Dom Tomás Balduíno: “Governo do Pará vendia terras no mapa”
Dom
Tomás Balduíno recebe neste dia 15 de junho, da Universidade Federal
de Goiás, o título de Doutor Honoris Causa. Em 2006, pela Agência
Repórter Social, fiz com ele uma longa entrevista, em Brasilia. Quase seis anos depois, com o bispo
emérito prestes a completar 90 anos, ela se mantém atual. Na época
eu a publiquei com o seguinte título: “Aldo Rebelo é quem deveria
estar na Papuda”. Isto após o ministro, então presidente da Câmara dos Deputados, mandar
prender centenas de sem-teto, do MLST, que estavam no gramado do
Congresso. O MLST perdera o controle de um ato e dezenas de sus
integrantes invadiram a Câmara. Foi a senha para a prisão em massa (os sem-teto passaram a noite no Ginásio Nilson Nelson) e para um massacre dos
meios de comunicação – um dos temas tratados por Balduíno na
entrevista. O título atual se refere a um trecho em que ele detalha
como o governo paraense vendia as terras, nos anos 60, por mapas
aéreos. Sem se importar se ali havia índios. Segue o texto como foi publicado em 2006:
Em
entrevista sobre o País e sobre sua vida, o líder da Comissão
Pastoral da Terra falou (antes de Lula) de uma nova Constituinte, de
uma “guinada para a direita” e desejou a prisão de Aldo Rebelo
BRASÍLIA - No
dia 23 de julho, durante o Encontro Nacional dos Povos do Campo, Dom Tomás Balduíno concedeu uma longa entrevista à
Agência Repórter Social. Por sua importância histórica, ela é
reproduzida aqui na íntegra. O coordenador da Comissão Pastoral da
Terra fala de conjuntura, mas percorre em sua fala centenas de
quilômetros de uma história fundiária violenta. E faz projeções
nada otimistas em relação ao futuro do País, que estaria sofrendo
uma “guinada para a direita”, “pela pressão dos meios de
comunicação”. Ele defendeu uma nova Constituinte antes do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva falar disso, com repercussão
bastante negativa. Motivo: o Congresso elege as elites, conforme o
que o sociólogo Chico de Oliveira chamou de “fila dos idiotas”.
Dom Tomás não deixa pedra sobre pedra. Sobre o episódio do MLST,
disparou: “Aldo Rebelo é quem deveria estar no presídio da
Papuda”.
Repórter
Social - Passado algum tempo do episódio do MLST no Congresso dá
para avaliar melhor os efeitos. Quais são? Os povos do campo saíram
perdendo com isso?
Dom
Tomás Balduíno - Do ponto de vista da mídia, sim. É mais um
motivo de criminalização. A mídia, representando o interesse dos
grupos econômicos do país, sempre viu com maus olhos as
organizações do campo, ancoradas na terra, mas com uma projeção
política bem ampla, na linha da mudança. No governo passado, de
Fernando Henrique Cardoso, era quem representava a oposição. Nem
era o PT, eram as organizações do campo. E atualmente, se
considerando nas mesmas trincheiras do Lula, eles são os que mais
reivindicam insatisfação, decepção com o andamento da reforma
agrária. Mantendo a mesma linha crítica, com relação ao conjunto
da instituição. Então isso é mal visto. A tal ponto que a reforma
agrária, pela força da mídia, começa a virar tabu, ou coisa
proibida, como era antes.
Repórter
Social - O senhor observa um fenômeno de retrocesso em relação à
idéia de reforma agrária?
Dom
Tomás - Sim. E muitas vezes o poder público se vale disso para se
retrair no apoio às reivindicações de assentamento, de
aprimoramento das instituições como Incra, a serviço da reforma
agrária, etc. Agora, do lado dos trabalhadores, eu acho que com esse
evento na Câmara houve uma tomada de consciência, não só de
questionar alguns do poder legislativo, com o gesto de indignação,
mas um questionamento que se aprofunda. Em outras palavras, em vez de
questionar as peças do xadrez, hoje se questiona o próprio
tabuleiro. É o Congresso que precisa de uma reformulação. Porque
se acontece tanta distorção, tanto escândalo como nós percebemos,
não é só um problema de maus elementos que estão ali. É a
própria estrutura que favorece isso. Afinal de contas, o Congresso
que hoje temos é fruto de uma Constituição feita pelos próprios
congressistas.
Repórter
Social - Como a CPT vê, por exemplo, o caso dos sanguessugas?
Deputados em escala, altíssima, 20% dos deputados sendo acusados de
corrupção envolvendo verba para ambulâncias?
