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terça-feira, 3 de junho de 2014

Relato dos Tenharim presos: “Somos inocentes. Estamos sem chuva, sem céu, sem nossos rituais. Isso é Justiça?”

por ALCEU LUÍS CASTILHO
(@alceucastilho)

Cinco indígenas da etnia Tenharim estão presos desde o dia 30 de janeiro, em Porto Velho, acusados – num processo kafkiano – de assassinar três pessoas em dezembro de 2013. O blog reproduz aqui depoimentos dos acusados obtidos pela antropóloga Rebeca Campos Ferreira, do Ministério Público Federal. Eles declaram inocência. E relatam não conseguir se adaptar às condições do presídio: sem a comida tradicional deles, sem rede, sem cocar, sem rituais. “Não tem quase sol, nem chuva, nem o céu”. Um sexto indígena foi denunciado à Justiça em abril, o cacique Aurelio Tenharim. “A justiça ouviu o povo branco e os poderosos, por isso que prendeu a gente e deixa a gente aqui?”

Para entender mais o caso – que envolve um apartheid contra os indígenas e a destruição da sede da Funai, em dezembro, em Humaitá - leia este relato que fiz na Agência Pública, após cinco dias em Humaitá (AM) e região: “A batalha de Humaitá”. E este artigo no blog: “O sonho do pajé, a conta de luz ou a galinha?

Segue o relato feito pela antropóloga, que inclui queixas sobre falta de apoio jurídico da Funai e das organizações de apoio aos povos indígenas:

Em 22 de maio de 2014 eu, Rebeca Campos Ferreira, Perita em Antropologia do Ministério Publico Federal, estive na Penitenciaria de Médio Porte Pandinha, em Porto Velho – RO, com os indígenas Gilson Tenharim, professor da aldeia Campinho-hũ, de 19 anos; Gilvan Tenharim, irmão do anterior e, como ele, também professor da aldeia Campinho-hũ, de 24 anos; Valdinar Tenharim, agente indígena de saneamento da aldeia Campinho-hũ, de 30 anos; Domiceno Tenharim, professor e cacique da aldeia Taboca, de 33 anos; e Simeão Tenharim, agente indígena de saúde da aldeia Marmelos, de 36 anos. Na ocasião ouvi a narrativa que segue transcrita, “um apelo” como chamaram os indígenas, para ser repassada aos parentes, às autoridades e à sociedade brasileira. A narrativa a seguir foi realizada por todos eles, simultaneamente.

(Os intertítulos e explicações não fazem parte do relato original de Rebeca.)


“Queremos registrar o que a gente passa aqui.

Tem alimentação sim, mas não é da nossa cultura e a gente não está acostumado com isso, e está fazendo mal pra gente, dá dor na barriga, dá diarreia. A gente não tem gosto de comer, estamos acostumados com outras coisas de comer, o que a gente comia sempre, de caça, de pesca, é diferente. Estamos há três dias sem comer. Se comer vamos passar mal. É melhor não comer. A gente queria pelo menos ter nossa alimentação da cultura. A gente não consegue dormir assim.

Não podemos ter rede. Nosso corpo não é acostumado com isso aqui. E não tem quase sol, nem chuva, nem o céu. Isso atinge toda nossa cultura. A cultura que a gente está acostumado e nossos parentes que estão lá. Nossos filhos, nossas mulheres, nossos pais, e os mais velhos. E nós perdemos nosso pai, que era cacique. [Ivan Tenharim, morto em dezembro após cair da moto.] E nem pudemos fazer os rituais dele. Nem as outras cerimônias que tem que fazer nessa época. O povo da aldeia está sem cacique agora. Isso preocupa demais a gente.

Isso é fora da nossa cultura. E a nossa cultura aqui a gente não tem liberdade de fazer. A gente não pode ter cocar nem fazer nossos rituais. Nem dançar, pintar, nossa cultura, nossas coisas. Isso vem pro nosso corpo também. Nosso corpo e nosso espírito sofre, e do nosso povo lá, a gente se preocupa muito.

E depois de tudo que já fizeram com nossos parentes desde 500 anos quando os brancos chegaram. E tudo que eles passaram. E com a estrada também. [A Rodovia Transamazônica.] Mas naquele tempo não tinha lei. E hoje tem lei pra nós índios. Somos tratados de forma esquisita. É tudo contra índio. Mas a gente não é empecilho para o Governo, a gente é aliado para um mundo melhor pra todo mundo. A gente não é contra branco. Somos aliados, queremos um mundo melhor para todo mundo.

