A madame na calçada e os sem-teto na Paulista
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
Esquina da Avenida Paulista com a Rua Augusta. Diante do prédio do Banco do Brasil, onde funciona o escritório do governo federal em São Paulo, centenas de trabalhadores sem-teto reúnem-se diante de um carro de som, ocupando uma faixa da avenida. Até ali apenas buzinas sinalizavam desprezo dos paulistas mais apressados às reivindicações dos trabalhadores – por desapropriações na cidade e no campo.
Era meio-dia desta quinta-feira. Uma comissão de 13 representantes dos movimentos acabara de sair de reunião com a chefe de gabinete do escritório, Rosemary Nóvoa de Noronha. Ela telefonou durante o encontro para o ministro Gilberto Carvalho, da Secetaria Geral da Presidência da República, que marcou uma audiência para o dia 19.
Tensão adiada, vitória dos sem-teto. Com o prédio do Banco do Brasil esvaziado (ele fora ocupado até o terceiro andar pelos manifestantes), todos ocupam novamente a faixa no leito da Paulista. Outros aglomeram-se na calçada, espremidos entre a sede do banco e a estação do Metrô Consolação.
Uma senhora passa bufando, abrindo alas. Não foi a única insatisfeita: em outro momento dos protestos um senhor aproximara-se dos policiais para fazer uma recomendação: “Pode bater. Não tem dó”.
Mas a senhora apressada disputa ela mesma o espaço: avoluma-se diante dos trabalhadores, os braços ocupando os centímetros da calçada. Estava com pressa. E desprezava aquela manifestação – ou aquelas pessoas. No carro de som, o porta-voz percebe a tensão e grita: “Está brava, madame?”
Risos. Risos gerais dos sem teto – na faixa ocupada na Paulista, na calçada e no carro de som. Guilherme Boulos, da coordenação nacional do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) é quem comanda o microfone. Momentos antes, no Masp, ele dissera aos manifestantes que aquela avenida – aos 120 anos – costuma ser ocupada por representantes da elite, por banqueiros. E por carrões. E que era o momento de ser ocupada pelos trabalhadores.
A palavra “madame” representava tudo isso naquele momento. “Está brava, madame?”, repete Guilherme Boulos. “Mas nós não vamos sair daqui não, madame. Nós vamos ficar aqui na Paulista!” Ele não perde tempo e puxa um grito dos manifestantes, uma palavra de ordem que clama pelo “poder popular”. A madame some, invisível.
O episódio lembra aquele da manifestação dos estudantes da USP, há duas semanas. A Folha de S. Paulo publicou no dia seguinte uma foto em que duas senhoras aparecem em primeiro plano. Elas estão revoltadas contra os manifestantes. Uma delas, rosto contraído, estende ostensivamente a eles o dedo do meio.
“UM PAÍS SEM POBREZA”
Este blog acompanhou, desde o Masp, a ação dos sem teto. Diante da ocupação dos três andares do prédio do Banco do Brasil (que cede um andar ao governo federal), a notícia tornou-se inevitável nos meios de comunicação. Mas quase ninguém da grande imprensa (eu só vi a CBN) estava no terceiro andar, onde Boulos chegou a bater boca com Rosemary, a representante do governo.
“Se não vão nos receber voltamos à situação anterior (de ocupação massiva do prédio)”, disse ele, diante de um recuo da chefe de gabinete. “Isso é uma ameaça?”, pergunta Rosemary. “Não”, responde Boulos – que apenas cobrava o cumprimento do acordo. Mas a reunião logo aconteceria.
Treze representantes dos movimentos participaram da comissão. A massa desceu para a calçada da Paulista e restaram oito profissionais de imprensa (na maior parte, alternativa) diante da porta de vidro. Naquele andar não há símbolos do Banco do Brasil, mas sim o do governo federal. Nas paredes laterais, fotos de Dilma e de Lula. Na parede ao fundo, sob o logo do governo, a frase: “País rico é um país sem pobreza”.
Antes da reunião, palavras de ordem soavam alto no terceiro andar – com um calor escaldante, quase todos suando muito. “Ô Dilma, eu vim aqui só pra te ver!” “Um dois três, quatro, cinco, mil, ou dá a nossa casa ou paramos o Brasil”.