Dom
Tomás - A Comissão Pastoral da Terra vê um pouco nessa linha de ir
além da incriminação desses 20% do Congresso. É a própria
estrutura que favorece isso. Afinal uma estrutura distante do povo,
auto-suficiente, onde predomina a impunidade, onde a impunidade é
uma questão de honra. Analisando de novo o gesto do MLST, é um
gesto que vai ao encontro não só de deputados, mas da própria
instituição parlamentar, que merece ser revista a fundo. Não só
uma reforma política, mas uma reforma constitucional. Uma nova
Constituinte. Uma Constituinte que não seja feita por eles. Porque
eles foram guindados à Constituinte, eles sendo congressistas, pela
imposição do Sarney, na Constituição de 1988. Não foram os
cidadãos comuns, eleitos constituintes, que foram votar a
Constituição e depois voltaram para casa. Foram os próprios
congressistas, do Senado e da Câmara, que foram promovidos a
constituintes.
Repórter
Social - Dom Tomás, não sei se estou distraído demais com a
imprensa, mas não tinha ouvido o senhor falar disso ainda. Da
necessidade de uma nova Constituinte, a partir até desses
episódios...
Dom
Tomás - Hoje se fala muito de reforma. É uma conquista: reforma
política. Todo mundo fala em reforma política. Os partidos, o
próprio funcionamento do Congresso. Suponha a reforma política.
Quem fará? Os deputados. Quer dizer, mais uma vez vão legislar em
própria causa. E como superar esse impasse? Só mesmo com a criação
de um organismo externo à Câmara. A reforma política é
necessária, mas criada pelos deputados? Sob a medida deles?
Repórter
Social - Que tipo de órgão seria?
Dom
Tomás - Não se fala do judiciário ter um controle externo? Com
autoridade de poucos brasileiros para acompanhar o desempenho do
Judiciário? Ou é o próprio Judiciário que se julga? Atualmente é
assim. Então ter um Conselho. O Congresso precisa ter um órgão
sério. Mas se hoje vamos propor a criação de um órgão externo ao
Congresso, passará pela aprovação ou não aprovação dos próprios
deputados.
Repórter
Social - O argumento contrário será o de que os movimentos sociais,
a igreja, estão querendo usurpar o sagrado direito do cidadão
comum, que é manifestado pelo voto, “eles não são representantes
da maioria do povo brasileiro, mas de determinados grupos”. Como o
senhor responderia a isso?
Dom
Tomás - Que atualmente a fila de votos, que o Chico de Oliveira
chama de a fila dos idiotas, é só eleger o cara. Depois de ele
eleito, ele faz o que quiser do mandato dele. Qual é a força dessa
fila? Esse é um problema muito sério. Acaba promovendo alguém como
delegado do poder que é do povo, mas dono absoluto dessa delegacia.
É nesse sentido que essa atribuição acaba sendo prejudicial ao
próprio povo que esperava votar, que só faz isso, votar. Depois não
acompanha, não tem instrumento de acompanhamento. Não se trata,
portanto, de uma pressão desta ou aquela sociedade, ou igreja, ou de
movimentos sociais. Não se trata disso. É um raciocínio
transparente. Creio que nós estamos aí numa espécie de círculo
vicioso. Toda reforma passa pelas mãos daqueles que mais precisam
ser reformados. Eles se tornam a última palavra...
Repórter
Social - Um moto-perpétuo... E quem poderia compor esse Conselho?
Dom
Tomás - Suponho uma discussão. Porque esse Conselho deve ser em
caso de eleição. E suponho uma discussão do tipo da Constituinte,
que cria o instrumento do legislativo, do executivo e do judiciário
e cria o controle externo. Então, a gente pode refletir como é que
seria esse conselho. Mas a sua constituição passaria por alguma
manifestação popular, do tipo Constituinte.
Repórter
Social - Seria um poder moderador?
Dom
Tomás - Você não ouviu falar do Conselho do Judiciário?
Repórter
Social - Mas pelo que estou entendendo seria algo relativo aos três
poderes.
Dom
Tomás - Isso é uma necessidade. A forma concreta de chegar lá,
precisa de reflexão, discussão, dentro de toda a sociedade
brasileira. Senão vira um instrumento a mais, que pode cair nos
mesmos vícios.
Repórter
Social - Quem, além do senhor, tem discutido nesses termos?
Dom
Tomás - Essa discussão do controle externo do Judiciário é mais
ampla que a CPT. Agora, essa discussão sobre a proposta de uma
possível Constituinte veio a propósito destas eleições. O eleitor
está diante de poucas alternativas.
Aqui
se encerrou a primeira parte da entrevista, antes o início do
Encontro Nacional dos Povos do Campo. Durante sua fala, Dom Thomas
Balduíno fez várias citações bíblicas, ausentes durante a
entrevista. Toda a parte seguinte foi feita no caminho para o almoço,
no Minas Tênis Clube de Brasília, na fila e na mesa, diante do
prato com arroz, feijão, frango e salada.
Repórter
Social - Quem mais está pensando ou parecido com o senhor em relação
a isso?
