. Ele promovia o sarau Poesia na Brasa, que lançou livros de autores da periferia e promovia atividades em escolas e na Fundação Casa (ex-Febem). Outro estabelecimento fechado foi o bar Novo Lua Nova, no Bexiga, região central. A alegação? Falta de revestimento acústico. No local são realizados saraus e a Feira de Reforma Agrária do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra).
 
Por isso o blog pergunta ao valente prefeito Gilberto Kassab: o senhor vai fechar os shoppings Higienópolis e Pátio Brasil?
 
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Dom Tomás Balduíno: “Governo do Pará vendia terras no mapa”

Dom Tomás Balduíno recebe neste dia 15 de junho, da Universidade Federal de Goiás, o título de Doutor Honoris Causa. Em 2006, pela Agência Repórter Social, fiz com ele uma longa entrevista, em Brasilia. Quase seis anos depois, com o bispo emérito prestes a completar 90 anos, ela se mantém atual. Na época eu a publiquei com o seguinte título: “Aldo Rebelo é quem deveria estar na Papuda”. Isto após o ministro, então presidente da Câmara dos Deputados, mandar prender centenas de sem-teto, do MLST, que estavam no gramado do Congresso. O MLST perdera o controle de um ato e dezenas de sus integrantes invadiram a Câmara. Foi a senha para a prisão em massa (os sem-teto passaram a noite no Ginásio Nilson Nelson) e para um massacre dos meios de comunicação – um dos temas tratados por Balduíno na entrevista. O título atual se refere a um trecho em que ele detalha como o governo paraense vendia as terras, nos anos 60, por mapas aéreos. Sem se importar se ali havia índios. Segue o texto como foi publicado em 2006:
 
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
 
Em entrevista sobre o País e sobre sua vida, o líder da Comissão Pastoral da Terra falou (antes de Lula) de uma nova Constituinte, de uma “guinada para a direita” e desejou a prisão de Aldo Rebelo
 
BRASÍLIA - No dia 23 de julho, durante o Encontro Nacional dos Povos do Campo, Dom Tomás Balduíno concedeu uma longa entrevista à Agência Repórter Social. Por sua importância histórica, ela é reproduzida aqui na íntegra. O coordenador da Comissão Pastoral da Terra fala de conjuntura, mas percorre em sua fala centenas de quilômetros de uma história fundiária violenta. E faz projeções nada otimistas em relação ao futuro do País, que estaria sofrendo uma “guinada para a direita”, “pela pressão dos meios de comunicação”. Ele defendeu uma nova Constituinte antes do presidente Luiz Inácio Lula da Silva falar disso, com repercussão bastante negativa. Motivo: o Congresso elege as elites, conforme o que o sociólogo Chico de Oliveira chamou de “fila dos idiotas”. Dom Tomás não deixa pedra sobre pedra. Sobre o episódio do MLST, disparou: “Aldo Rebelo é quem deveria estar no presídio da Papuda”.
 
Repórter Social - Passado algum tempo do episódio do MLST no Congresso dá para avaliar melhor os efeitos. Quais são? Os povos do campo saíram perdendo com isso?
Dom Tomás Balduíno -
Do ponto de vista da mídia, sim. É mais um motivo de criminalização. A mídia, representando o interesse dos grupos econômicos do país, sempre viu com maus olhos as organizações do campo, ancoradas na terra, mas com uma projeção política bem ampla, na linha da mudança. No governo passado, de Fernando Henrique Cardoso, era quem representava a oposição. Nem era o PT, eram as organizações do campo. E atualmente, se considerando nas mesmas trincheiras do Lula, eles são os que mais reivindicam insatisfação, decepção com o andamento da reforma agrária. Mantendo a mesma linha crítica, com relação ao conjunto da instituição. Então isso é mal visto. A tal ponto que a reforma agrária, pela força da mídia, começa a virar tabu, ou coisa proibida, como era antes.

 
Repórter Social - O senhor observa um fenômeno de retrocesso em relação à idéia de reforma agrária?
Dom Tomás -
Sim. E muitas vezes o poder público se vale disso para se retrair no apoio às reivindicações de assentamento, de aprimoramento das instituições como Incra, a serviço da reforma agrária, etc. Agora, do lado dos trabalhadores, eu acho que com esse evento na Câmara houve uma tomada de consciência, não só de questionar alguns do poder legislativo, com o gesto de indignação, mas um questionamento que se aprofunda. Em outras palavras, em vez de questionar as peças do xadrez, hoje se questiona o próprio tabuleiro. É o Congresso que precisa de uma reformulação. Porque se acontece tanta distorção, tanto escândalo como nós percebemos, não é só um problema de maus elementos que estão ali. É a própria estrutura que favorece isso. Afinal de contas, o Congresso que hoje temos é fruto de uma Constituição feita pelos próprios congressistas.

 
Repórter Social - Como a CPT vê, por exemplo, o caso dos sanguessugas? Deputados em escala, altíssima, 20% dos deputados sendo acusados de corrupção envolvendo verba para ambulâncias?
Dom Tomás
- A Comissão Pastoral da Terra vê um pouco nessa linha de ir além da incriminação desses 20% do Congresso. É a própria estrutura que favorece isso. Afinal uma estrutura distante do povo, auto-suficiente, onde predomina a impunidade, onde a impunidade é uma questão de honra. Analisando de novo o gesto do MLST, é um gesto que vai ao encontro não só de deputados, mas da própria instituição parlamentar, que merece ser revista a fundo. Não só uma reforma política, mas uma reforma constitucional. Uma nova Constituinte. Uma Constituinte que não seja feita por eles. Porque eles foram guindados à Constituinte, eles sendo congressistas, pela imposição do Sarney, na Constituição de 1988. Não foram os cidadãos comuns, eleitos constituintes, que foram votar a Constituição e depois voltaram para casa. Foram os próprios congressistas, do Senado e da Câmara, que foram promovidos a constituintes.

