por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
A revista Miséria (miseriahq.blogspot.com) repercutiu da seguinte forma a entrevista com Rosi, a estudante de Filosofia da USP torturada no dia 8 de novembro pela polícia, em plena reitoria: “Folha de São Paulo e Rede Globo omitem caso de estudante torturada por conta da ocupação da reitoria da USP”.
Esse é o título principal. A outra chamada do site igualmente foca o conflito na omissão da imprensa: “Jornalistas da Folha de São Paulo e da Rede Globo souberam que estudante tinha sido torturada por policiais, mas optaram em não divulgar isso em seus jornais”.
De fato, o relato que fiz a partir de duas entrevistas de Rosi contém esses dois casos: o da Folha e o da Rede Globo. No caso da emissora de TV, a estudante criticou um repórter que, segundo ela, ignorou a denúncia (ainda no calor dos acontecimentos, durante a reintegração de posse da reitoria) de que estava sofrendo violência dos policiais.
No caso da Folha, Rosi foi procurada por um repórter, dias após a prisão. A entrevista foi gravada. Mas o jornal não quis publicá-la, alegando “questões editoriais”. A transcrição dessa mesma entrevista, porém, motivou na segunda-feira um texto da agência Carta Maior (que não ouviu Rosi) e o texto neste blog (que fez outra entrevista com a estudante).
Ou seja: além de não publicar a reportagem, o jornal faz o entrevistado pensar que o texto vai ser publicado – enquanto isso, respeitando a exclusividade, a fonte não divulga a outros veículos. E o fato vai esfriando. Duas semanas depois, Rosi falaria no Masp, durante ato contra a PM, que a imprensa “podre” não tinha publicado sua denúncia.
“NÍVEL DE DESINFORMAÇÃO”
A revista de quadrinhos Miséria - que destacou essa face jornalística do episódio da tortura - é mantida por um coletivo do qual faz parte o jornalista e cartunista João da Silva. Ele também trabalha no jornal Atenção, da Fábrica Ocupada Flaskô. Seu ponto de vista, como mostra o destaque dado aos casos de imprensa, é o de quem não acredita na isenção dos grandes meios de comunicação.
Ele não é o único. Vale destacar
alguns comentários de amigos no Facebook. Maria Laura Conti Nunes
ironizou a “imparcialidade” da imprensa e recomendou a entrevista com Rosi
desta forma: “
O fato é que a grande imprensa vem fazendo jus a essa descrença (cada vez mais crescente).
No caso da USP, a relação hostil entre ela e o público estudantil ocorre desde
que, no fim de outubro, três estudantes da Geografia foram abordados por
policiais no estacionamento da faculdade – e detidos pela posse de uma pequena
quantidade de maconha.
O acordo entre estudantes e jornalistas tem sido raro - quase impossível.
É uma espécie de conflito USP-Mackenzie dos anos 2000. Nos últimos meses eu (jornalista-estudante) assisti a quase todas as assembleias
gerais dos estudantes da USP, participei de ato em frente da reitoria e assisti à movimentação em
torno das ocupações (da administração da Faculdade de Filosofia) e da reitoria. Do lado dos estudantes, paranoia. Do lado dos jornalistas, um certo complexo de superioridade.
ESTUDANTES X IMPRENSA
O conflito era evidente. No vão livre do prédio da História-Geografia, vi um amigo que trabalha na Band, Francisco Câmpera, revoltadíssimo – um estudante cuspira nele, do alto do prédio, sem se identificar. E ele acabara de chegar. Cuspiram só porque ele era jornalista – ou da Band. Em vários outros momentos alguns estudantes enfrentaram os profissionais de imprensa. Com ofensas verbais, tapa nos microfones e, até, briga corporal.
Do outro lado, igualmente pouca disposição ao diálogo. Um dia um estudante da FEA (a Faculdade de Economia, antro de conservadores na USP) chegou em frente da reitoria com um cartaz. O texto insinuava que os ocupantes só podiam estar ali, ser revolucionários, por causa do dinheiro “do papai”. Os cinegrafistas se divertiram – sentiram-se representados por aquele provocador isolado.