Dom
Tomás - Isso precisaria fazer um levantamento. Sei que não estou
só. Porque a própria Constituição de 88, que nós consideramos
insatisfatória pelos motivos que eu mostrei, já foi deturpada na
linha de anular as conquistas dos trabalhadores, do pessoal da terra,
no sentido da flexibilização. Isso entrando como emenda na
Constituição. Somando a Constituição desde os tempos de Fernando
Henrique Cardoso, as emendas constitucionais, todas elas são no
sentido de um retrocesso. Como corrigir isso? Se for confiar ao
próprio pessoal que institucionalmente é encarregado de mexer na
Constituição, dentro daqueles critérios da proporção numérica,
são homens e mulheres que vão legislar em causa própria. Além
disso, esses que estão lá dentro, pelo processo mesmo de formação
do Congresso, do próprio time do Executivo, da presidência aos
governadores e prefeituras, tudo isso obedece ao critério de uma
maioria que representa a minoria. Lhe explico: o detentor do poder é
o povo. Os que representam o povo no Congresso podemos distinguir
entre um grupo majoritário que representa a minoria do povo, que são
as elites, e um grupo minoritário que representa o resto do povo, a
massa do povo. Então esta é a conseqüência de uma distorção na
própria estrutura que leva a prover os diversos cargos do Congresso.
Repórter
Social - ...
Dom
Tomás - Eu não respondi à sua pergunta, você queria saber quem
mais? Acho que há muito que acham que não seria a hora da mudança
na Constituição. Porque os congressistas não estão à altura de
votar a causa do povo. Porém, eu respondo o seguinte: a Constituinte
não leva em conta o time que está compondo o Congresso. Não mexe
neles, não caça o poder deles, porém cria uma nova Constituição
a partir dos legítimos representantes do povo, que são eleitos em
vista da própria Constituição. Um outro mundo, outro universo.
Repórter
Social - Mas não há risco de um retrocesso? Em 1988 o clima era
mais favorável às causas sociais do que hoje, não? Mesmo entre as
elites...
Dom
Tomás - Eu diria que hoje há um avanço na sociedade brasileira em
termos das organizações populares. Cresceram. Não havia isso em
88. A própria reforma agrária ficou mais na mão da bancada
ruralista, do Centrão, porque do lado da representação dos
trabalhadores rurais havia apenas a Contag. Não havia esse leque
imenso de organizações populares, ou das mulheres, dos quilombolas,
dos povos indígenas. E nasceram. Essas organizações são do final
dos 70 e início dos 80. E isso muda muito a perspectiva numa hora de
uma proposta de nova Constituinte.
Aqui
Dom Tomás fala da possibilidade de uma “guinada para a direita”
no país, pela “pressão dos meios de comunicação”. Ainda
estamos na fila do almoço no Minas Tênis e a conversa interessa as
pessoas mais próximas, que apenas ouvem.
Repórter
Social - Que país o senhor vislumbra para uma nova geração, para
os próximos 25 anos, pelo andar da carruagem? Se nada mudar o que
vai acontecer? Vai ter mais conflito, mortes, radicalização?
Dom
Tomás - Há uma tendência que a gente nota, dentro do país, devido
à pressão dos meios de comunicação, de uma guinada para a
direita. É a figura do país norte-americano. Uma direitona. Tanto
republicanos como democratas é a mesma coisa. Às vezes temo que
isso no Brasil avance. No sentido de novas gerações sem compromisso
nenhum com o social, e o povo em geral levado ao consumismo pelos
meios de comunicação social. De maneira que... Isso para falar do
grosso da população. Esses, por exemplo, que são beneficiados pelo
programa Bolsa-Família, que estão optando por Lula, é gente em
geral que não têm a mesma consciência de luta que têm estes
grupos aqui. Pessoal de luta, de organização popular, deve estar
reduzido à minoria. Porém, há imprevistos. Do tipo do fenômeno
que levou Lula ao poder. Quem esperava que acontecesse o fenômeno
Evo Morales na Bolívia? São coisas assim. Pode ser que esse povo
sofrido, que talvez esteja apático diante da política e queira ter
só a sua bolsa, o seu pecúlio mensal, numa hora de uma proposta ele
abre os olhos. De repente. Pode suceder isso. Acredito que é um
pessoal que vem sendo ameaçado pelos políticos oportunistas, mas
que de repente pode abrir os olhos para outra perspectiva. E, o que é
importante, forma maioria. Aqui nós temos em termos de oposição
numérica, uma minoria de direita, com muito poder de penetração,
por causa dos meios de comunicação social, dos recursos, do
dinheiro, e uma grande maioria que é um potencial de mudança.
Repórter
Social - O centro virou direita ou é direita?
Dom
Tomás - É direita. Em si é direita. Esquerda, no sentido de
abertura, participação... O que distingue um do outro? É a
elitização, a privatização, é a questão da ordem a favor dos
grupos privilegiados, ao passo que a esquerda é toda forma de
promoção a partir de baixo. De dar a voz e a vez aos mais pobres,
aos mais sofridos.