 
Repórter Social - Dom Tomás, não sei se estou distraído demais com a imprensa, mas não tinha ouvido o senhor falar disso ainda. Da necessidade de uma nova Constituinte, a partir até desses episódios...
Dom Tomás -
Hoje se fala muito de reforma. É uma conquista: reforma política. Todo mundo fala em reforma política. Os partidos, o próprio funcionamento do Congresso. Suponha a reforma política. Quem fará? Os deputados. Quer dizer, mais uma vez vão legislar em própria causa. E como superar esse impasse? Só mesmo com a criação de um organismo externo à Câmara. A reforma política é necessária, mas criada pelos deputados? Sob a medida deles?

 
Repórter Social - Que tipo de órgão seria?
Dom Tomás -
Não se fala do judiciário ter um controle externo? Com autoridade de poucos brasileiros para acompanhar o desempenho do Judiciário? Ou é o próprio Judiciário que se julga? Atualmente é assim. Então ter um Conselho. O Congresso precisa ter um órgão sério. Mas se hoje vamos propor a criação de um órgão externo ao Congresso, passará pela aprovação ou não aprovação dos próprios deputados.

 
Repórter Social - O argumento contrário será o de que os movimentos sociais, a igreja, estão querendo usurpar o sagrado direito do cidadão comum, que é manifestado pelo voto, “eles não são representantes da maioria do povo brasileiro, mas de determinados grupos”. Como o senhor responderia a isso?
Dom Tomás -
Que atualmente a fila de votos, que o Chico de Oliveira chama de a fila dos idiotas, é só eleger o cara. Depois de ele eleito, ele faz o que quiser do mandato dele. Qual é a força dessa fila? Esse é um problema muito sério. Acaba promovendo alguém como delegado do poder que é do povo, mas dono absoluto dessa delegacia. É nesse sentido que essa atribuição acaba sendo prejudicial ao próprio povo que esperava votar, que só faz isso, votar. Depois não acompanha, não tem instrumento de acompanhamento. Não se trata, portanto, de uma pressão desta ou aquela sociedade, ou igreja, ou de movimentos sociais. Não se trata disso. É um raciocínio transparente. Creio que nós estamos aí numa espécie de círculo vicioso. Toda reforma passa pelas mãos daqueles que mais precisam ser reformados. Eles se tornam a última palavra...
 
Repórter Social - Um moto-perpétuo... E quem poderia compor esse Conselho?
Dom Tomás - Suponho uma discussão. Porque esse Conselho deve ser em caso de eleição. E suponho uma discussão do tipo da Constituinte, que cria o instrumento do legislativo, do executivo e do judiciário e cria o controle externo. Então, a gente pode refletir como é que seria esse conselho. Mas a sua constituição passaria por alguma manifestação popular, do tipo Constituinte.

 
Repórter Social - Seria um poder moderador?
Dom Tomás -
Você não ouviu falar do Conselho do Judiciário?

 
Repórter Social - Mas pelo que estou entendendo seria algo relativo aos três poderes.
Dom Tomás -
Isso é uma necessidade. A forma concreta de chegar lá, precisa de reflexão, discussão, dentro de toda a sociedade brasileira. Senão vira um instrumento a mais, que pode cair nos mesmos vícios.

 
Repórter Social - Quem, além do senhor, tem discutido nesses termos?
Dom Tomás -
Essa discussão do controle externo do Judiciário é mais ampla que a CPT. Agora, essa discussão sobre a proposta de uma possível Constituinte veio a propósito destas eleições. O eleitor está diante de poucas alternativas.

 
Aqui se encerrou a primeira parte da entrevista, antes o início do Encontro Nacional dos Povos do Campo. Durante sua fala, Dom Thomas Balduíno fez várias citações bíblicas, ausentes durante a entrevista. Toda a parte seguinte foi feita no caminho para o almoço, no Minas Tênis Clube de Brasília, na fila e na mesa, diante do prato com arroz, feijão, frango e salada.
 
Repórter Social - Quem mais está pensando ou parecido com o senhor em relação a isso?
Dom Tomás - Isso precisaria fazer um levantamento. Sei que não estou só. Porque a própria Constituição de 88, que nós consideramos insatisfatória pelos motivos que eu mostrei, já foi deturpada na linha de anular as conquistas dos trabalhadores, do pessoal da terra, no sentido da flexibilização. Isso entrando como emenda na Constituição. Somando a Constituição desde os tempos de Fernando Henrique Cardoso, as emendas constitucionais, todas elas são no sentido de um retrocesso. Como corrigir isso? Se for confiar ao próprio pessoal que institucionalmente é encarregado de mexer na Constituição, dentro daqueles critérios da proporção numérica, são homens e mulheres que vão legislar em causa própria. Além disso, esses que estão lá dentro, pelo processo mesmo de formação do Congresso, do próprio time do Executivo, da presidência aos governadores e prefeituras, tudo isso obedece ao critério de uma maioria que representa a minoria. Lhe explico: o detentor do poder é o povo. Os que representam o povo no Congresso podemos distinguir entre um grupo majoritário que representa a minoria do povo, que são as elites, e um grupo minoritário que representa o resto do povo, a massa do povo. Então esta é a conseqüência de uma distorção na própria estrutura que leva a prover os diversos cargos do Congresso.
 