Os principais grupos presentes eram o MTST, o MST (regional Campinas), o MUST (Movimento Urbano dos Sem Teto) e os representantes da Fábrica Ocupada Flaskô. Todos enfrentam ameaças de desocupações. Essa foi uma das três pautas de reivindicações, a serem discutidas no dia 19 com Gilberto Carvalho e com a ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário Nunes.
Em particular, os sem teto temem a reintegração de posse da ocupação Pinheirinho, em São José dos Campos, com 2 mil famílias – que pode acontecer a qualquer momento, pois uma juíza exige o cumprimento de decisão judicial. Este blog publicará na segunda-feira texto específico sobre esse conflito.
Outra pauta na reunião com os ministros será a das desapropriações. Os sem teto querem uma Política Nacional de Desapropriações. Por um lado, a dos terrenos urbanos, diante da especulação imobiliária e da necessidade de moradia. Por outro, das terras rurais – diante dos latifúndios. A desapropriação da Fábrica Ocupada Flaskô, em Sumaré (SP) também é uma reivindicação.
Finalmente, os sem teto querem protestar contra a criminalização dos movimentos populares. Essa criminalização ocorre pelo país por meio de repressões policiais, processos e prisões. O caso dos estudantes da USP foi mencionado como um dos exemplos recentes. Muitas manifestações democráticas acabam em repressão.
Mas ontem os policiais estavam calmos – nitidamente orientados a aceitar o ato e a passeata. Alguns pedestres, eles sim, estavam assanhados – o que mostra a base política e cultural para as ações repressivas.
Ao menos nesta quinta-feira, a truculência resumiu-se ao corpanzil de uma senhora, la madame disputando espaço na calçada.
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
Esquina da Avenida Paulista com a Rua Augusta. Diante do prédio do Banco do Brasil, onde funciona o escritório do governo federal em São Paulo, centenas de trabalhadores sem-teto reúnem-se diante de um carro de som, ocupando uma faixa da avenida. Até ali apenas buzinas sinalizavam desprezo dos paulistas mais apressados às reivindicações dos trabalhadores – por desapropriações na cidade e no campo.
Era meio-dia desta quinta-feira. Uma comissão de 13 representantes dos movimentos acabara de sair de reunião com a chefe de gabinete do escritório, Rosemary Nóvoa de Noronha. Ela telefonou durante o encontro para o ministro Gilberto Carvalho, da Secetaria Geral da Presidência da República, que marcou uma audiência para o dia 19.
Tensão adiada, vitória dos sem-teto. Com o prédio do Banco do Brasil esvaziado (ele fora ocupado até o terceiro andar pelos manifestantes), todos ocupam novamente a faixa no leito da Paulista. Outros aglomeram-se na calçada, espremidos entre a sede do banco e a estação do Metrô Consolação.
Uma senhora passa bufando, abrindo alas. Não foi a única insatisfeita: em outro momento dos protestos um senhor aproximara-se dos policiais para fazer uma recomendação: “Pode bater. Não tem dó”.
Mas a senhora apressada disputa ela mesma o espaço: avoluma-se diante dos trabalhadores, os braços ocupando os centímetros da calçada. Estava com pressa. E desprezava aquela manifestação – ou aquelas pessoas. No carro de som, o porta-voz percebe a tensão e grita: “Está brava, madame?”
Risos. Risos gerais dos sem teto – na faixa ocupada na Paulista, na calçada e no carro de som. Guilherme Boulos, da coordenação nacional do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) é quem comanda o microfone. Momentos antes, no Masp, ele dissera aos manifestantes que aquela avenida – aos 120 anos – costuma ser ocupada por representantes da elite, por banqueiros. E por carrões. E que era o momento de ser ocupada pelos trabalhadores.
A palavra “madame” representava tudo isso naquele momento. “Está brava, madame?”, repete Guilherme Boulos. “Mas nós não vamos sair daqui não, madame. Nós vamos ficar aqui na Paulista!” Ele não perde tempo e puxa um grito dos manifestantes, uma palavra de ordem que clama pelo “poder popular”. A madame some, invisível.
O episódio lembra aquele da manifestação dos estudantes da USP, há duas semanas. A Folha de S. Paulo publicou no dia seguinte uma foto em que duas senhoras aparecem em primeiro plano. Elas estão revoltadas contra os manifestantes. Uma delas, rosto contraído, estende ostensivamente a eles o dedo do meio.