De
volta ao MLST, Dom Tomás dispara: “Aldo Rebelo é quem deveria
estar preso na Papuda”.
Repórter
Social - Queria que o senhor falasse da prisão do pessoal do MLST. O
cara que deu bengalada no Zé Dirceu foi solto no mesmo dia. Eles
não. O que significa isso?
Dom
Tomás - É uma questão mesmo de uma desconfiança dos detentores do
poder com relação aos representantes do povo. Essa prisão,
primeiro foi uma prisão em massa, de quase 400 pessoas, pais de
família, gente de paz, gente de trabalho honesto, jogados na Papuda.
Quem fez isso, quem teve a idéia de fazer essa prisão, merecia
estar na prisão.
Repórter
Social - Foi o presidente da Câmara, aliás o deputado comunista
Aldo Rebelo.
Dom
Tomás - Merecia estar lá dentro. Lá dentro da prisão. Porque é
representante de uma elite que tem esse título de esquerda. Que é
mais um título de glória, mais uma estrela para brilhar na lapela.
Repórter
Social - O senhor está dizendo uma coisa muito grave aqui, Dom
Tomás. Que o Aldo Rebelo deveria estar na Papuda?
Dom
Tomás - É. Deveria estar. Ao invés desses que ele mandou para lá.
A
resposta oficial da assessoria do presidente da Câmara foi a
seguinte: "A assessoria de imprensa da Câmara dos Deputados
reafirma que os militantes do Movimento de Libertação dos Sem-Terra
já chegaram à Câmara de forma violenta, sem dar espaço ao
diálogo, forçando a entrada de uma das portarias da Casa. Reafirma
também que o presidente Aldo Rebelo mantém suas convicções no
processo de diálogo com as forças sociais e as portas da
instituição abertas a todas as manifestações pacíficas. O
próprio Dom Tomás Balduíno e outros movimentos ligados à luta
pela terra já foram recebidos diversas vezes pelo Presidente.”
A
entrevista segue falando de violência no campo:
Repórter Social - O
relator Valente, da plataforma Dhesc, relatou aqui no Fórum Nacional
dos Povos do Campo casos escabrosos, por exemplo da Brigada Militar
gaúcha roubando merenda, provocando até sexualmente as mulheres do
MST. Ou o de um morto sendo despejado. Ele chamou isso de “um
Brasil sem pé nem cabeça”. O senhor recebe na CPT denúncias
desse tipo, regularmente?
Dom
Tomás - A CPT faz anualmente o Caderno de Conflitos. Que só não
entra área indígena, que é feita pelo Cimi. Você percebe isso.
Por exemplo a situação dos mortos da cana: eles morrem de cãibra,
porque são obrigados a competir com as máquinas. Ou competem com as
máquinas, cortando 16 toneladas, ou são postos na rua. E eles fazem
tudo para poder garantir o emprego, porque é o dinheiro que mandam
para a família de origem, de onde vêm, que é o semi-árido de
Minas, do Nordeste, do Piauí, Maranhão. Nesse Caderno de Conflitos
tudo vai nessa linha. Os conflitos existem não porque os
trabalhadores rurais criam caso, porque agridem ou porque estão
roubando fazendas, roubando gado. È porque o sistema os considera
como bandidos, em vez de considerá-los como cidadãos que estão
participando honestamente da construção da pátria.
Repórter
Social - Ele citou o caso do Judiciário, até o de um ministro,
Francisco Falcão, que ele chamou de “vendilhão”. Qual o papel
do Judiciário nisso tudo?
Dom
Tomás - Teve um caso, por exemplo, do Supremo ter determinado o
despejo de todo um grupo indígena, da tarefa, favorecendo um casal,
que se intitula proprietário da terra. Tá bem. Olhando lá os
textos de direito da propriedade, o juiz pode determinar o que ele
quiser em favor do proprietário. Somente a Constituição abriu um
outro veio, mais importante que o do direito da propriedade, que é a
dimensão social da propriedade, a função social da propriedade.
Comparando as duas coisas, o que define afinal de contas o direito da
propriedade não é o direito absoluto, mas o respeito às condições
do social. E você comparando, por exemplo, um casal que tem filhos,
pretenso detentor de uma área onde os povos indígenas estão há
anos, olhando sobre o ângulo social, prevalece a força, o direito?
A
entrevista começa a tomar um rumo mais centrado na figura de Dom
Tomás. Ele fala do jogo político na Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB).
Repórter
Social - Dom Tomás, o senhor está com quantos anos?
Dom
Tomás - Oitenta e três.
Repórter
Social - O senhor está radicalizando seu discurso nos últimos
meses? Está mais indignado?
Dom
Tomás - Acho que não, é a mesma coisa.
Repórter
Social - Em termos de CNBB, como está o jogo político interno?