Repórter Social - ...
Dom Tomás - Eu não respondi à sua pergunta, você queria saber quem mais? Acho que há muito que acham que não seria a hora da mudança na Constituição. Porque os congressistas não estão à altura de votar a causa do povo. Porém, eu respondo o seguinte: a Constituinte não leva em conta o time que está compondo o Congresso. Não mexe neles, não caça o poder deles, porém cria uma nova Constituição a partir dos legítimos representantes do povo, que são eleitos em vista da própria Constituição. Um outro mundo, outro universo.
 
Repórter Social - Mas não há risco de um retrocesso? Em 1988 o clima era mais favorável às causas sociais do que hoje, não? Mesmo entre as elites...
Dom Tomás -
Eu diria que hoje há um avanço na sociedade brasileira em termos das organizações populares. Cresceram. Não havia isso em 88. A própria reforma agrária ficou mais na mão da bancada ruralista, do Centrão, porque do lado da representação dos trabalhadores rurais havia apenas a Contag. Não havia esse leque imenso de organizações populares, ou das mulheres, dos quilombolas, dos povos indígenas. E nasceram. Essas organizações são do final dos 70 e início dos 80. E isso muda muito a perspectiva numa hora de uma proposta de nova Constituinte.

 
Aqui Dom Tomás fala da possibilidade de uma “guinada para a direita” no país, pela “pressão dos meios de comunicação”. Ainda estamos na fila do almoço no Minas Tênis e a conversa interessa as pessoas mais próximas, que apenas ouvem.
 
Repórter Social - Que país o senhor vislumbra para uma nova geração, para os próximos 25 anos, pelo andar da carruagem? Se nada mudar o que vai acontecer? Vai ter mais conflito, mortes, radicalização?
Dom Tomás
- Há uma tendência que a gente nota, dentro do país, devido à pressão dos meios de comunicação, de uma guinada para a direita. É a figura do país norte-americano. Uma direitona. Tanto republicanos como democratas é a mesma coisa. Às vezes temo que isso no Brasil avance. No sentido de novas gerações sem compromisso nenhum com o social, e o povo em geral levado ao consumismo pelos meios de comunicação social. De maneira que... Isso para falar do grosso da população. Esses, por exemplo, que são beneficiados pelo programa Bolsa-Família, que estão optando por Lula, é gente em geral que não têm a mesma consciência de luta que têm estes grupos aqui. Pessoal de luta, de organização popular, deve estar reduzido à minoria. Porém, há imprevistos. Do tipo do fenômeno que levou Lula ao poder. Quem esperava que acontecesse o fenômeno Evo Morales na Bolívia? São coisas assim. Pode ser que esse povo sofrido, que talvez esteja apático diante da política e queira ter só a sua bolsa, o seu pecúlio mensal, numa hora de uma proposta ele abre os olhos. De repente. Pode suceder isso. Acredito que é um pessoal que vem sendo ameaçado pelos políticos oportunistas, mas que de repente pode abrir os olhos para outra perspectiva. E, o que é importante, forma maioria. Aqui nós temos em termos de oposição numérica, uma minoria de direita, com muito poder de penetração, por causa dos meios de comunicação social, dos recursos, do dinheiro, e uma grande maioria que é um potencial de mudança.

 
Repórter Social - O centro virou direita ou é direita?
Dom Tomás -
É direita. Em si é direita. Esquerda, no sentido de abertura, participação... O que distingue um do outro? É a elitização, a privatização, é a questão da ordem a favor dos grupos privilegiados, ao passo que a esquerda é toda forma de promoção a partir de baixo. De dar a voz e a vez aos mais pobres, aos mais sofridos.

 
De volta ao MLST, Dom Tomás dispara: “Aldo Rebelo é quem deveria estar preso na Papuda”.
 
Repórter Social - Queria que o senhor falasse da prisão do pessoal do MLST. O cara que deu bengalada no Zé Dirceu foi solto no mesmo dia. Eles não. O que significa isso?
Dom Tomás - É uma questão mesmo de uma desconfiança dos detentores do poder com relação aos representantes do povo. Essa prisão, primeiro foi uma prisão em massa, de quase 400 pessoas, pais de família, gente de paz, gente de trabalho honesto, jogados na Papuda. Quem fez isso, quem teve a idéia de fazer essa prisão, merecia estar na prisão.
 
Repórter Social - Foi o presidente da Câmara, aliás o deputado comunista Aldo Rebelo.
Dom Tomás -
Merecia estar lá dentro. Lá dentro da prisão. Porque é representante de uma elite que tem esse título de esquerda. Que é mais um título de glória, mais uma estrela para brilhar na lapela.
 
Repórter Social - O senhor está dizendo uma coisa muito grave aqui, Dom Tomás. Que o Aldo Rebelo deveria estar na Papuda?
Dom Tomás - É. Deveria estar. Ao invés desses que ele mandou para lá.
 
A resposta oficial da assessoria do presidente da Câmara foi a seguinte: "A assessoria de imprensa da Câmara dos Deputados reafirma que os militantes do Movimento de Libertação dos Sem-Terra já chegaram à Câmara de forma violenta, sem dar espaço ao diálogo, forçando a entrada de uma das portarias da Casa. Reafirma também que o presidente Aldo Rebelo mantém suas convicções no processo de diálogo com as forças sociais e as portas da instituição abertas a todas as manifestações pacíficas. O próprio Dom Tomás Balduíno e outros movimentos ligados à luta pela terra já foram recebidos diversas vezes pelo Presidente.”
 
