quinta-feira, 31 de maio de 2012

Os protestos contra torturadores, o Pacto entre Derrotados, legalidade e ingenuidade
 
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
 
O escritor argentino Ernesto Sabato (1911-2011) foi escolhido pelo presidente Raul Alfonsín, em 1983, para comandar o relatório sobre os mortos e desaparecidos pelo regime militar. Dali saiu o relatório Nunca Más – um clássico da política latino-americana. Foi ele quem inspirou o brasileiro Nunca Mais, aqui sob a regência de Dom Paulo Evaristo Arns e outros resistentes. Sabato conta que as datilógrafas choravam e tinham de ser substituídas, diante de tantos relatos de horror.
 
O prólogo do relatório ficou conhecido como Informe Sabato.“Não poderá haver conciliação senão depois do arrependimento dos culpados”, leu o argentino, em 1984, sob o olhar de Alfonsín – e de toda uma nação. Enquanto isso, no Brasil, em 2012, nos acostumamos a achar que os caríssimos torturadores são pessoas como nós. Convivemos cordialmente com nossos algozes. E estranhamos quando alguém questiona essa inversão de valores.


Ernesto Sabato escreveu três ficções: três fabulosas descidas aos subterrâneos da sordidez. E muitos ensaios. Em um dos últimos, “Antes del Fín” (1999), quase nonagenário, ele fala da necessidade de um Pacto entre Derrotados. Sabato considera que a solidariedade adquire um lugar decisivo “neste mundo acéfalo que exclui os diferentes”. E que o compromisso de nos fazermos responsáveis pela dor do outro nos dará um sentido, acima da fatalidade da história.
 
“Mas antes teremos de aceitar que fracassamos”, avisa. É claro que ele não fala de uma derrota final. Mas de uma derrota – diante de um sistema excludente, desigual, violento. “Milhares de pessoas, apesar das derrotas e dos fracassos, continuam manifestando-se, enchendo as praças, decididas a libertar a verdade de seu amplo confinamento”.
 
OS TORTURADORES BRASILEIROS
 
No Brasil, jovens em pelo menos 11 estados redescobriram os torturadores. Estes senhores vivem hoje como cidadãos respeitáveis. Não foram julgados, punidos. Tudo muito “normal”. Mas o movimento Levante Popular da Juventude protesta agora em frente de suas casas, avisa os vizinhos e passantes que ali vive um acusado (com largas evidências) de ter torturado outros seres humanos. E, por isso, cobra Justiça.
 
Em uma discussão na internet, alguém criticou a forma escolhida pelos manifestantes: o escracho. (Ou esculacho.) E classificou de “ingênuas” as pessoas, na faixa dos 40 anos, que apoiam esses protestos:
 
- Essa iniciativa tem um problema fundamental: diz lutar pelos direitos dos torturados, mas nega a possibilidade de defesa a pessoas cuja culpa sequer é comprovada. Acham que ajudam a fazer "justiça" ignorando os ritos mais sumários da Justiça. Que jovens de 20 achem isso bacana, vá lá. Mas que pessoas de 40 achem... Pera lá, pessoal. Chega a ser ingênuo. Que se apure e puna, mas com legalidade. Essa coação é ilegal e a lei é uma só para todos.
 
Dessa reação saiu uma longa discussão sobre ingenuidade. Os “ingênuos” começamos a enumerar histórias de ingenuidade. Eu lembrei do Pacto entre Derrotados de Sabato e propus uma espécie de Pacto entre Ingênuos. Desse Pacto entre Ingênuos adviria a necessidade de uma História Geral da Ingenuidade. No Brasil e no mundo. De Gandhi a Martin Luther King, da Desobediência Civil à Declaração Universal dos Direitos Humanos.
 
Eu e meu amigo Francisco Bicudo concordamos que a Declaração Universal dos Direitos Humanos é um dos maiores monumentos a essa “ingenuidade”. Uma verdadeira Constituição da Ingenuidade. Bicudo destacou 2 entre os 30 artigos ingênuos:
 
Artigo I: "Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade".
 
Artigo V: "Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante"
 
VIOLÊNCIA E PASSIVIDADE
 
E achamos curioso que, em meio a tremendos crimes contra a humanidade, os protestos bem-humorados e democráticos dos jovens sejam – eles – considerados como violações de direitos. Tendo sido as vítimas do escracho devidamente mencionadas em fontes bibliográficas diversas, como o próprio livro “Nunca Mais”.
 