Vocês lançaram este ano um texto ecumênico a partir da Carta da
Terra, de 1980, mas não foi assinado pela CNBB.
Dom
Tomás - A correlação de forças dentro da CNBB não aponta na
linha de assumir um documento daqueles, polêmico. Ele assume uma
posição dura contra o agronegócio, se posiciona contra a
transposição do São Francisco, a favor das ocupações...
Justifica até com apoio daquele documento da Santa Sé. Não é
aconselhável um documento desses ser assumido pela Conferência
Episcopal. Por causa da diversidade de posturas dos bispos que estão
aí. Talvez no ano 80 o episcopado tivesse mais coesão, mais
uniformidade. Hoje não tem. Era inicialmente proposto para ser
assumido. Foi a própria CNBB que pediu para a CPT atualizar o
documento. Mas uma vez feita a atualização, com diversas
assessorias, o pessoal sentiu que não... Como é que ele sai? Sai
como um documento de bispos. Isso é tradicional na Igreja. Desde o
tempo dos apóstolos e dos diáconos que há essa tradição de um
bispo, por exemplo sozinho, tomar uma posição, com a
responsabilidade problema, em relação a tal ou qual problema. Da
mesma forma ele se unir com outro grupo ou outros grupo para fazer um
pronunciamento. Fazendo assim, ele não está criticando o colégio,
está talvez reconhecendo que talvez fosse forçar muito um colégio
a adotar as posições dele.
Repórter
Social - A Pastoral da Terra está tendo o apoio necessário da
Conferência, em termos de recursos. Ninguém quer derrubar o senhor?
Dom
Tomás - É polêmico também. Tem bispos que não aceitam a CPT, que
proíbem a Romaria da Terra. Não é um posicionamento geral da CNBB.
A gente tem de entender duas coisas. Primeiro, a própria
instituição, que aprova os documentos. E os membros da mesma CNBB,
que são bispos, cada um com sua posição, sua ideologia. Gerar um
consenso para um documento é uma coisa mais restrita. Você vai
votar sobre o processo eleitoral. Quando muito entra contra a
corrupção. Em qualquer entidade é assim. Se você alarga está
sujeito a um efeito de média. A CNBB é mais uma força moral. A
última palavra é do bispo diocesano. E isso é sustentado pelo
direito canônico. Em outras palavras, a CNBB não é uma
superdiocese, com poder sobre... Para muita gente parece que é um
organismo acima do bispo diocesano. Não é. Ela decide por força
moral. E funciona.
Dom
Tomás volta a falar da direita e do governo Lula. Diz que se ele não
tivesse adotado uma postura conciliadora poderíamos ter tido um
golpe.
Repórter
Social - Voltando um pouco: quando o senhor fala que teme o
crescimento da direita no país, haveria uma tendência a uma
radicalização, como na Venezuela? E o que aconteceria com um
governo de direita?
Dom
Tomás - Acho que a sua comparação não é feliz. Porque na
Venezuela o governo Chávez estaria mais perto dos movimentos sociais
do que da elite. A elite que é contra ele, não os movimentos
sociais.
Repórter
Social - Mas me referia à radicalização, no caso da Venezuela.
Dom
Tomás - A radicalização, sim. Entendo. Aí é questão do futuro.
Muito difícil você... Vamos tomar o exemplo do Lula. Se, em vez de
seguir o caminho que preferiu seguir, que ele chama de
governabilidade, seguisse a expectativa popular que ensejou a vitória
dele, poderia haver um processo de radicalização. Sob que forma? Na
forma de conspiração, de propostas de impeachment, e em último
caso de golpe. Isso é que é radicalizar.
Repórter
Social - Deixa eu ver se entendi: se o governo Lula fosse menos
conciliador, inclusive com as elites, poderia ter desembocado num
contexto de golpe?
Dom
Tomás - Eu acredito que o Lula não sofreu o impeachment porque ele
concedeu tudo à elite financeira. O pessoal deixou assim: bom, mas a
gente não está perdendo com ele, então por que derrubá-lo? Você
não sente isso?
Repórter
Social - Eu acho que tem a ver com a reação popular. O termômetro
é o apoio ao governo e as próprias pesquisas sobre reeleição.
Quanto menos apoio popular...
Dom
Tomás - Isso é um fator de ponderação, o apoio popular. Mas os
elementos que levaram a cair ministros, deputados, presidentes de
partido, poderiam ter acontecido no caso dele. Isso foi falado
isoladamente, não foi uma proposta consolidada contra o Lula.
O
assunto passa a ser as eleições e o quadro político em um segundo
governo. Estamos no almoço e Dom Tomás fala ainda mais
pausadamente, mas sem se incomodar em continuar dando a entrevista.
Repórter
Social - Pensando neste evento. Já num período eleitoral, o que dá
para sair daqui? O presidente do Incra propôs acordo em relação ao
segundo governo. O senhor acha que dá para sair algo nesse sentido?