A entrevista segue falando de violência no campo:
 
Repórter Social - O relator Valente, da plataforma Dhesc, relatou aqui no Fórum Nacional dos Povos do Campo casos escabrosos, por exemplo da Brigada Militar gaúcha roubando merenda, provocando até sexualmente as mulheres do MST. Ou o de um morto sendo despejado. Ele chamou isso de “um Brasil sem pé nem cabeça”. O senhor recebe na CPT denúncias desse tipo, regularmente?
Dom Tomás -
A CPT faz anualmente o Caderno de Conflitos. Que só não entra área indígena, que é feita pelo Cimi. Você percebe isso. Por exemplo a situação dos mortos da cana: eles morrem de cãibra, porque são obrigados a competir com as máquinas. Ou competem com as máquinas, cortando 16 toneladas, ou são postos na rua. E eles fazem tudo para poder garantir o emprego, porque é o dinheiro que mandam para a família de origem, de onde vêm, que é o semi-árido de Minas, do Nordeste, do Piauí, Maranhão. Nesse Caderno de Conflitos tudo vai nessa linha. Os conflitos existem não porque os trabalhadores rurais criam caso, porque agridem ou porque estão roubando fazendas, roubando gado. È porque o sistema os considera como bandidos, em vez de considerá-los como cidadãos que estão participando honestamente da construção da pátria.

 
Repórter Social - Ele citou o caso do Judiciário, até o de um ministro, Francisco Falcão, que ele chamou de “vendilhão”. Qual o papel do Judiciário nisso tudo?
Dom Tomás -
Teve um caso, por exemplo, do Supremo ter determinado o despejo de todo um grupo indígena, da tarefa, favorecendo um casal, que se intitula proprietário da terra. Tá bem. Olhando lá os textos de direito da propriedade, o juiz pode determinar o que ele quiser em favor do proprietário. Somente a Constituição abriu um outro veio, mais importante que o do direito da propriedade, que é a dimensão social da propriedade, a função social da propriedade. Comparando as duas coisas, o que define afinal de contas o direito da propriedade não é o direito absoluto, mas o respeito às condições do social. E você comparando, por exemplo, um casal que tem filhos, pretenso detentor de uma área onde os povos indígenas estão há anos, olhando sobre o ângulo social, prevalece a força, o direito?

 
A entrevista começa a tomar um rumo mais centrado na figura de Dom Tomás. Ele fala do jogo político na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
 
Repórter Social - Dom Tomás, o senhor está com quantos anos?
Dom Tomás -
Oitenta e três.

 
Repórter Social - O senhor está radicalizando seu discurso nos últimos meses? Está mais indignado?
Dom Tomás
- Acho que não, é a mesma coisa.

 
Repórter Social - Em termos de CNBB, como está o jogo político interno? Vocês lançaram este ano um texto ecumênico a partir da Carta da Terra, de 1980, mas não foi assinado pela CNBB.
Dom Tomás
- A correlação de forças dentro da CNBB não aponta na linha de assumir um documento daqueles, polêmico. Ele assume uma posição dura contra o agronegócio, se posiciona contra a transposição do São Francisco, a favor das ocupações... Justifica até com apoio daquele documento da Santa Sé. Não é aconselhável um documento desses ser assumido pela Conferência Episcopal. Por causa da diversidade de posturas dos bispos que estão aí. Talvez no ano 80 o episcopado tivesse mais coesão, mais uniformidade. Hoje não tem. Era inicialmente proposto para ser assumido. Foi a própria CNBB que pediu para a CPT atualizar o documento. Mas uma vez feita a atualização, com diversas assessorias, o pessoal sentiu que não... Como é que ele sai? Sai como um documento de bispos. Isso é tradicional na Igreja. Desde o tempo dos apóstolos e dos diáconos que há essa tradição de um bispo, por exemplo sozinho, tomar uma posição, com a responsabilidade problema, em relação a tal ou qual problema. Da mesma forma ele se unir com outro grupo ou outros grupo para fazer um pronunciamento. Fazendo assim, ele não está criticando o colégio, está talvez reconhecendo que talvez fosse forçar muito um colégio a adotar as posições dele.

 
Repórter Social - A Pastoral da Terra está tendo o apoio necessário da Conferência, em termos de recursos. Ninguém quer derrubar o senhor?
Dom Tomás -
É polêmico também. Tem bispos que não aceitam a CPT, que proíbem a Romaria da Terra. Não é um posicionamento geral da CNBB. A gente tem de entender duas coisas. Primeiro, a própria instituição, que aprova os documentos. E os membros da mesma CNBB, que são bispos, cada um com sua posição, sua ideologia. Gerar um consenso para um documento é uma coisa mais restrita. Você vai votar sobre o processo eleitoral. Quando muito entra contra a corrupção. Em qualquer entidade é assim. Se você alarga está sujeito a um efeito de média. A CNBB é mais uma força moral. A última palavra é do bispo diocesano. E isso é sustentado pelo direito canônico. Em outras palavras, a CNBB não é uma superdiocese, com poder sobre... Para muita gente parece que é um organismo acima do bispo diocesano. Não é. Ela decide por força moral. E funciona.

 
Dom Tomás volta a falar da direita e do governo Lula. Diz que se ele não tivesse adotado uma postura conciliadora poderíamos ter tido um golpe.
 
Repórter Social - Voltando um pouco: quando o senhor fala que teme o crescimento da direita no país, haveria uma tendência a uma radicalização, como na Venezuela? E o que aconteceria com um governo de direita?
Dom Tomás
- Acho que a sua comparação não é feliz. Porque na Venezuela o governo Chávez estaria mais perto dos movimentos sociais do que da elite. A elite que é contra ele, não os movimentos sociais.