“Nós não somos seres humanos aqui”

A gente está sentindo muito aqui. Estamos longe da terra, dos parentes, a gente perdeu nosso cacique, sofremos tudo aquilo, do povo branco, da polícia, estamos aqui presos, sem saber das coisas, com medo. Nós não somos seres humanos aqui. Mas nós somos brasileiros também. A gente enfraquece, a gente está magoado. Toda nossa família enfraquece. Nossa terra enfraquece.

Nossa esperança é Deus agora, são vocês do Ministério Público Federal, dos nossos parentes lá fora, de quem puder ajudar a gente.

A gente não fez isso que falaram na televisão. A gente não é aquilo que eles falaram. Por que fazem isso com nós indígenas? A gente está em risco, aqui, e nossas famílias lá na nossa terra. A gente não tem proteção. O governo não cumpre nossos direitos, nem lá fora nem aqui dentro da cadeia. Estamos em risco. A gente desgostou da vida.

E na aldeia, não podemos fazer os rituais da morte do nosso cacique, a gente não pode fazer os rituais do novo cacique, nosso povo está sem rumo, sem direção. Nem nossa festa vai ter esse ano, ela acontece desde sempre do nosso povo. São os espíritos nossos, somos nós todos que sofremos. Nem a cerimônia do nosso falecido pai e cacique aconteceu, isso é ruim para o espírito. Pode vir coisa ruim, coisa pior do que isso. A gente não tem liberdade. A gente está sem vida. E a gente é inocente. Não somos o que eles disseram. Queremos registrar essa mensagem para a sociedade.

“Perdemos o pai, o cacique e a vida”


Estamos sem ritual, sem nossa cultura, sem cocar, sem nossa família e a terra onde a gente nasceu, sem liberdade. A gente vive de cabeça baixa aqui. Estamos sendo injustiçados. É assim que é a justiça dos brancos?

Perdemos o pai, o cacique e a vida. Estamos presos. Estamos sendo injustiçados, a gente não fez isso. Perdemos tudo aqui. É justiça isso? Tudo que falaram da gente é mentira, a televisão, os brancos, mentiram e fizeram isso com a gente. Tudo que a gente sofreu, nós e nosso povo, desde que tudo isso começou, e quando a gente veio preso. Não deixaram a gente voltar para casa, a gente nao sabia o que estava acontecendo. Mas sabemos que eles fizeram coisa errada com a gente, enganaram, levaram para fora da terra e prenderam, enganaram a gente e os irmãos. [Eles se referem a um artifício utilizado no momento da prisão, quando foram atraídos para fora das aldeias.]

Não sabemos direito nada ainda, eles não passam informação, não falam nada. Nem FUNAI, nem os que defendem a gente. Quem defende a gente? Como que é que funciona isso? A gente não entende isso, porque não fizemos, e não entendemos o que vai acontecer com a gente daqui pra frente. O que vai acontecer com a gente? A gente sofreu muito naquela época e está sofrendo muito agora. O povo nosso também. Hoje a aldeia está abandonada.

Nosso apelo é que as pessoas tenham mais amor com o povo indígena. Que trate a gente de forma civilizada. A gente pede para a FUNAI vir aqui, falar com a gente, defender a gente, a gente quer saber quem abraçou nosso caso, quem está pela gente.

“A Funai não está fazendo nada”

A FUNAI não está fazendo nada, só o Domingues da FUNAI de Humaitá que vem ver a gente, e os que sabem dessas leis lá de Brasília da FUNAI não. A gente quer eles aqui pra falar com a gente. A gente não sabe o que está acontecendo, estamos sentindo que ninguém está pela gente das autoridades, só vocês [MPF] e nossos irmãos, nosso povo. A gente precisa ter alguém que defenda a gente. E queremos a FUNAI para informar e proteger.

A gente pede ao Dr. Julio [Araujo/ MPF-AM] e ao Dr. Ricardo [Tavares], pro CIMI que pode ajudar a gente também com advogado. Alguém tem que defender a gente e dizer pra gente o que está acontecendo. A gente agradece muito o Ministério Público Federal, de Manaus e daqui de Porto Velho, Dra. Rebeca [Campos Ferreira/ MPF-RO], o Dr. Filipe [Albernaz/ MPF-RO], por vocês terem vindo aqui ontem e hoje, por vocês lutarem pela gente, por estar aqui ouvindo a gente. É como se fosse nossos irmãos aqui, pra gente isso é muito bom.

Foi bom ter visto nossos parentes ontem com vocês, agradecemos por ter trazidos eles, por eles poderem entrar com vocês. A gente esta sentindo muita falta da nossa família e da nossa terra. Quando eles vêm é bom, quando vocês vêm é bom. É bom saber que alguém se preocupa com a gente.