Volto a Ernesto Sabato, que mostrou, no Pacto entre Derrotados (o pacto dá título ao epílogo do livro), que uma saída possível é promover uma insurreição à maneira de Gandhi. Mas essa rebelião, ensina o pacifista argentino, “não justifica de nenhum modo que [o jovem] permaneça em uma torrre, indiferente ao que passa ao seu lado”. “Gandhi advertiu que é uma mentira pretender ser não violento e permanecer passivo ante as injustiças sociais”.
 
A esta altura do século 21 deveria estar claro que discursos excessivamente legalistas podem estar apenas disfarçando a defesa da manutenção de privilégios – históricos, violentamente construídos e perpetuados. Pois, desde Spinoza, muita gente já escreveu que o Direito costuma estar a serviço de quem tem o poder.
 
Desta constatação não sairemos defendendo a violência gratuita (este blog já condenou a ingenuidade de certas violências “de esquerda”), a justiça com as próprias mãos etc. Mas vivemos em um país que eterniza prisões provisórias de usuários de drogas e moradores de rua. Que consolida a gentrificação, onde grileiros matam camponeses, onde indígenas passam frio e fome.
 
E o que está errado é o escracho na casa de pessoas sistematicamente mencionadas em relatórios sobre tortura? Quando o que se está reivindicando é exatamente investigação e punição, em uma nação que ainda não enterrou seus “desaparecidos”? Onde egressos do regime militar fazem transição para a “democracia” e comandam o Senado?
 
A MULTIPLICAÇÃO DA INGENUIDADE
 
Em meio a essa curiosa indignação seletiva, é bom que multipliquemos nossa percepção sobre legalidade e ingenuidade. Caso contrário, acabaremos achando que a revista Veja e o ministro Gilmar Mendes são os verdadeiros defensores da moral, dos bons costumes e da Justiça.
 
Um caso ocorrido na África do Sul (contado por Francisco Bicudo) resume a diferença elementar entre resistência e conivência:
 
- Certa vez, o jovem Nelson Mandela, mais um ingênuo, já lutando de corpo e alma contra as sandices e arbitrariedades do regime sanguinário do apartheid instalado na África do Sul, foi ameaçado por um militar, legítimo porta-voz da supremacia branca. O militar o ameaçou dizendo: "cuidado, a lei está ao meu lado". Mandela, sem alterar a voz, respondeu singelamente: "E a Justiça, do meu".
 
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terça-feira, 29 de maio de 2012

Prendeu três bandidos? “Pede música.” Uma iniciativa do Brasil Urgente, da Band
 
O vídeo está no YouTube. Data do dia 18 de abril. Um policial do 34º Batalhão da Polícia Militar de Belo Horizonte aparece sorridente. Acabara de prender “mais três bandidos”. Pelo critério do Brasil Urgente, da Band Minas, ele ganha o direito de pedir uma música. Como se tivesse feito três gols, na linha adotada pelo Fantástico, da Rede Globo. O PM pede “Iron Man”, um clássico do Black Sabbath.
 
O clima entre policiais e repórteres é festivo. Como se fossem todos uns artilheiros. O locutor chamado Maracanã dança - de modo grotesco - enquanto a câmera mostra os suspeitos:


Maracanã diz: “Cadeia para esse povo é a melhor coisa do mundo”. E pede “Cadeiol” para os acusados. “Você não pode comprar um carrinho melhor que tem ladrão de olho”, reclama o apresentador.

LIMPEZA SOCIAL E HUMILHAÇÃO

O Brasil é um país que prende suspeitos como forma de limpeza social. A Agência Brasil divulgou nesta terça-feira informações preliminares de um relatório feito pela Pastoral Carcerária Nacional e pelo Instituto Terra, Trabalho e Cidadania, relativo ao estado de São Paulo.
 
As duas organizações dizem que a prisão provisória tem sido utilizada como “instrumento político de gestão populacional”. Entre 174 mil detidos “provisoriamente”, 57,7 mil ainda não foram julgados. Entre eles estão usuários de drogas e moradores de rua da capital paulista.
 
O vídeo da Band Minas aparece na internet em um momento que se discute a ética da Band, por conta de um caso ocorrido em Salvador. A repórter Mirella Cunha humilha um entrevistado – suspeito de estupro - porque ele não sabe pronunciar a palavra “próstata”. A Band disse em nota que isso não representava a posição da emissora. Nada mais falso.

Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)
 

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segunda-feira, 28 de maio de 2012

O comercial da Nova Schin, o Nordeste e a matança de gays e travestis no Brasil
 
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
 
A Nova Schin colocou uma peça publicitária no ar. Com o roteiro consagrado pelo machismo brasileiro: um grupo de jovens toma cerveja e cobiça mulheres. Um deles aborda uma delas e descobre que se trata de um travesti. O locutor (em formato de cordel) troça do tamanho do gogó e do pé e o rapaz fica com cara de tacho. Seria apenas um comercial de mau gosto, inócuo, destinado a vender umas inocentes cervejinhas?
 
A Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) não pensa assim. Segundo o Estado de Minas, ela divulgou nesta segunda-feira um ofício enviado ao Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), no qual pede a “imediata retirada do ar do comercial 'Festa de São João'". A associação alega que o comercial discrimina travestis.
 
Agrego dois dados básicos para auxiliar nessa discussão:
 
1) a Nova Schin tem o Nordeste como sua menina-dos-olhos. É onde o grupo tem seu maior mercado. A empresa cresce entre 10% e 15% nessa região. Tem dificuldade para conseguir o mesmo desempenho em outras regiões do Brasil.
 
2) Em 2010, Bahia e Alagoas foram os estados com maior numero de homicídio de gays, travestis e lésbicas. Entre 260 assassinados, 29 eram da Bahia; 24, de Alagoas.
 
Alguém poderá dizer que esses humanos foram executados por outros motivos. Será? “Vários destes crimes revelam o ódio da homofobia, sendo praticados com requintes de crueldade, tortura e castração”, disse no ano passado Marcelo Cerqueira, presidente do Grupo Gay da Bahia.
 
Do lado da Nova Schin, não é à toa que a cervejaria patrocine festas juninas, muito populares no Nordeste. E que o comercial sobre o travesti se passe numa dessas festas. Existe uma divisão regional dos mercados.
 
A pergunta é: se a Nova Schin promove a homofobia, ela não está sendo cúmplice em relação a essa cultura da violência? (Não estamos nem falando aqui dos gays e transexuais espancados, diariamente humilhados etc.)
 
É tema suficiente para uma larga reflexão. Que não deve se restringir à homofobia. O espancamento e morte de mulheres no Brasil não tem nenhum relação com o machismo perpetuado pelas propagandas de cerveja? (De todas as marcas?)
 
Os publicitários pensam nesse tipo de coisa quando promovem suas peças? Consideram-se geniais, engraçadíssimos? Enxergam-se numa espécie de Proibidão Televisivo, como os jovens da stand up comedy?
 
Infelizmente o que ocorre em certas ruas do Brasil está mais para CCC do que para CQC. Ou seja, mais para o Comando de Caça aos Comunistas do que para o Custe o que Custar, programa da Band. Mais precisamente, comandos de caça a gays. Em relação a 2005, o aumento do número de homicídios de gays, em 2010, tinha sido de 113% no Brasil.
 
Que o grupo japonês Kirin, novo responsável pelos lucros e eventuais desmandos da cervejaria, pense bem no que está patrocinando. E que pensemos bem no que estamos consumindo.

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Vocês estão rindo de quê, seus racistas? Da morte sistemática de negros e gays?
 

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quarta-feira, 23 de maio de 2012

Band apaga prova de que bancou humilhação pública na Bahia

A Band não somente veiculou a reportagem que humilha um suspeito na Bahia. Meses depois, e até hoje, o site da Band-Bahia ainda divulgava a notícia como um grande feito, com a seguinte chamada: "O ladrão que sonha fazer exame de próstata".

Isto um dia depois de a assessoria da imprensa da emissora divulgar uma nota condenando o episódio: "A Band vai tomar todas as medidas disciplinares necessárias. A postura da repórter fere o código de ética do jornalismo da emissora".
 
A notícia foi retirada do ar há alguns minutos (quarta-feira, 23 de maio de 2012), após a divulgação do link na internet.

O blog fez um print-screen:





No vídeo, um acusado de estupro é humilhado sistematicamente pela repórter. Por exemplo, por não saber pronunciar a palavra próstata. Leia mais aqui: "Três vídeos exibem a ética paralela do jornalismo da Band".

Jornalistas da Bahia também protestaram contra a reportagem. Mas deixaram claro que a responsabilidade é também do âncora, da emissora e dos anunciantes- entre eles, o governo baiano: "Jornalistas baianos repudiam atitude de repórter da Band-BA em carta aberta".

Este blog, por sua vez, repudia abordagens machistas do tema. Os direitos de Mirella Cunha devem ser respeitados. "Sobre Xuxa, a 'repórter loira', machismo, sexismo, Rede Globo e Band".

Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)
 
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