 
Repórter Social - Mas me referia à radicalização, no caso da Venezuela.
Dom Tomás -
A radicalização, sim. Entendo. Aí é questão do futuro. Muito difícil você... Vamos tomar o exemplo do Lula. Se, em vez de seguir o caminho que preferiu seguir, que ele chama de governabilidade, seguisse a expectativa popular que ensejou a vitória dele, poderia haver um processo de radicalização. Sob que forma? Na forma de conspiração, de propostas de impeachment, e em último caso de golpe. Isso é que é radicalizar.

 
Repórter Social - Deixa eu ver se entendi: se o governo Lula fosse menos conciliador, inclusive com as elites, poderia ter desembocado num contexto de golpe?
Dom Tomás -
Eu acredito que o Lula não sofreu o impeachment porque ele concedeu tudo à elite financeira. O pessoal deixou assim: bom, mas a gente não está perdendo com ele, então por que derrubá-lo? Você não sente isso?

 
Repórter Social - Eu acho que tem a ver com a reação popular. O termômetro é o apoio ao governo e as próprias pesquisas sobre reeleição. Quanto menos apoio popular...
Dom Tomás -
Isso é um fator de ponderação, o apoio popular. Mas os elementos que levaram a cair ministros, deputados, presidentes de partido, poderiam ter acontecido no caso dele. Isso foi falado isoladamente, não foi uma proposta consolidada contra o Lula.
 
O assunto passa a ser as eleições e o quadro político em um segundo governo. Estamos no almoço e Dom Tomás fala ainda mais pausadamente, mas sem se incomodar em continuar dando a entrevista.
 
Repórter Social - Pensando neste evento. Já num período eleitoral, o que dá para sair daqui? O presidente do Incra propôs acordo em relação ao segundo governo. O senhor acha que dá para sair algo nesse sentido?
Dom Tomás -
Falando realisticamente: o Lula está eleito. As pesquisas já mostram ser difícil essa inversão. O encontro vai tentar mais consenso entre os companheiros. O Rolf falou disso, da união entre as diversas organizações. O encontro não vai descobrir a pólvora. Vai unir. A grande proposta é essa. O consenso é um pouco geral. Há um consenso em torno das propostas.

 
Repórter Social - O senhor falou da reeleição praticamente. Mas nos governos estaduais a oposição deve vencer. O PT tem mais chances somente no Acre e Piauí. Os governadores têm o poder de polícia, inclusive sobre os sem-terra – a gente falou aqui da Brigada Militar do Rio Grande do Sul. Mesmo admitindo um governo Lula que não reprima movimentos, a gente não fica com um país ambíguo no que se refere à relação com direitos dos trabalhadores? Ou seja: a direita não vai se utilizar desses governadores para bater nos trabalhadores?
 
Dom Tomás - Há um fenômeno que é novo, está sendo cultivado, divulgado, que é o da própria sociedade civil. Os governadores são um poder. Provinciano, mas é um poder. Todo mundo disse: agora é Lula, então vem a reforma agrária. Só que a questão, depois de 30 anos de caminhada, é o povo ter de criar um instrumento adequado à vida democrática. Esse fracasso tem um lado positivo, de abertura de horizontes, que é na linha de fortalecer a sociedade civil. Falam do Evo Morales. Quanto mais o povo distante, mais a elite criola ia fazer as coisas dela. Derrubaram o presidente. Na Venezuela evitaram o golpe. Eu faço a mesma leitura que você faz: os governadores não vão ser mais aqueles amiguinhos. Porque a estrutura que nós estamos aí é a que gera esse tipo de governador.
 
Repórter Social - Detalhe: governadores com chances efetivas de serem presidentes da República em 2010...
Dom Tomás -
Esse é um elemento complicador, que muda o cenário daquele que era antes. E acho positivo isso, que uma decepção com o fracasso como este realizado pelo governo Lula acaba permitindo a emergência da organização popular. Nem tudo no país é governo. Nem tudo vem do céu do Palácio do Planalto. Veja a força que exerceram os coronéis, os Sarney, Antonio Carlos Magalhães...

 
A entrevista segue para o seu final partindo para a biografia de Dom Thomas. Após quase duas horas de entrevista, ele fala da morte, dos que caíram na luta no campo. Um pouco de história do Brasil a partir da narrativa do líder da Pastoral da Terra.
 
Repórter Social - Aos 83 anos, o senhor viveu a juventude, adolescência, durante o Estado Novo. Boa parte da história do Brasil. Isso que o senhor fala de mobilização da sociedade civil é a principal novidade na sua trajetória de observador do país?
Dom Tomás -
Já houve mobilizações interessantes. Tivemos as Diretas Já...

 
Repórter Social - Essa, pontual.
Dom Tomás -
Pontual. E talvez fracassada, né? Terminado o fervor da mobilização... Eu participei lá em São Paulo. Quase me mataram. A massa de milhões mata qualquer um, se você quer atravessar...

 
Repórter Social - Quais foram os momentos mais tensos que o senhor viveu? Durante as ditaduras?
Dom Tomás -
O momento mais tenso foi na estrada das organizações do campo, em Goiás. O governo militar estava por trás, mas era sobretudo a tensão com os latifundiários, porque na Diocese de Goiás foi um ponto de partida de alguns movimentos nacionais contra o custo de vida, movimentos por exemplo campanha nacional pela reforma agrária, nasceu lá, com o apoio do Betinho, depois ficou mais próximo lá do Ibase. A coisa acirrou nas sucessivas ocupações de terra.

