Um
cantor indígena, a feira literária das elites e a nossa “barbárie
cultural”
por
ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
A
expressão “barbárie cultural” está em um texto na parede da
Casa do Núcleo, um espaço alternativo (local de shows e cursos, sede de uma
gravadora e produtora) localizado no bairro de Alto de Pinheiros, em
São Paulo. Refere-se à perda irreparável que é ignorarmos culturas de
outros países e povos, diante do massacre ao qual somos diariamente
submetidos pela indústria do entretenimento – com viés, claro,
estadunidense e europeu.
Lembrei-me da “barbárie cultural” ao ver vídeos com músicas de Wakay, um índio Funi-ô alagoano radicado em Salvador. Ele canta em yathe, seu idioma materno, e em português. A apresentação de seu trabalho fala de ritmos marcados pelos pés (como nas danças indígenas) e da presença de sons de pássaros e água corrente. Considera-se na missão de espalhar as tradições dos primeiros habitantes das terras brasileiras.
Lembrei-me da “barbárie cultural” ao ver vídeos com músicas de Wakay, um índio Funi-ô alagoano radicado em Salvador. Ele canta em yathe, seu idioma materno, e em português. A apresentação de seu trabalho fala de ritmos marcados pelos pés (como nas danças indígenas) e da presença de sons de pássaros e água corrente. Considera-se na missão de espalhar as tradições dos primeiros habitantes das terras brasileiras.
Pode-se
até não gostar das músicas. Ou do autor. Mas é preciso reconhecer
que faz circular um conjunto diferente de imagens, de conceitos, de
olhares, em relação ao que estamos acostumados. Só a divulgação
do texto em idioma indígena já valeria a experiência. O Brasil tem
hoje cerca de 180 idiomas, além do português. Eles representam
séculos de tradição, de riqueza cultural. Mas muitos estão em
extinção. Os demais seguem desconhecidos, enquanto aprendemos
inglês, espanhol e alemão.
O
cientista social Emir Sader escreveu este mês um texto sobre a Flip,
a Feira Literária Internacional de Paraty, que vai ao encontro dessa
ideia de barbárie cultural. Está no blog da Boitempo Editorial. Ele
critica a elitização do evento, que, para ele, tanto poderia ser
realizado em Ibiza, em Cannes ou no Havaí: “Parece
que se joga justamente com o exclusivismo, com o gasto enorme que se
pode fazer, para dizer: 'Eu estive na Flip, em Paraty'.”
Sader
menciona uma ausência específica na Flip: a de representantes da literatura e do ensaísmo
latino-americanos, que tiveram “pouca ou nenhuma presença” no
evento, no início de julho. De fato, basta passar os olhos na
relação dos debatedores para observar a ausência dos vizinhos. E
olhem que se trata de uma das literaturas mais ricas do planeta.
Não
por coincidência, o criador do Núcleo Contemporâneo, onde fica a
Casa do Núcleo, investe na coleta de CDs e informações sobre
música da América Latina. É o músico Benjamin Taubkin, membro do
Fórum Europeu de Música do Mundo. Ele considera a música desse
continente (por conta da diversidade de estilos e culturas) uma das
mais inspiradoras e vivas do planeta.
A
cultura dos povos indígenas está para a cultura brasileira assim
como a cultura produzida na América Latina: distante, desconhecida.
Lutar contra a barbárie, no Brasil, significa lutar contra o
desconhecimento monumental relativo às mais de 200 nações indígenas
distribuídas por nosso território. E implica disposição para
conhecer mais seus idiomas, suas danças, sua musicalidade.
Os
indígenas estão se movimentando, a duras penas. Temos neste texto
apenas um exemplo, com Wakay. Mas o vídeo tem pouquíssimos acessos
no YouTube. Outros estão fazendo ou aprendendo a fazer filmes – um
cinema com outro olhar, outra luz, que ainda não chega em nossos
aparelhos hollywoodianos.
Entre
os brancos ditos civilizados (inclusive os que se consideram
ilustradíssimos), a barbárie cultural é uma doença contagiosa, uma praga que nos confina em pontos cada vez mais isolados de nosso território possível.
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