“Estamos com muito medo”

Não queremos ir pra Manaus. Não. Lá a gente vai ficar pior. Lá nossa família não tem como ir ver a gente. Estamos preocupados, com medo. Com muito medo.

E queremos um advogado. Queremos que alguém lute pela gente lá fora. Pelos nossos direitos. É um vazio pra gente aqui. Não sabemos o que fazer e o que acontece. A gente manda um recado para os parentes também ajudarem a gente. Eles já ajudam muito nesse tempo todo. Pra eles virem ver a gente quando é dia de vir. Isso é bom. A gente pede para os parentes ficarem perto da gente, e que eles estejam perto também dos advogados, da FUNAI, do Ministério Público, e de quem vai ajudar a gente.

Pedimos pra ser informados do que acontece. Pedimos pra não ir pra Manaus. E pra ajudarem a gente e protegerem e lutarem pela gente. E para o advogado que acompanhou tudo, o Dr. Ricardo [Tavares], pedimos pra ele vir aqui falar com a gente. Ele viu como foi que fizeram com a gente. Não foi certo o que a polícia fez. Prenderam a gente irregular, levaram para fora da terra indígena, não explicaram nada, não trataram a gente como ser humano. Mentiram, enganaram, diziam coisas pra gente. Pressionaram.

E para o Dr. Julio [Araujo/ MPF-AM] nos ajudar e ajudar nosso povo. E para o Ministério Público daqui de Rondônia, Dr. Filipe, Dra. Rebeca, e de Manaus, continuem com a gente, e o que a gente pede. E o CIMI se puder ajudar.

Não deixem a gente desprotegidos.

“Queremos defesa, quem lute pela gente”

A gente não quer ir pra Manaus. Nossa vontade mesmo, a gente acredita em Deus, é voltar pra nossa terra e fazer as cerimônias que tem que fazer pelo nosso povo.

Pedimos para as lideranças nossas para auxiliar também, em tudo, para as lideranças nossas estarem com a FUNAI, com advogado, com juiz, com o Ministério Publico. A gente pede pra saber como está nossa situação, quem está pela gente, e que a FUNAI esteja pela gente também, e que o Ministério Público não deixe a gente.

O procurador da FUNAI veio uma vez, mas parece que a FUNAI não está dando atenção nem prioridade. Queremos defesa, queremos quem lute pela gente. Estamos sem nada, sem família, sem terra, sem cultura, sem liberdade e sem saber como é nossa situação.

Ainda bem que nossos parentes e vocês [MPF] estão com a gente. A gente agradece os parentes nossos, nossas lideranças, o Domingues da FUNAI, Dr. Rebeca (MPF-RO), Dr. Filipe (MPF-RO), Dr. Julio (MPF-AM), Dr. Ricardo. Por favor, leva essas nossas palavras pra eles.

“Não somos aquilo que passou na televisão”

A gente está sentindo muito aqui, nosso corpo, nossa cultura, e nosso povo, a gente está preocupado com o que vai ser dos rituais que não vão ser feitos. Mas a gente acredita em Deus, que vai ser feito justiça pra gente. Apelo nosso é pra parar com preconceito e discriminação, para ter mais amor com os indígenas, e não acontecer mais o que aconteceu com a gente com ninguém. Não fizemos aquilo e não somos aquilo que passou na televisão.

Queremos ter nossos direitos, queremos saber como está nosso caso, queremos ser defendidos e protegidos. Não queremos ir pra Manaus. Queremos voltar pra nossa terra com nossa família, fazer os rituais pro nosso povo que não pode mais ficar sem. Somos inocentes.

Estamos sofrendo muito aqui com isso, e nosso povo lá fora. Acreditamos em Deus e nos nossos parentes, nossas lideranças, nas autoridades que vão ajudar a acabar com essa injustiça que nosso povo sofreu.

Viemos pra cá de madrugada, ninguém disse pra onde a gente ia. A gente tem medo.

Queremos sair daqui. Não queremos ir pra Manaus. Queremos provar que não somos aquilo e não fizemos aquilo. Queremos saber o que acontece, a gente não entende.

“É o massacre dos espíritos nossos”


Tiraram a gente da terra, prenderam a gente, não deixaram a gente se despedir. A gente não sabia o que acontecia. Não podemos ficar aqui, nem sem saber de nada, e nosso povo não pode ficar sem ritual, sem cerimônia. É o massacre dos espíritos nossos. E tem que fazer cerimônia funeral do cacique. Sem as festas desestrutura tudo, o povo inteiro, se a gente não fizer, vai ser agora em julho, ficamos todos desprotegidos, o povo todo fica desprotegido espiritualmente, e vêm coisas ruins, não pode interromper porque isso é desde o começo do nosso povo, e nunca ficou sem fazer. Fica tudo desnorteado, nossa cultura e nosso povo. Sem direção, a gente aqui e nosso povo inteiro lá. A comunidade inteira perde.