 
Repórter Social - De que anos o senhor está falando?
Dom Tomás -
Estou falando dos anos 80, início dos 90. Foi o momento mais duro. Porque essas organizações se apoiavam muito nas dioceses. Elas tinham referência até como local de reunião. Não eram autônomas, todas as dioceses, mas aproveitavam o espaço para fazer suas articulações. Chamavam assessores de onde eles queriam, livremente. O engraçado é que houve um... Vou contar um exemplo. Houve um encontro de trabalhadores na minha casa, porque lá era um centro diocesano de pastoral, com alojamento, com salões. Na hora assim do almoço dos trabalhadores rurais estavam reunidos e eles disseram: nós estávamos reunidos e não convidamos o senhor. O que o senhor diz? Eu disse: fico feliz de vocês poderem caminhar com suas próprias pernas, pensar com sua cabeça e caminhar com as pernas. A tensão ia esbarrar ali, porque a Diocese dava apoio a eles. O apoio da forma mais adequada, permitindo a eles o protagonismo. Não criamos movimentos de igreja para o campo. Nós abrimos espaços para o povo do campo ser sujeito, autor e destinatário de sua própria caminhada. Diziam inclusive que era o bispo que ordenava as ocupações. Não acreditavam que aquele peão pudesse ter cabeça para articular uma ocupação, envolvendo os diversos atores. Gente que achava que era somente pau-mandado, na condição de trabalhador doente que só fazia aquilo. A culpa recaía sobre o bispo. Então explicar as coisas a cada um, a gente deixava pra lá, não se incomodava com isso. Contanto que na realidade eles sejam os protagonistas, e não agentes de pastoral, Contag, seres muito iluminados. A minha experiência vem de longe. Antes de ir para a diocese de Goiás fui missionário em Conceição do Araguaia. De 1954 até 1967. Trabalhei em áreas indígenas, para isso estudei, fiz aqui pós-graduação em antropologia e linguística na UnB, cheguei a falar a língua de um deles.

 
Repórter Social - Qual língua?
Dom Tomás -
Xicrin. Do grupo bacajá, Kayapó. Mas lá a gente já começou a encontrar a contradição da terra. Os posseiros. Porque lá o governo não se incomodava em dar títulos de terra, desde que o pessoal requeresse. Começou a dar para os ricos do sul. Mas havia inúmeros posseiros, que começaram a ser incomodados pelos novos donos da terra, que chegavam com o documento. O governo do Pará vendia a terra no mapa, o mapa de aerofotometria. Sem saber se lá tinha índio, tinha... Aí o conflito vinha quando o dono chegava e falava: olha aqui o meu documento. Isso aconteceu em Santa Terezinha, fundada pelos velhos missionários dominicanos franceses, tinha igreja, escola, casa das irmãs, o povoado foi se formando. O comércio, e as casas de família. Um belo dia chegou lá um cara de São Paulo, dono da empresa chamada Codeara, reuniu o povo e falou: vocês têm várias coisas que acho que são de vocês – igreja, escola, posto de saúde, suas casas, comércio. Vocês podem pegar isso e levar para onde vocês quiserem. A terra, que está embaixo disso, é minha.Você imagina... E quando era indígena... E o governo estadual, como você diz, mandava a polícia.

 
Repórter Social - Isso foi em que ano?
Dom Tomás - Deve ter sido em 1969, 1970.
 
Repórter Social - Ontem a dona Dijé, líder de quebradoras de coco no Maranhão, contou caso similar, no Conselho Federal de Psicologia, relativo à sua comunidade quilombola, queimaram todas as casas... Uma empresa japonesa.
Dom Tomás - É o mesmo processo. Acho que o instinto mal, mesmo, ignora quem está lá. E é um dinheiro que não vai para os cofres públicos. Vai para a corrupção. Pois o Estado tem o poder de venda, dá as escrituras públicas, mas a realidade a terra não é totalmente do Estado, é terra de posseiros, de povos indígenas, que tem direitos imemoriais. O resultado é a briga, o conflito. Isso para dizer que comecei no noviciado nesse clima, antes de vir para a Diocese de Goiás, onde fui arcebispo por 31 anos. Agora, como a gente disse, a polícia é formada ali mesmo. De vez em quando me chamavam para dar uma aula no quartel deles. Eles me conheciam, iam tomar bênção. É quem a gente encontrava nos despejos. Quando você via se aproximando o carrinho da gente, o pessoal ficava que nem marimbondo: olha ali, polícia, fazendo o cerco. Falavam: Dom Tomás... Você vê: ao mesmo tempo a tensão e a possibilidade de um papo, de um diálogo, sobretudo no nível da força policial. O que eu tinha medo, sobretudo em relação aos agentes de pastoral, era dos jagunços. Eu não tinha medo da polícia. Nunca tive. Nem do exército. Sabia que tinha vários agentes me acompanhando. Havia essa possibilidade de levar um diálogo com o dono da terra, ou então com o comando, a gente até combinava com a polícia, ‘não faça esse despejo agora, espera mais um pouco, você não vai perder emprego por causa disso’, aí dava tempo da negociação chegar. Todas as vezes o resultado das ocupações foram assentamentos.
 
Repórter Social - O senhor foi a muitos velórios de trabalhadores rurais?
Dom Tomás -
Fui a muito velório de trabalhador rural, de padre assassinado...

 
Repórter Social - Quantos?
Dom Tomás -
Não contei, mas teve dois mais presentes na minha memória. O padre Rodolfo Lunkenbein (morto em 15 de julho de 1976), padre João Bosco Burnier, assassinado em Ribeirão Cascalheiro (11 de outubro de 1976), padre Josimo (Tavares, assassinado em 1986, no Maranhão).

