quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Carta de lideranças indígenas à "nova direção da Funai"

por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)

Uma carta escrita por cinco lideranças indígenas foi publicada, no dia 17 de janeiro, no blog de Mércio Gomes, ex-presidente da Funai. Ela é intitulada "Proposta de Trabalho para a Próxima Direção da Funai".

É que muitos líderes - como Marcos Terena - dão como certa a queda do presidente da fundação, Márcio Meira. A Funai (Fundação Nacional do Índio) não respondeu ao blog pergunta sobre esses rumores.

Independentemente das disputas políticas (Márcio x Mércio), o documento é importante por mostrar que há divisão no movimento indígena em relação às obras do PAC. Uns querem compensações (entre eles a Fundação Villas Bôas); outros, como esta carta mostra, rejeitam essa visão de crescimento e desenvolvimento.

Segue o documento das lideranças, definidas por Mércio Gomes como "intelectuais indígenas":

"PROPOSTA DE TRABALHO PARA A PRÓXIMA DIREÇÃO DA FUNAI:

A presente proposta foi elaborada pelos técnicos indígenas listados a seguir e apoiada por muitas lideranças indígenas de raiz e Organizações indígenas tradicionais:

-Escrawen Sompré – Povo Indígena Xerente/TO, Engenheiro Florestal, especialista em Gestão Ambiental e Ordenamento territorial;

-Wilson Mattos da Silva – Povo Indígena Kaiwoá/Terena/MS, Advogado Criminalista, especialista em Direito Constitucional;

- Azelene Kaingáng – Povo Indígena Kaingáng/SC, Socióloga, Mestranda em Políticas Sociais;

-Ubiratan de Souza Maia – Povo Indígena Wapichana/RR, Advogado;

-Jeremias Xavante – Parlamentar Indígena Xavante/MT;

A Fundação Nacional do Índio, após sua reestruturação através da edição do Decreto 7.056 de 29 de dezembro de 2009, passou por profundas mudanças institucionais e conceituais que desencadearam a necessidade de redefinir a relação do Estado Brasileiro com os Povos Indígenas. Foram mudanças surpreendentemente negativas e que vigoram até hoje.

Em primeiro lugar, o Decreto foi imposto de cima para baixo, sem nenhuma consulta aos índios, algo que chocou a todos. O Decreto extinguiu todos os postos indígenas e diversas unidades administrativas estratégicas para os povos indígenas, tais como, Altamira, onde se constrói a UHE Belo Monte, Oiapoque, na fronteira com a Guiana, Porto Velho, onde se constroem as Usinas Santo Antonio e Jirau, Recife, Curitiba, São Luís, Goiânia e dez outras mais. O Decreto, enfim, paralisou a FUNAI, o atendimento aos povos indígenas e fragilizou a segurança das terras indígenas. Não é surpresa que tantas delas estejam invadidas por fazendeiros e posseiros de toda sorte, além de madeireiros e outros aproveitadores.

Tal quadro revela a urgente obrigação dos Povos Indígenas do Brasil e do Estado brasileiro em procurar conciliar seus interesses, a fim de que se possa definitivamente efetivar o desenvolvimento sem conflitos, onde índios, Estado e empreendedores possam estabelecer um diálogo negociador, em observação ao disposto no artigo 6º da Convenção 169/OIT, que não é nada mais do que ambos entrarem em acordo.

Que fique bem claro: os índios não estão contra o progresso brasileiro. O que tem ocorrido atualmente é que algumas organizações indigenistas e ambientalistas têm se aproveitado do fato de que o Estado não estabeleceu este diálogo com os Povos Indígenas para afirmarem, em nome dos índios, que estes são contrários ao estabelecimento de obras importantes do PAC em territórios indígenas, quando na verdade os Povos Indígenas querem apenas ser parte no processo de desenvolvimento e não ficarem a margem como sempre estiveram.

Neste sentido, as compensações e indenizações oriundas dos empreendimentos em territórios indígenas podem e devem ser aplicadas em programas e projetos que ajudem os Povos Indígenas a saírem da subsistência e sobrevivência e passarem para a conquista definitiva de sua autonomia com qualidade de vida. Não existe outra alternativa: ou se investe no desenvolvimento econômico dos territórios, com o aproveitamento de seus recursos naturais, criando cooperativas agrícolas e minerárias indígenas e de outras categorias, de acordo com as especificidades e grau de contato de cada Povo Indígena, e com o consentimento prévio dos mesmos, ou a miséria e a pobreza extrema que afetam a maioria dos Povos Indígenas deverão se aprofundar cada vez mais nas próximas décadas.

Assim sendo, técnicos Indígenas e líderes de raiz dos Povos Indígenas Kayapó, Xavante, Gavião, Kaingáng, Wapichana, Pareci e Xucuru, preocupados com a atual situação da FUNAI, que já não dá conta de fazer a interlocução dos Povos Indígenas com o governo, propõe nesse momento políticas sociais, medidas e parcerias inclusive com estados e municípios, no sentido de construir a seguinte agenda de trabalho:

1-    Que as demarcações em curso se finalizem, e pelos próximos cinco anos se avalie e se proponha, com a participação plena dos Povos Indígenas, uma nova política de regularização e garantias territoriais;
2-    Que o orçamento do Governo federal para as comunidades indígenas seja reforçado a fim de garantir a estruturação dos territórios e a organização das comunidades em cooperativas indígenas para impulsarem o desenvolvimento econômico dos Povos Indígenas;
3-    Que sejam reativadas as Unidades da FUNAI em Recife, Curitiba, Altamira e outras que são estratégicas para que o governo esteja mais próximo às comunidades indígenas com unidades gestoras;
4-    Reformular e propor programas de acesso e permanência de estudantes indígenas em Universidades;
5-    Que se regulamente o artigo 6º da Convenção 169 da OIT;
6-    Que se convoque a 2ª Conferência Nacional de Política Indigenista.

Esperamos o apoio de autoridades, amigos e simpatizantes da causa indígena que nos ajudem sensibilizar o governo da Presidenta Dilma Rousseff. Precisamos levar nossa causa aos Ministérios da Justiça e da Casa Civil a fim de que, como técnicos e líderes indígenas de raiz, possamos levar esta proposta ao governo federal".

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