Dom
Tomás - Falando realisticamente: o Lula está eleito. As pesquisas
já mostram ser difícil essa inversão. O encontro vai tentar mais
consenso entre os companheiros. O Rolf falou disso, da união entre
as diversas organizações. O encontro não vai descobrir a pólvora.
Vai unir. A grande proposta é essa. O consenso é um pouco geral. Há
um consenso em torno das propostas.
Repórter
Social - O senhor falou da reeleição praticamente. Mas nos governos
estaduais a oposição deve vencer. O PT tem mais chances somente no
Acre e Piauí. Os governadores têm o poder de polícia, inclusive
sobre os sem-terra – a gente falou aqui da Brigada Militar do Rio
Grande do Sul. Mesmo admitindo um governo Lula que não reprima
movimentos, a gente não fica com um país ambíguo no que se refere
à relação com direitos dos trabalhadores? Ou seja: a direita não
vai se utilizar desses governadores para bater nos trabalhadores?
Dom
Tomás - Há um fenômeno que é novo, está sendo cultivado,
divulgado, que é o da própria sociedade civil. Os governadores são
um poder. Provinciano, mas é um poder. Todo mundo disse: agora é
Lula, então vem a reforma agrária. Só que a questão, depois de 30
anos de caminhada, é o povo ter de criar um instrumento adequado à
vida democrática. Esse fracasso tem um lado positivo, de abertura de
horizontes, que é na linha de fortalecer a sociedade civil. Falam do
Evo Morales. Quanto mais o povo distante, mais a elite criola ia
fazer as coisas dela. Derrubaram o presidente. Na Venezuela evitaram
o golpe. Eu faço a mesma leitura que você faz: os governadores não
vão ser mais aqueles amiguinhos. Porque a estrutura que nós estamos
aí é a que gera esse tipo de governador.
Repórter
Social - Detalhe: governadores com chances efetivas de serem
presidentes da República em 2010...
Dom
Tomás - Esse é um elemento complicador, que muda o cenário daquele
que era antes. E acho positivo isso, que uma decepção com o
fracasso como este realizado pelo governo Lula acaba permitindo a
emergência da organização popular. Nem tudo no país é governo.
Nem tudo vem do céu do Palácio do Planalto. Veja a força que
exerceram os coronéis, os Sarney, Antonio Carlos Magalhães...
A
entrevista segue para o seu final partindo para a biografia de Dom
Thomas. Após quase duas horas de entrevista, ele fala da morte, dos
que caíram na luta no campo. Um pouco de história do Brasil a
partir da narrativa do líder da Pastoral da Terra.
Repórter
Social - Aos 83 anos, o senhor viveu a juventude, adolescência,
durante o Estado Novo. Boa parte da história do Brasil. Isso que o
senhor fala de mobilização da sociedade civil é a principal
novidade na sua trajetória de observador do país?
Dom
Tomás -Já houve mobilizações interessantes. Tivemos as Diretas
Já...
Repórter
Social - Essa, pontual.
Dom
Tomás - Pontual. E talvez fracassada, né? Terminado o fervor da
mobilização... Eu participei lá em São Paulo. Quase me mataram. A
massa de milhões mata qualquer um, se você quer atravessar...
Repórter
Social - Quais foram os momentos mais tensos que o senhor viveu?
Durante as ditaduras?
Dom
Tomás - O momento mais tenso foi na estrada das organizações do
campo, em Goiás. O governo militar estava por trás, mas era
sobretudo a tensão com os latifundiários, porque na Diocese de
Goiás foi um ponto de partida de alguns movimentos nacionais contra
o custo de vida, movimentos por exemplo campanha nacional pela
reforma agrária, nasceu lá, com o apoio do Betinho, depois ficou
mais próximo lá do Ibase. A coisa acirrou nas sucessivas ocupações
de terra.
Repórter
Social - De que anos o senhor está falando?
Dom
Tomás - Estou falando dos anos 80, início dos 90. Foi o momento
mais duro. Porque essas organizações se apoiavam muito nas
dioceses. Elas tinham referência até como local de reunião. Não
eram autônomas, todas as dioceses, mas aproveitavam o espaço para
fazer suas articulações. Chamavam assessores de onde eles queriam,
livremente. O engraçado é que houve um... Vou contar um exemplo.