“UM PAÍS SEM POBREZA”
Este blog acompanhou, desde o Masp, a ação dos sem teto. Diante da ocupação dos três andares do prédio do Banco do Brasil (que cede um andar ao governo federal), a notícia tornou-se inevitável nos meios de comunicação. Mas quase ninguém da grande imprensa (eu só vi a CBN) estava no terceiro andar, onde Boulos chegou a bater boca com Rosemary, a representante do governo.
“Se não vão nos receber voltamos à situação anterior (de ocupação massiva do prédio)”, disse ele, diante de um recuo da chefe de gabinete. “Isso é uma ameaça?”, pergunta Rosemary. “Não”, responde Boulos – que apenas cobrava o cumprimento do acordo. Mas a reunião logo aconteceria.
Treze representantes dos movimentos participaram da comissão. A massa desceu para a calçada da Paulista e restaram oito profissionais de imprensa (na maior parte, alternativa) diante da porta de vidro. Naquele andar não há símbolos do Banco do Brasil, mas sim o do governo federal. Nas paredes laterais, fotos de Dilma e de Lula. Na parede ao fundo, sob o logo do governo, a frase: “País rico é um país sem pobreza”.
Antes da reunião, palavras de ordem soavam alto no terceiro andar – com um calor escaldante, quase todos suando muito. “Ô Dilma, eu vim aqui só pra te ver!” “Um dois três, quatro, cinco, mil, ou dá a nossa casa ou paramos o Brasil”.
Os principais grupos presentes eram o MTST, o MST (regional Campinas), o MUST (Movimento Urbano dos Sem Teto) e os representantes da Fábrica Ocupada Flaskô. Todos enfrentam ameaças de desocupações. Essa foi uma das três pautas de reivindicações, a serem discutidas no dia 19 com Gilberto Carvalho e com a ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário Nunes.
Em particular, os sem teto temem a reintegração de posse da ocupação Pinheirinho, em São José dos Campos, com 2 mil famílias – que pode acontecer a qualquer momento, pois uma juíza exige o cumprimento de decisão judicial. Este blog publicará na segunda-feira texto específico sobre esse conflito.
Outra pauta na reunião com os ministros será a das desapropriações. Os sem teto querem uma Política Nacional de Desapropriações. Por um lado, a dos terrenos urbanos, diante da especulação imobiliária e da necessidade de moradia. Por outro, das terras rurais – diante dos latifúndios. A desapropriação da Fábrica Ocupada Flaskô, em Sumaré (SP) também é uma reivindicação.
Finalmente, os sem teto querem protestar contra a criminalização dos movimentos populares. Essa criminalização ocorre pelo país por meio de repressões policiais, processos e prisões. O caso dos estudantes da USP foi mencionado como um dos exemplos recentes. Muitas manifestações democráticas acabam em repressão.
Mas ontem os policiais estavam calmos – nitidamente orientados a aceitar o ato e a passeata. Alguns pedestres, eles sim, estavam assanhados – o que mostra a base política e cultural para as ações repressivas.
Ao menos nesta quinta-feira, a truculência resumiu-se ao corpanzil de uma senhora, la madame disputando espaço na calçada.
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2 comentários:
bacana o texto só queria falar sobre um ponto, a vitoria dos sem teto.
Creio que marcar uma reunião não seja uma vitoria porque afinal de contas sair com uma reunião marcada não significa nenhum avanço, afinal de contas o MTST pode fazer a reunião e sair pior do que entrou como ja aconteceu em muitos casos além da midia poder usar sse argumento dizendo que o governo negociou e agora o movimento parte pra violencia.
Enfim, dequalquer forma, parabens pelo texto
Boa matéria, só gostaria de ressaltar uma coisa: o ato na paulista de ontem foi realizado não apenas pelos sem-teto, mas sim pela unidade criada entre três movimentos, MST-regional Campinas, MTST de São Paulo e a Fábrica Flaskô, ocupada a 8 anos... essa unidade vem principalmente da grande atividade em conjunto desses três movimentos na região de Campinas. O ato foi organizado pelos três, e demonstra dessa forma a busca de uma unidade extremamente necessária entre os movimentos sociais em contrapartida a um governo cada vez mais repressivo e não disposto ao diálogo.
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