 
Repórter Social - Em que ano?
Dom Tomás -
76. Agora completaram 30 anos. É engraçado o episódio do Rodolfo. Entrou um jornalista aí, na história. Depois dele sepultado, do velório, eu estava na minha mesa de trabalho, o telefone toca. Um jornalista de Brasília me chama. Dom Tomás, no dia 20 de julho de 1976 onde é que o senhor estava? Eu peguei a agenda e falei: fui para o velório do padre Rodolfo, estava lá. Inclusive fui pilotando o aviãozinho. Mas ele falou: eu queria saber onde o senhor devia estar. O senhor devia ter cancelado um compromisso para ir lá. Eu vi na agenda que tinha que estar numa paróquia, encerrando a festa de um padroeiro. Aí ele falou: estou informado, por que ele tinha acesso a órgãos de segurança, que estava preparada sua morte naquele dia. (Ri.) Então eu digo sempre: o Rodolfo me salvou... Porque indo para o velório dele eu escapei.

 
Repórter Social - O senhor era de chorar com esses episódios?
Dom Tomás -
Não. A gente tem uma espiritualidade diante... Até fiz um estudo sobre isso: sobre a morte. A morte nas comunidades eclesiais de base. E a morte na filial. Nessa romaria dos mártires o pessoal celebra praticamente a vida, não a morte. Porque há um culto da morte na igreja católica herdado de outras religiões, que não católicos, mas que a Igreja assimilou como culto dos mortos. Esse é triste, esse é luto. Nas comunidades eclesiais de base, é claro que o pessoal não deseja a morte, nem quer que morram os companheiros, transformam isso em bandeira de vida e de luta.

 
Repórter Social - Eu acabei de entrevistar a Elenira Mendes, que tinha 4 anos no dia do assassinato. Chico fez dedicatórias a ela, dizendo que ela teria de seguir a luta. Agora, com 22 anos, efetivamente está assumindo a causa...
Dom Tomás -
Oscar Romero, arcebispo de El Salvador, ele declara explicitamente que se ele morrer a morte dele será motivo de ressurreição do povo de El Salvador. Ele ressuscitará na vida do povo de El Salvador. Então a consciência que o pessoal de Anapu tem a respeito da morte de Dorothy é que fortaleceu: sentiram o apoio não só do país, mas de todo o mundo em torno daquele ideal, porque não era só irmã Dorothy que tinha aquela ideia de centros ecológicos – é a mesma mentalidade do Chico Mendes. O pessoal ficou muito fortalecido com isso. A morte recupera um pouco a espiritualidade dos primeiros cristãos, que o sangue do mártir é semente, vida nova na igreja.

 
Repórter Social - O senhor conheceu todos esses personagens? Chico, Dorothy? Outro dia eu estava entrevistando a Elizabeth, a viúva do “Cabra Marcado para Morrer”, conforme o documentário do Eduardo Coutinho...
Dom Tomás –
Conheci. Sobretudo Dorothy. Ela era do CPT. Josimo era meu companheiro de caminhada. Esteve até na cadeia, do exército araguaiano. O Tito Alencar... Bem na minha diocese tem um padre que ficou cego dos dois olhos, porque tomou um tiro de cartucheira, perdeu completamente a visão.

 
Repórter Social - Perdeu em Goiás?
Dom Tomás -
Foi, foi lá. O tiro seria para o bispo. Ele é cego, mas foi promovido como pároco da mesma paróquia onde foi ferido.

 
Repórter Social - O que os mártires têm em comum? Liderança, fibra, visão do processo histórico?
Dom Tomás -
Certamente uma mística em comum. Na linha da libertação, de levantar as condições de vida do povo, a paixão pelo povo. Todos eles, de uma maneira muito forte. Isso é uma coisa que não é fruto de um aprendizado, de um noviciado. É um negócio complexo, não é? Como é que a pessoa chega a isso? É inato, parece que algo é inato. Um elemento que está encontrando as condições, então se afirma dessa forma.

 
Repórter Social - O senhor se arrepende de algo em sua trajetória?
Dom Tomás - Meu temperamento não é de ficar arrependido nem triste. Não é mérito de minha parte, é meu jeito de ser. Eu enfrento. Eu acho que herdei essa coragem de enfrentar os acontecimentos do meu pai. Meu pai foi juiz, numa área de cangaço. Eu era meninote, acompanhava as estratégias para a defesa da família. Porque tinha um bando querendo ocupar a cidade – Formosa (GO), aqui perto. E ele era uma das pessoas juradas para morrer. Esse homem enfrentava isso com serenidade e continuava como juiz, julgando essas causas escabrosas. Formosa está ligada àquele perímetro que você vê em Guimarães Rosa, Urucuia, a interseção Minas-Bahia-Goiás, uma região muito pródiga em cangaço naquele tempo. E isso ia esbarrar aonde? Na Justiça.
 
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quarta-feira, 6 de junho de 2012

“Ônibus-camburão” da Unifesp leva 43 estudantes presos em reintegração de posse
 
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
 
Um micro-ônibus da Universidade Federal de São Paulo foi utilizado como camburão, na tarde desta quarta-feira. Ele levou 43 estudantes presos durante a reintegração de posse do campus da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Unifesp-Guarulhos. Nem a presença do ministro Gilberto Carvalho, secretário-geral da Presidência da República, impediu o cumprimento da ordem judicial, em pleno governo Dilma Rousseff. A Polícia Federal acompanhou a operação, mas quem executou foi a Polícia Militar do Estado de São Paulo, que levou ao local cerca de 15 viaturas.
 
O micro-ônibus da Unifesp dirigido por um motorista terceirizado (e não por um policial habilitado, portanto) levou um delegado e os 43 estudantes de Guarulhos até a Lapa, na zona oeste de São Paulo, ao prédio da Polícia Federal. Nem todos ficaram sentados – pois o número de pessoas excedia a capacidade do veículo. Ou seja: foram espremidos – sem nenhuma segurança de trânsito – durante todo o trajeto. Fotos feitas por outros estudantes mostram os detidos com os braços para fora, no momento em que cantavam palavras de ordem contra a Polícia Militar.


