Yago, 17, e Alisson, 15: execuções em SP são
por “acidente” ou por rotina?
Yago estava na frente de uma escola, na manhã deste sábado,
na Cohab 2 (José Bonifácio, Itaquera), zona leste de São Paulo. Tomou uma
abordagem “de rotina” da polícia militar. Por “acidente”,
levou dois tiros e morreu. Em junho de 2011, Alisson estava na frente de um
bar, em São Miguel Paulista. Também na zona leste. Moradores
ligaram para a polícia por causa do barulho dos bares. A PM chegou e, “por acidente”, deu um tiro - fatal - em sua cabeça.
O governador Geraldo Alckmin, de 59 anos,
gastou 50 palavras para lamentar a morte de Yago. Vejamos a nota:
- O governador Geraldo Alckmin lamentou o
triste episódio que culminou na morte de um cidadão nestas
circunstâncias. Independentemente da investigação conduzida pela
Policia Militar, a responsabilidade do Estado é inegável. Portanto,
o governador determinou a imediata instauração de procedimento com
vistas ao pagamento de indenização do Estado a família da vitima.
O que a teria a dizer a polícia militar sobre
Yago?
Em nota, a PM, “com imenso pesar” disse que o
soldado Bueno “efetuou
disparo acidental, atingindo sua mão direita e o ombro direito”.
Mas o major Vagner Seraphim Queiroz disse (conforme o portal G1) que,
provavelmente, “o rapaz deve ter feito algum gesto brusco".
E sobre
Alisson, enterrado no Cemitério da Saudade? O que a PM disse
sobre sua execução, no ano passado? Vejamos:
- Por
motivos a serem esclarecidos, um dos policiais integrante da
guarnição de uma viatura de Força Tática do 29º Batalhão de
Polícia Militar Metropolitano, ao abordar indivíduos suspeitos, na
avenida Dr. Ussiel Cirilo, Vila Jacuí, efetuou um disparo de arma
acidental, que atingiu o adolescente.
ACIDENTES
SISTEMÁTICOS
De novo temos
o “disparo acidental”, portanto. Em duas abordagens “de
rotina”, para utilizar uma expressão da PM em relação à morte
de Yago.Os dois PMs com dedo mole foram presos por homicídio culposo
– e não doloso.
Chama a
atenção a repetição sistemática de casos assim. Em Brasília, em
2008, um policial saiu correndo atrás de um torcedor do São Paulo, Nilton César de Jesus, de 26 anos.
Quando este estava com as mãos para cima, levou uma coronhada – e um tiro. Morreu.
Mas lemos
sempre que se tratam de casos “isolados”, “excepcionais”. Não
são. São de rotina. Em São Paulo e no Rio as “resistências
seguidas de morte” são um eufemismo para as execuções policiais.
Em São Paulo, aumentaram 63,16%, em 2011, em relação a 2009: foram 186 mortes pela Rota, contra 114 no período anterior. Sempre em bairros pobres, como os de Yago e Alisson. Elas ocorrem às
centenas, milhares ao longo dos anos. Tornaram-se endêmicas.
Yago, 17 e
Alisson, 15, não tinham feito absolutamente nada. Ao contrário de
Nilton, envolvido em uma briga de torcidas. (Evidentemente, não era
exatamente a solução de Estado para a briga executar um torcedor
acuado.) Mesmo assim, canalhas costumam escrever nas redes sociais
que a vítima “deve ter feito algo”. Yago não fez. Ele e Alisson
não fizeram.
A reação da mídia é tímida - ou pusilânime. Os portais divulgaram o caso de uma
forma, digamos, rotineira. Uma notícia se sobrepõe à outra, tudo é
passageiro. O discurso embutido – ainda que inconsciente - é de
aval às mortes acidentais. “Ah, a PM matou mais um por acidente –
façamos um registro”. E que partamos para a notícia seguinte –
de política, de economia, de automobilismo, de luta livre.
Deveria
partir da imprensa a indignação mais enfática. Para que não haja
embotamento, para que não pensemos que essas “distrações”
policiais sejam legítimas, que façam parte do jogo. Eles estão
apontando armas a torto e a direito, para pessoas desarmadas. Para
adolescentes. E executando. Às centenas.
Lemos nos
portais, por sinal, no caso de Yago, que a polícia matou um
“homem”. Ora, ele deve ser descrito como adolescente, não apenas
como homem. Porque a palavra “adolescente” indica que ele tinha
mais direitos que os demais homens. E, portanto, multiplica o absurdo
da violência de Estado no Brasil. Essa que reduz cidadãos à
condição de “indivíduos suspeitos”.
(Na quinta-feira, duas crianças, de 10 e 12 anos, foram algemadas na
Praça da República. O conselheiro tutelar Jackson Douglas de Castro reivindicou,
educadamente, os direitos previstos no ECA e foi igualmente preso
pelos policiais.)
CANIBAIS NA
SALA DE JANTAR
É mais
fácil, porém, ficarmos horrorizados com os pernambucanos que comiam
carne humana. Um caso deplorável, relacionado aos evidentes
problemas mentais dos protagonistas. Observemos que o trio canibal de
Garanhuns matou três pessoas. Três mulheres. Somente na notícia
acima relatamos a morte de três pessoas pela PM. Qual caso tem mais
chance de se repetir? O dos canibais ou o dos PMs?
É o dos PMs.
Como mostram os números das “resistências seguidas de morte”.
No entanto, agimos – leitores e mídia – com uma espécie de
paranoia desviada, equivocada, fora de foco. Como se estivéssemos,
em nosso cotidiano, à mercê de canibais. Não estamos. Estamos,
sim, à mercê de uma das polícias mais despreparadas do planeta.
Mas o próximo
disparo na zona leste corre o risco de ganhar ainda menos palavras de
lamento do governador de plantão. E menos linhas nos jornais.
No caso do
torcedor morto em Brasília, em 2008, o governador José Roberto
Arruda (posteriormente cassado por corrupção) foi também bastante
sucinto, diante das câmeras, ao comentar o episódio. Visivelmente
enfadado por ter de falar – mecanicamente - sobre o assunto, logo
passou a falar – enfaticamente – que o caso não poderia tirar de
Brasília a sua condição de “grande centro de eventos”.
É uma
espécie de zapping do embotamento. Quando não da cumplicidade.
Quando não do protagonismo. São policiais-Macunaíma, governadores-Macunaíma, jornalistas-Macunaíma, leitores-Macunaíma. Qual o próximo assunto, por favor?
“Ih, matei mais um adolescente, foi
mal. Vamos à padaria comer uma coxinha?” Ou: “Que notícia temos
hoje? Mataram um adolescente de 17 anos? Onde, em Higienópolis? Ah,
não, na zona leste. Escreve aí 20 linhas e vai ver o que temos hoje
sobre os canibais”.
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