Quase desnecessário assinalar que a performance isolada do aluno da FEA ganhou muito mais mídia do que centenas de falas (sérias, representativas, discursos políticos legítimos) de estudantes de esquerda, nas assembleias ou fora dela. A Batalha da Cidade Universitária é notoriamente desigual.
O conflito era evidente. No vão livre do prédio da História-Geografia, vi um amigo que trabalha na Band, Francisco Câmpera, revoltadíssimo – um estudante cuspira nele, do alto do prédio, sem se identificar. E ele acabara de chegar. Cuspiram só porque ele era jornalista – ou da Band. Em vários outros momentos alguns estudantes enfrentaram os profissionais de imprensa. Com ofensas verbais, tapa nos microfones e, até, briga corporal.
Do outro lado, igualmente pouca disposição ao diálogo. Um dia um estudante da FEA (a Faculdade de Economia, antro de conservadores na USP) chegou em frente da reitoria com um cartaz. O texto insinuava que os ocupantes só podiam estar ali, ser revolucionários, por causa do dinheiro “do papai”. Os cinegrafistas se divertiram – sentiram-se representados por aquele provocador isolado.
Quase desnecessário assinalar que a performance isolada do aluno da FEA ganhou muito mais mídia do que centenas de falas (sérias, representativas, discursos políticos legítimos) de estudantes de esquerda, nas assembleias ou fora dela. A Batalha da Cidade Universitária é notoriamente desigual.
Nesse contexto, fatos de interesse dos estudantes (e de interesse público), como os cartazes colados por skinheads, foram sistematicamente ignorados. Folha e Globo só noticiaram os cartazes - intolerantes e ameaçadores - depois que a Polícia Civil passou a investigar o caso – mas omitiram que essa provocação ocorrera desde antes da reintegração de posse da reitoria (como eu expliquei à Folha).
E olhe que um desses cartazes trazia a imagem de Vladimir Herzog pendurado, com a seguinte legenda: "Suicídio é triste, né?" Na assinatura, uma letra repetida três vezes, compondo uma sigla muitíssimo conhecida nos anos de chumbo: "C.C.C." Uma referência, claro, ao Comando de Caça aos Comunistas.
UM ICEBERG DE NOTÍCIAS
Analisando a cobertura dos episódios na USP, percebi que as notícias e reportagens formam um bloco monolítico – uma visão demonizadora do movimento estudantil. Uma das táticas, como observa o professor Dennis de Oliveira (do Departamento de Jornalismo da ECA-USP), foi a de infantilizar os estudantes. Utilizando diminutivos e expressões pejorativas. Até gente rodada como Gilberto Dimenstein caiu nesse discurso.
Outra tática repetida, avalia Dennis, é a visão moralista – como se ninguém nas redações fumasse maconha ou otras cositas más. E não vamos nem falar dos comentários fascistas de leitores - neste reino da trollagem que se tornou a internet, nessa descida aos infernos que se tornou a leitura de comentários sobre qualquer assunto.
Por outro lado, os artigos – opinativos- sobre os conflitos na USP traziam uma maior pluralidade de pontos de vista. Às vezes, curiosamente, em um único artigo. Algumas das vozes que se levantaram em defesa (nem sempre geral e irrestrita) dos estudantes o fizeram em artigos da imprensa alternativa (como o jornal Brasil de Fato) – mas também em grandes jornais, como Estadão e Folha.
Ou seja, o formato jornalístico destinado a relatar a pluralidade de pontos de vista (as reportagens) tornou-se um imenso bloco monolítico – para não dizer um iceberg. Do outro lado, um formato (o dos artigos) que poderíamos supor mais preso aos interesses do autor revelou-se mais plural.
UM ESPECIAL LAMENTO
Como jornalista, lamentei e lamento a agressividade de parte dos estudantes contra os profissionais de imprensa. Mas sei que não são todos os estudantes que pensam e agem dessa forma.
Como estudante da USP, lamento a indiferença e o cinismo de boa parte dos profissionais da grande imprensa. E registro que, infelizmente, percebo como poucas as exceções.
Em especial, deploro a omissão – historicamente imperdoável – de que uma cidadã brasileira, uma jovem de 25 anos, foi torturada em plena Cidade Universitária, no prédio da reitoria, no centro do poder da maior universidade da América Latina – essa espoliada.
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