E a angústia nossa aumentou com essa história da gente ir pra Manaus. E fica ainda mais longe, a gente sabe que lá não tem como ver os parentes. Não podemos ficar sem ver nossos parentes. A gente não come mais, é muita preocupação, não tem como acostumar nosso corpo e nosso espírito. A gente aqui não pode cantar, nao pode pintar, não pode dançar, não é vida pra gente isso aqui. Não conseguimos dormir aqui. Não pode ter rede, não acostumamos deitar aqui.

A gente nunca passou por isso, nem de ficar sem ritual, nem nosso povo. Nem de ficar fora da aldeia. Nem de ficar preso. É preconceito com indígena. A justiça ouviu o povo branco e os poderosos, por isso que prendeu a gente e deixa a gente aqui? A justiça tem que seguir a lei. E a gente é ser humano.

Nosso apelo é esse. Para a sociedade ver que não somos aquilo que passou, somos inocentes, estamos sofrendo muito aqui. A gente só quer voltar para nossa terra e nossa família. Queremos que as autoridades escutem a gente, entendam isso. E a gente agradece todos nossos parentes que nunca saíram do nosso lado e todo mundo que está lutando pela gente. Mas não deixem a gente desprotegidos, nem ir pra Manaus, nem aqui como a gente está”.

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quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Em cartas, indígenas denunciam água barrenta no Xingu e discutem nova Funai

por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)

Esta semana indígenas brasileiros escreveram duas cartas. Ambos com objetivos políticos muito bem definidos – mas não coincidentes. Está em disputa no Brasil a adesão ou não dos povos indígenas aos projetos de desenvolvimento – como as construções de hidrelétricas previstas no PAC (Plano de Aceleração do Crescimento).

Uma das cartas é do cacique José Carlos Arara ao Ministério Público Federal, assinada em Altamira na terça-feira, 17 de janeiro. Ela se insere em um contexto antidesenvolvimentista. Leia aqui a íntegra.

Ele requer providências “urgentes e imediatas para garantir a qualidade da água consumida pela aldeia”, diante das intervenções da Norte Energia no Rio Xingu, para a usina de Belo Monte. Eles utilizam a água do Xingu para beber e cozinhar.

A aldeia é a Terrã-Wangã, da etnia Arara. José Carlos Arara pede o envio de uma equipe para medir a qualidade da água e da construção de poços artesianos em sua aldeia e em mais duas: a Paquiçamba e a Muratu. “Nos preocupamos com nossos parentes Juruna, que também não possuem poços e utilizam a água do Xingu”, diz o cacique.

José Carlos Arara avisa:

- Caso não sejam tomadas providências pelos órgãos competentes, nós, as comunidades indígenas da Volta Grande do Xingu, iremos tomar as providências necessárias para garantir nossos direitos.

O Movimento Xingu Vivo divulgou nesta quarta-feira que movimentos sociais de Altamira, com o apoio de ativistas do OcupaSampa, barraram por uma hora a obra de barramento do Rio Xingu. Eles estenderam uma faixa de 40 metros que dizia: "Belo Monte: aqui tem crime do governo federal".


FUNAI NA MIRA

A outra carta é assinada por cinco indígenas, definidos pelo ex-presidente Mercio Gomes como “intelectuais indígenas”. Trata-se de uma “Proposta de Trabalho para a Próxima Direção da Funai”. Leia aqui, na íntegra. Foi publicada também na terça-feira no blog de Gomes e defende a inserção dos índios nos projetos brasileiros de desenvolvimento.

As cinco lideranças definem as mudanças de dezembro de 2009 na Funai como “surpreendentemente negativas”. Apontam o decreto 7.056, que reestruturou o órgão, como “imposto de cima para baixo, sem nenhuma consulta aos índios”.

Escrawen Sompré, Wilson Mattos da Silva, Azelene Kaingáng, Ubiratan de Souza Maia e Jeremias Xavante afirmam que o decreto “paralisou a Funai, o atendimento aos povos indígenas e fragilizou a segurança das terras indígenas”:

- Não é surpresa que tantas delas estejam invadidas por fazendeiros e posseiros de toda sorte, além de madeireiros e outros aproveitadores.