Houve um encontro de trabalhadores na minha casa, porque lá era um
centro diocesano de pastoral, com alojamento, com salões. Na hora
assim do almoço dos trabalhadores rurais estavam reunidos e eles
disseram: nós estávamos reunidos e não convidamos o senhor. O que
o senhor diz? Eu disse: fico feliz de vocês poderem caminhar com
suas próprias pernas, pensar com sua cabeça e caminhar com as
pernas. A tensão ia esbarrar ali, porque a Diocese dava apoio a
eles. O apoio da forma mais adequada, permitindo a eles o
protagonismo. Não criamos movimentos de igreja para o campo. Nós
abrimos espaços para o povo do campo ser sujeito, autor e
destinatário de sua própria caminhada. Diziam inclusive que era o
bispo que ordenava as ocupações. Não acreditavam que aquele peão
pudesse ter cabeça para articular uma ocupação, envolvendo os
diversos atores. Gente que achava que era somente pau-mandado, na
condição de trabalhador doente que só fazia aquilo. A culpa recaía
sobre o bispo. Então explicar as coisas a cada um, a gente deixava
pra lá, não se incomodava com isso. Contanto que na realidade eles
sejam os protagonistas, e não agentes de pastoral, Contag, seres
muito iluminados. A minha experiência vem de longe. Antes de ir para
a diocese de Goiás fui missionário em Conceição do Araguaia. De
1954 até 1967. Trabalhei em áreas indígenas, para isso estudei,
fiz aqui pós-graduação em antropologia e linguística na UnB,
cheguei a falar a língua de um deles.
Repórter
Social - Qual língua?
Dom
Tomás - Xicrin. Do grupo bacajá, Kayapó. Mas lá a gente já
começou a encontrar a contradição da terra. Os posseiros. Porque
lá o governo não se incomodava em dar títulos de terra, desde que
o pessoal requeresse. Começou a dar para os ricos do sul. Mas havia
inúmeros posseiros, que começaram a ser incomodados pelos novos
donos da terra, que chegavam com o documento. O governo do Pará
vendia a terra no mapa, o mapa de aerofotometria. Sem saber se lá
tinha índio, tinha... Aí o conflito vinha quando o dono chegava e
falava: olha aqui o meu documento. Isso aconteceu em Santa Terezinha,
fundada pelos velhos missionários dominicanos franceses, tinha
igreja, escola, casa das irmãs, o povoado foi se formando. O
comércio, e as casas de família. Um belo dia chegou lá um cara de
São Paulo, dono da empresa chamada Codeara, reuniu o povo e falou:
vocês têm várias coisas que acho que são de vocês – igreja,
escola, posto de saúde, suas casas, comércio. Vocês podem pegar
isso e levar para onde vocês quiserem. A terra, que está embaixo
disso, é minha.Você imagina... E quando era indígena... E o
governo estadual, como você diz, mandava a polícia.
Repórter
Social - Isso foi em que ano?
Dom
Tomás - Deve ter sido em 1969, 1970.
Repórter
Social - Ontem a dona Dijé, líder de quebradoras de coco no
Maranhão, contou caso similar, no Conselho Federal de Psicologia,
relativo à sua comunidade quilombola, queimaram todas as casas...
Uma empresa japonesa.
Dom
Tomás - É o mesmo processo. Acho que o instinto mal, mesmo, ignora
quem está lá. E é um dinheiro que não vai para os cofres
públicos. Vai para a corrupção. Pois o Estado tem o poder de
venda, dá as escrituras públicas, mas a realidade a terra não é
totalmente do Estado, é terra de posseiros, de povos indígenas, que
tem direitos imemoriais. O resultado é a briga, o conflito. Isso
para dizer que comecei no noviciado nesse clima, antes de vir para a
Diocese de Goiás, onde fui arcebispo por 31 anos. Agora, como a
gente disse, a polícia é formada ali mesmo. De vez em quando me
chamavam para dar uma aula no quartel deles. Eles me conheciam, iam
tomar bênção. É quem a gente encontrava nos despejos. Quando você
via se aproximando o carrinho da gente, o pessoal ficava que nem
marimbondo: olha ali, polícia, fazendo o cerco. Falavam: Dom
Tomás... Você vê: ao mesmo tempo a tensão e a possibilidade de um
papo, de um diálogo, sobretudo no nível da força policial. O que
eu tinha medo, sobretudo em relação aos agentes de pastoral, era
dos jagunços. Eu não tinha medo da polícia. Nunca tive. Nem do
exército. Sabia que tinha vários agentes me acompanhando. Havia
essa possibilidade de levar um diálogo com o dono da terra, ou então
com o comando, a gente até combinava com a polícia, ‘não faça
esse despejo agora, espera mais um pouco, você não vai perder
emprego por causa disso’, aí dava tempo da negociação chegar.
Todas as vezes o resultado das ocupações foram assentamentos.
Repórter
Social - O senhor foi a muitos velórios de trabalhadores rurais?
Dom
Tomás - Fui a muito velório de trabalhador rural, de padre
assassinado...
Repórter
Social - Quantos?
Dom
Tomás - Não contei, mas teve dois mais presentes na minha memória.
O padre Rodolfo Lunkenbein (morto em 15 de julho de 1976), padre João
Bosco Burnier, assassinado em Ribeirão Cascalheiro (11 de outubro
de 1976), padre Josimo (Tavares, assassinado em 1986, no Maranhão).
Repórter
Social - Em que ano?
