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segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Sobre certezas, dúvidas e frases supostamente inteligentes na internet

por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)

Uma frase atribuída ao poeta Charles Bukowski tomou de assalto a internet nos últimos dias. A ela:

- O problema do mundo de hoje é que as pessoas inteligentes estão cheias de dúvidas, e as pessoas idiotas estão cheias de certezas.

O que mais me chama a atenção em relação a ela é o paradoxo embutido: a certeza imediata com que as pessoas bancam a frase e, claro, se colocam no primeiro campo (o das pessoas inteligentes).

O fenômeno me lembra um pouco certa unanimidade em relação à frase do dramaturgo Nelson Rodrigues: “Toda unanimidade é burra”. Quase sempre seguida de uma aclamação unânime.

A popularidade da frase divulgada no sábado no perfil “Charles Bukowski Brasil”, no Facebook, já é grande. Até o momento em que escrevo, 1.409 pessoas tinham compartilhado, repassado a seus amigos. Outras 772, “curtido” - apertado um botão que indica que as pessoas gostaram do que viram.

Tamanha certeza em relação à frase deve nos convidar a uma reflexão sobre frases feitas, supostamente geniais, que divulgamos como verdades absolutas, supra summus do pensamento humano.

Como mostra o sucesso da frase de Nelson Rodrigues, ou das centenas de frases de efeito de Oscar Wilde, não se trata de uma novidade da internet – mas esta parece potencializar o recurso.

Uma rápida reflexão sobre a frase detecta vários problemas. Entre eles, o de que há vários problemas, muitíssimos problemas, problemas inesgotáveis (e não “o” problema) no mundo. Políticos, econômicos – e, sim, também os filosóficos. Mas será mesmo que as pessoas inteligentes estão tão cheias de dúvidas assim?

Fico a pensar nesse cenário em que as pessoas “inteligentes” estejam num mar de dúvidas. Acabaram de sair de uma sessão de um filme do Woody Allen (ou do Ingmar Bergman), leram 800 tirinhas do Charlie Brown e passam a conversar sobre tudo com imenso relativismo. Com nuances, filigranas, sutilezas de pensamento. É isso que vemos, nas universidades, nos bares, nas redes sociais?

Não, não é. Uma das certezas que tenho é a de que pouca gente está a fim de debates de fato. Vivemos em meio a uma avalanche de monólogos, nem sempre disfarçados de diálogos construtivos. Sócrates ficaria vexado. Nada de maiêutica, de parto. Dialética? Aristóteles e Hegel ficariam igualmente vexados. E, sim, estou falando também e principalmente dos “intelectuais”.

Que há uma realidade – sórdida – a ser discutida, não tenho dúvidas. Que esse debate é emergencial, também não. Outra certeza que venho construindo, porém, é que a indiferença é hegemônica. A de que o ser humano tende a ter soluços de indignação e de revolta em relação aos problemas do mundo (violências, desigualdades) e, em seguida, retorna à sua zona de conforto.

Digo tudo isso pensando num casal de revolucionários que conheço. Eles têm várias certezas em seus discursos. Não acreditam em reformismo, não acreditam em qualquer tipo de polícia. Quando postam na rede social seus comentários, quase ninguém tem paciência com eles. Embora, até um certo ponto, a indignação deles seja perfeitamente compartilhável – e legítima. Mas imediatamente fervilham os comentários agressivos, violentos (quase invariavelmente disfarçados de humor), os trolls - e as desistências.

Não concordo com boa parte do que os dois dizem. Mas respeito bastante a disposição com que eles se colocam para o debate – ainda que, muitas vezes, também incorram no exercício de monólogo. A maior parte dos interlocutores (alunos da maior universidade pública do país, a USP), porém, não está nem aí. Buscam reduzir a disposição de todos a uma vala comum, onde ninguém seria mais idealista do que ninguém. Atropelam quem propõe algum debate sério e logo partem para a próxima piadinha, a próxima banalidade da vez na internet.

Não tenho nada contra as pessoas assistirem filmes do Bergman ou do Woody Allen e saírem cheias de dúvidas; que leiam as obras mais importantes das ciências sociais, da filosofia, da literatura, e igualmente coloquem em xeque a condição humana, o Estado, o sistema econômico, os hábitos culturais etc.

Mas temo que as incertezas estejam sendo utilizadas como disfarce para a nossa passividade. Para uma monumental, histórica e terrível desumanização, uma indiferença brutal em relação ao destino insustentável de bilhões de seres humanos – vítimas da fome, da exploração do corpo e do trabalho, violentadas em seus direitos elementares.

Em outras palavras, não tenho certeza de que a humanidade esteja tão em dúvida assim. Para mim, ela tomou um partido – o da manutenção (por ousadia ou por covardia) do status quo.

Quanto aos idiotas, talvez não devam ser colocados tão assim em oposição com “os inteligentes”. O problema é mais embaixo.
 

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