Os estudantes ficaram no auditório da Superintendência da PF. Durante a noite, começariam a ser ouvidos pelo delegado plantonista, de seis em seis. O blog Outro Brasil esteve no local durante a noite. O micro-ônibus deixou o local por volta das 22 horas. Cerca de 50 pessoas concentravam-se no local, em frente do portão 2, entre amigos e parentes dos estudantes. O restante da imprensa (seja ela grande ou alternativa) não acompanhou essa movimentação.
 
Segundo um dos advogados dos estudantes, eles seriam liberados após todos os depoimentos – em princípio, apenas negativas para a acusação de crime de desobediência, por não terem desocupado o local. A PF decidiu lavrar apenas termos circunstanciados, que mantêm a primariedade dos acusados. Um delegado da Polícia Federal teria dito que não foi a PF a responsável pelo transporte dos acusados no micro-ônibus – cedido à PM pela reitoria da própria Unifesp.
 
Representantes do Comando de Greve dos estudantes contaram ao blog que esse micro-ônibus costuma ser utilizado para transportar alunos da região de Itaquera, em São Paulo, até o bairro dos Pimentas, em Guarulhos. E que, na semana passada, esse serviço não estava sendo realizado porque o ônibus estaria quebrado. Por isso consideram irônico o veículo aparecer bem no momento de uma reintegração de posse.
 
A presença do ministro Gilberto Carvalho no local seria no sentido de tentar impedir a reintegração de posse do local, ocupado desde o dia 22 de março pelos estudantes. Isto por conta dos possíveis desgastes políticos para o governo Dilma Rousseff e para a candidatura do ex-ministro Fernando Haddad (PT) à prefeitura de São Paulo. Carvalho, como Luiz Dulci no governo Lula, é o responsável pela interlocução com movimentos sociais.
 
Mas, segundo os estudantes, o mesmo juiz que, na semana passada, indeferiu o pedido de desocupação, foi o que determinou a reintegração de posse, nesta quarta-feira. O oficial de justiça leu a decisão e deu 1 hora e 10 minutos para os ocupantes deixarem o local. À espera de sinais visíveis de uma reintegração (um camburão, membros paramentados da Tropa de Choque), eles acharam que ela não ocorreria tão cedo. Foi quando a polícia fechou todas as saídas e acionou a Tropa de Choque.

Diante da voz de prisão, os estudantes foram encaminhados para o micro-ônibus. Os oficiais de justiça registraram a existência de pichações no imóvel (que, segundo os advogados dos detidos, já estariam por lá), e disseram que os móveis tinham sido preservados. Às 22h30, do lado de fora do prédio da PF, outros estudantes apoiavam os detidos, com palavras-de-ordem. Como esta: “Ocupar, resistir, lutar para garantir”. Ou: “Lutar. Criar. Poder popular”.
 
Leia mais sobre a ocupação dos estudantes no blog Greve Unifesp.
 
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sábado, 2 de junho de 2012

Bebês morrem em creches clandestinas. Mas Kassab fecha o Sarau do Binho
 
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
 
O Diário de S. Paulo deste sábado noticia que Gabriel Santos da Silva, de 6 meses, morreu na quinta-feira em uma creche clandestina no bairro de Brasilândia, na zona norte de São Paulo.
 
A cidade tem 126,6 mil crianças crianças sem vagas em creche. Os pais precisam trabalhar e acabam deixando-as nesses "depósitos de crianças" - conforme a definição de Ariel de Castro Alves, vice-presidente da Comissão Nacional da Criança e Adolescente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
 
Mas o prefeito Gilberto Kassab (PSD) está preocupado com outras ações. Outras restrições. Outras punições.
 
Esta semana mesmo ele fechou o Sarau do Binho, na região do Campo Limpo, zona sul. Por conta de multas acumuladas pelo estabelecimento, que tenta há anos autorização para funcionar, sem sucesso.
 
E o que é o Sarau do Binho? Apenas mais um botecão, e a prefeitura estaria preocupada com altos índices de alcoolismo, brigas, assassinatos no bar? Não: o Sarau do Binho era um espaço cultural.
 
Binho é um poeta. Ele reúne amigos, escritores e moradores para atividades culturais. Como lembra o texto do coletivo Desentorpecendo a Razão, os saraus se tornaram, com a carência de pontos culturais nas periferias, “uma alternativa aos moradores dessas regiões”. “Normalmente os eventos ocorrem em bares, pois não há aparelhos públicos que deem conta da demanda de poetas e público, segundo os organizadores”.
 
A mesma cidade que não oferece creches é a mesma cidade que não oferece pontos de cultura. E o mesmo município que fecha uma alternativa cultural na periferia da zona sul é o que não fecha um depósito de crianças na zona norte.
 
Maniqueísmo? O leitor acha que os dois deveriam estar fechados? Não, leitor. A questão é que, antes de fechar qualquer coisa, a prefeitura tem de abrir – creches decentes, espaços para música, cinema, vídeo, literatura. Espaços de cultura. De empoderamento, de libertação.
 
Outra questão é o fechamento. Fechamento de saraus? Numa escala de prioridades, poderiam fechar antes as creches clandestinas. Ou todos os estabelecimentos que ofereçam risco de vida. Vale mencionar também pontos de jogo-de-bicho, prostíbulos. De luxo inclusive.
 
Se o prefeito é tão valente assim para fechar o Sarau do Binho, que feche antes os puteiros. E que faça seu dever – mantendo as crianças paulistanas vivas.
 
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