segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Seis presas na USP relatam racismo, sexismo e violências policiais

por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
 

Entre os 12 presos ontem na Cidade Universitária, seis são mulheres. As seis deram entrevista ao blog e relatam como foi o domingo de carnaval. São histórias de violência policial, de provocações, racismo e sexismo. Os depoimentos coincidem nos detalhes: celas em condições sub-humanas, exame humilhante no IML, tratamento diferente dado à estudante negra, ausência de Conselheiro Tutelar para amparar a adolescente de 16 anos.
 

Confrontados com as instruções da juíza Ana Paula Sampaio de Queiroz Bandeira Lins, os relatos indicam que a USP e as polícias pouco cumpriram o que fora recomendado: assistência social, garantia de incolumidade de todos os envolvidos, reforço policial com “máxima cautela”. Mostram, também, as condições sórdidas das celas do 14º Distrito Policial, em Pinheiros.
 

Três das seis estudantes não cursam graduação na USP. É uma situação diferente dos seis homens presos, todos estudantes da universidade. Uma delas é do Rio Grande do Sul, outra faz cursinho popular, a outra está no ensino médio. Duas (a gaúcha e a menor) estavam de passagem pela Moradia Retomada, desocupada ontem de manhã, por cerca de 200 policiais.

Vejamos quem é e o que aconteceu com cada uma delas:
 

INGRID

Ingrid Lidyane Santos Silva tem 20 anos e cursa Letras na USP. Considera-se vítima de racismo. Ao prestar depoimento no 14º Distrito Policial, afirmou que não teria nada a declarar. Isso se repetia a cada pergunta. Todos os demais presos fizeram isso. No seu caso, porém, ao se recusar a dar o endereço, ouviu o seguinte: “Então a gente vai colocar que é moradora de rua”. Em seguida perguntaram sobre instrução. “Se não quer falar, vamos colocar que é analfabeta”.
 

Ingrid aponta diversas hostilidades praticadas por policiais. “Vocês vão se foder na presença do juiz”, ouviu, diante da recusa em prestar depoimento. Durante o exame de corpo de delito, no Instituto Médico Legal, ela se sentiu abusada ao tirar toda a roupa. Ouvira das presas na reitoria, em novembro, que o exame fora tranquilo, feito por uma médica. Mas era um médico e ele as obrigou a tirar tudo. "Vira de frente, vira de trás", pedia ele.
 

ELIETE
 

Eliete Ribeiro Floripo tem 27 anos. É de Cachoeirinha (RS). Em férias, passou duas semanas com um amigo, na Moradia Retomada, e está voltando nesta segunda-feira para o Sul, onde estuda História. Para ela, houve “humilhação o tempo inteiro, para mostrar quem é que manda”.

Ela conta que a cela onde ficaram estava alagada – um misto de água, urina e fezes. Não havia espaço seco para todas ficarem sentadas. A solução era revezarem. Diante da situação da privada, elas pediram providências. Jogaram creolina. “Era difícil respirar”, diz.
 

A gaúcha define a situação como “tortura psicológica”. Ela conta que Paula começou a ficar pálida, passar mal. Todas gritaram, até que ela fosse retirada – de lá Paula saiu para ser atendida no Hospital das Clínicas, mas voltou à delegacia.
 

PAULA
 

Paula está com seis meses e meio de gravidez. Ela tem 21 anos. Aguarda resultado do vestibular. Vivia na Moradia Retomada com o companheiro, estudante da Física. Um vídeo mostra os policiais carregando-a pela Cidade Universitária, atê o ônibus. Todos os depoimentos coincidem ao dizer que ela foi “jogada” no ônibus que as levou à delegacia.
 

A estudante conta que foi levada à força enquanto lia o mandado de reintegração de posse. Não a deixaram acabar. Estava sentada no chão e disseram: “Ou você vai por bem ou vai à força”. Foi arrastada para uma cadeira e dessa forma carregada até o ônibus, por quatro policiais.
 

Todos dizem que policiais disseram a ela, durante a desocupação, que não tinha o direito de falar nada, pois não era estudante da USP. “Não acho que esteja errado eu morar com meu companheiro”, afirma.
 

A MENOR
 

O Estatuto da Criança e do Adolescente não permite que se publique o nome da adolescente, de 165 anos, presa ontem na USP. Ariel de Castro Alves, da OAB, diz que houve vários crimes: abuso de autoridade, privação ilegal de liberdade, submissão a constrangimento. Veja aqui o que diz o especialista.
 

A adolescente deu azar: dormia apenas aquela noite em São Paulo. Ela é de Nova Odessa, no interior paulista. Conta que entregou documento ainda na sala da Moradia Retomada, mas só na delegacia, indo para a cela, souberam – por ela mesma - que é menor. Mesmo assim ficou mais de três horas presa numa cela. Leia aqui o relato completo.
 

Durante o depoimento ao delegado, ela conta que, após pergunta sobre o que estava fazendo na Moradia Retomada, ouviu o seguinte comentário: “Fiquei sabendo que um deles é namoradinho seu...”
 

ROSI
 

Estudante de Filosofia na USP, Rosi (ela não gosta de divulgar o sobrenome) foi uma das presas durante a desocupação da reitoria, em novembro – quando centenas de policiais prenderam 73 pessoas. Foi ela quem contou ter sido torturada durante a operação, em plena reitoria. Leia aqui seu relato.
 

Em frente da delegacia, ela contou que foi agredida, mas não entrou em detalhes. As demais presas contam que ela foi agredida dentro do ônibus. Pediu uma máquina de volta a um policial, que a teria xingado de “vaca suja”.
 

"Uma coisa foi não saiu da minha cabeça", relata Rosi. "Foi quando o médico no IML pediu pra gente baixar a calcinha, a ameaça que, se não tirássemos a roupa, ele não ia fazer o 'exame' e, assim, voltaríamos para a cadeia. E, principalmente, a forma asquerosa que ele olhou pra o corpo despido da Eliete, a primeira a ser 'examinada'."
 

ALINE
 

Aline Dias é um dos personagens mais presentes nos últimos episódios da USP. Em novembro, foi presa durante a reintegração de posse da reitoria. Em dezembro, expulsa da Universidade de São Paulo, exatamente por ter sido, segundo a reitoria, uma das líderes da ocupação do bloco conhecido como Moradia Retomada – objeto, ontem, da reintegração de posse.
 

Estudante de Artes Cênicas na USP, ela foi a primeira a se recusar a sair da Moradia Retomada, quando todos souberam que iam ser presos – e não liberados, como havia sido dito. Conta que foi chamada pelo nome pelo comandante da operação. Ela gravou tudo com uma câmera de mão. "Mas os policiais me agrediram e apagaram todos os arquivos", diz.
 

Na delegacia, ao perguntar para qual sala estavam indo, um policial respondeu: "Para Auschwitz". "Quem estava fora ouviu os policiais dizendo que se pudessem matavam todos os 12", afirma.
 

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