por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
O curta “Uma Visita para Elizabeth Teixeira” (2011) é um tributo duplo: ao cineasta Eduardo Coutinho e à camponesa Elizabeth Altina Teixeira. Elizabeth é a viúva de João Pedro Teixeira, o líder das Ligas Camponesas assassinado em abril de 1962. Estamos a dois meses do cinquentenário de um fato histórico: Teixeira é o “Cabra Marcado para Morrer” do clássico de Coutinho, o documentário mais importante já feito no Brasil. Tanto ele como Elizabeth são símbolos da luta pela terra na América Latina.A cineasta Susanna Lira começa seu filme, dedicado a Eduardo Coutinho, com cenas de “Cabra Marcado” (1984). São cenas de 1962, quando Coutinho soube da morte de Teixeira e decidiu fazer o documentário – interrompido pelo regime militar. Em seguida Susanna explica a motivação do filme: ela considera Elizabeth Teixeira a personagem mais contundente do gênero documentário no Brasil.
A vida de Elizabeth, de fato, é uma síntese da violência contra camponeses no Brasil – e da capacidade de resistência de um povo espoliado. Leia aqui uma entrevista com a camponesa, feita em 2006, em Brasília.
Elizabeth perdeu o marido e dois filhos assassinados; diante da morte do pai, uma filha enlouqueceu. Depois da tragédia ela morou, por vários anos, clandestina, no Rio Grande do Norte, com o nome de Maria Marta. Com o sucesso do filme de Coutinho, ele a ofertou uma casa no bairro Cruz das Armas, em João Pessoa – onde está até hoje, aos 86 anos.
Foi para lá que Susanna Lira viajou, do Rio. Após as cenas de “Cabra Marcado”, ela pergunta: será que aquela mulher manteve os ideais, o discurso? Resposta simples: manteve. Elizabeth Teixeira segue perguntando: “Cadê a reforma agrária?”
O próprio Eduardo Coutinho e João Pedro Stedile, um dos coordenadores nacionais do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), dão depoimentos sobre a camponesa. Existe um diálogo entre a importância de Elizabeth para a luta camponesa no Brasil e a importância do filme de Coutinho para essa mesma luta: estamos diante de um caso onde a arte (no caso, um documentário) participa decisivamente de uma construção política.
O ponto alto do filme de Susanna Lira é a visita de Elizabeth a uma capela, construída em homenagem a Teixeira. É a primeira visita dela ao local. Uma placa registra o nome do líder e o dia de seu assassinato. Mas ela não consegue enxergar, mesmo com óculos. A diretora pergunta se ela sabe quem construiu a capela. Ela diz que não sabe. Mas que devem ter sido os sem-terra. “O Latifúndio é que não foi”.
Coloco o Latifúndio assim, com maiúscula, porque era comum que se falasse dessa forma personalizada, na Paraíba. O Latifúndio era uma espécie de personagem, ou mais que isso: uma entidade.
Nesta semana, o Latifúndio foi homenageado por Dilma Roussef. A presidente nomeou, como ministro das cidades, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB). Ele é neto de Aguinaldo Veloso Borges, um dos três mandantes do assassinato de João Pedro Teixeira.
Não sei se Elizabeth já tem essa informação. Sob uma perspectiva histórica, porém, é possível perceber que esse será apenas mais um escárnio específico da política brasileira. Quem se lembrará que Aguinaldo Ribeiro foi ministro das Cidades?
Um dos méritos do filme de Susanna Lira é nos relembrar que a história do Brasil registrará os nomes de João Pedro e Elizabeth Teixeira.
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