Dom
Tomás - 76. Agora completaram 30 anos. É engraçado o episódio do
Rodolfo. Entrou um jornalista aí, na história. Depois dele
sepultado, do velório, eu estava na minha mesa de trabalho, o
telefone toca. Um jornalista de Brasília me chama. Dom Tomás, no
dia 20 de julho de 1976 onde é que o senhor estava? Eu peguei a
agenda e falei: fui para o velório do padre Rodolfo, estava lá.
Inclusive fui pilotando o aviãozinho. Mas ele falou: eu queria saber
onde o senhor devia estar. O senhor devia ter cancelado um
compromisso para ir lá. Eu vi na agenda que tinha que estar numa
paróquia, encerrando a festa de um padroeiro. Aí ele falou: estou
informado, por que ele tinha acesso a órgãos de segurança, que
estava preparada sua morte naquele dia. (Ri.) Então eu digo sempre:
o Rodolfo me salvou... Porque indo para o velório dele eu escapei.
Repórter
Social - O senhor era de chorar com esses episódios?
Dom
Tomás - Não. A gente tem uma espiritualidade diante... Até fiz um
estudo sobre isso: sobre a morte. A morte nas comunidades eclesiais
de base. E a morte na filial. Nessa romaria dos mártires o pessoal
celebra praticamente a vida, não a morte. Porque há um culto da
morte na igreja católica herdado de outras religiões, que não
católicos, mas que a Igreja assimilou como culto dos mortos. Esse é
triste, esse é luto. Nas comunidades eclesiais de base, é claro que
o pessoal não deseja a morte, nem quer que morram os companheiros,
transformam isso em bandeira de vida e de luta.
Repórter
Social - Eu acabei de entrevistar a Elenira Mendes, que tinha 4 anos
no dia do assassinato. Chico fez dedicatórias a ela, dizendo que ela
teria de seguir a luta. Agora, com 22 anos, efetivamente está
assumindo a causa...
Dom
Tomás - Oscar Romero, arcebispo de El Salvador, ele declara
explicitamente que se ele morrer a morte dele será motivo de
ressurreição do povo de El Salvador. Ele ressuscitará na vida do
povo de El Salvador. Então a consciência que o pessoal de Anapu tem
a respeito da morte de Dorothy é que fortaleceu: sentiram o apoio
não só do país, mas de todo o mundo em torno daquele ideal, porque
não era só irmã Dorothy que tinha aquela ideia de centros
ecológicos – é a mesma mentalidade do Chico Mendes. O pessoal
ficou muito fortalecido com isso. A morte recupera um pouco a
espiritualidade dos primeiros cristãos, que o sangue do mártir é
semente, vida nova na igreja.
Repórter
Social - O senhor conheceu todos esses personagens? Chico, Dorothy?
Outro dia eu estava entrevistando a Elizabeth, a viúva do “Cabra
Marcado para Morrer”, conforme o documentário do Eduardo
Coutinho...
Dom
Tomás – Conheci. Sobretudo Dorothy. Ela era do CPT. Josimo era meu
companheiro de caminhada. Esteve até na cadeia, do exército
araguaiano. O Tito Alencar... Bem na minha diocese tem um padre que
ficou cego dos dois olhos, porque tomou um tiro de cartucheira,
perdeu completamente a visão.
Repórter
Social - Perdeu em Goiás?
Dom
Tomás - Foi, foi lá. O tiro seria para o bispo. Ele é cego, mas foi
promovido como pároco da mesma paróquia onde foi ferido.
Repórter
Social - O que os mártires têm em comum? Liderança, fibra, visão
do processo histórico?
Dom
Tomás - Certamente uma mística em comum. Na linha da libertação,
de levantar as condições de vida do povo, a paixão pelo povo.
Todos eles, de uma maneira muito forte. Isso é uma coisa que não é
fruto de um aprendizado, de um noviciado. É um negócio complexo,
não é? Como é que a pessoa chega a isso? É inato, parece que algo
é inato. Um elemento que está encontrando as condições, então se
afirma dessa forma.
Repórter
Social - O senhor se arrepende de algo em sua trajetória?
Dom
Tomás - Meu temperamento não é de ficar arrependido nem triste.
Não é mérito de minha parte, é meu jeito de ser. Eu enfrento. Eu
acho que herdei essa coragem de enfrentar os acontecimentos do meu
pai. Meu pai foi juiz, numa área de cangaço. Eu era meninote,
acompanhava as estratégias para a defesa da família. Porque tinha
um bando querendo ocupar a cidade – Formosa (GO), aqui perto. E ele
era uma das pessoas juradas para morrer. Esse homem enfrentava isso
com serenidade e continuava como juiz, julgando essas causas
escabrosas. Formosa está ligada àquele perímetro que você vê em
Guimarães Rosa, Urucuia, a interseção Minas-Bahia-Goiás, uma
região muito pródiga em cangaço naquele tempo. E isso ia esbarrar
aonde? Na Justiça.
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