Os cinco signatários opõem-se a organizações indigenistas e ambientalistas contrárias às obras do PAC. Eles defendem o que chamam de “progresso brasileiro” – e afirmam que os povos indígenas “querem apenas ser parte no processo de desenvolvimento e não ficarem à margem como sempre estiveram”.

Um ponto-chave da posição dessas lideranças está na utilização das palavras “compensações e indenizações”, diante dos empreendimentos em territórios indígenas, como alternativa única para a miséria e pobreza que “deverão se aprofundar cada vez mais nas próximas décadas”.

Eles pedem finalização das demarcações em cursos, uma nova política de regularização territorial, reforço do orçamento para comunidades indígenas, reativação de unidades da Funai  (Recife, Curitiba, Altamira), mais acesso dos estudantes indígenas em universidades e convocação da 2ª Conferência Nacional de Política Indigenista.

LEIA MAIS:
Carta de José Carlos Arara ao Ministério Público Federal
Carta de lideranças indígenas à “nova direção da Funai”
Discurso de cacique americano tornou-se referência literária

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Carta de lideranças indígenas à "nova direção da Funai"

por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)

Uma carta escrita por cinco lideranças indígenas foi publicada, no dia 17 de janeiro, no blog de Mércio Gomes, ex-presidente da Funai. Ela é intitulada "Proposta de Trabalho para a Próxima Direção da Funai".

É que muitos líderes - como Marcos Terena - dão como certa a queda do presidente da fundação, Márcio Meira. A Funai (Fundação Nacional do Índio) não respondeu ao blog pergunta sobre esses rumores.

Independentemente das disputas políticas (Márcio x Mércio), o documento é importante por mostrar que há divisão no movimento indígena em relação às obras do PAC. Uns querem compensações (entre eles a Fundação Villas Bôas); outros, como esta carta mostra, rejeitam essa visão de crescimento e desenvolvimento.

Segue o documento das lideranças, definidas por Mércio Gomes como "intelectuais indígenas":

"PROPOSTA DE TRABALHO PARA A PRÓXIMA DIREÇÃO DA FUNAI:

A presente proposta foi elaborada pelos técnicos indígenas listados a seguir e apoiada por muitas lideranças indígenas de raiz e Organizações indígenas tradicionais:

-Escrawen Sompré – Povo Indígena Xerente/TO, Engenheiro Florestal, especialista em Gestão Ambiental e Ordenamento territorial;

-Wilson Mattos da Silva – Povo Indígena Kaiwoá/Terena/MS, Advogado Criminalista, especialista em Direito Constitucional;

- Azelene Kaingáng – Povo Indígena Kaingáng/SC, Socióloga, Mestranda em Políticas Sociais;

-Ubiratan de Souza Maia – Povo Indígena Wapichana/RR, Advogado;

-Jeremias Xavante – Parlamentar Indígena Xavante/MT;

A Fundação Nacional do Índio, após sua reestruturação através da edição do Decreto 7.056 de 29 de dezembro de 2009, passou por profundas mudanças institucionais e conceituais que desencadearam a necessidade de redefinir a relação do Estado Brasileiro com os Povos Indígenas. Foram mudanças surpreendentemente negativas e que vigoram até hoje.

Em primeiro lugar, o Decreto foi imposto de cima para baixo, sem nenhuma consulta aos índios, algo que chocou a todos. O Decreto extinguiu todos os postos indígenas e diversas unidades administrativas estratégicas para os povos indígenas, tais como, Altamira, onde se constrói a UHE Belo Monte, Oiapoque, na fronteira com a Guiana, Porto Velho, onde se constroem as Usinas Santo Antonio e Jirau, Recife, Curitiba, São Luís, Goiânia e dez outras mais. O Decreto, enfim, paralisou a FUNAI, o atendimento aos povos indígenas e fragilizou a segurança das terras indígenas. Não é surpresa que tantas delas estejam invadidas por fazendeiros e posseiros de toda sorte, além de madeireiros e outros aproveitadores.

Tal quadro revela a urgente obrigação dos Povos Indígenas do Brasil e do Estado brasileiro em procurar conciliar seus interesses, a fim de que se possa definitivamente efetivar o desenvolvimento sem conflitos, onde índios, Estado e empreendedores possam estabelecer um diálogo negociador, em observação ao disposto no artigo 6º da Convenção 169/OIT, que não é nada mais do que ambos entrarem em acordo.

Que fique bem claro: os índios não estão contra o progresso brasileiro. O que tem ocorrido atualmente é que algumas organizações indigenistas e ambientalistas têm se aproveitado do fato de que o Estado não estabeleceu este diálogo com os Povos Indígenas para afirmarem, em nome dos índios, que estes são contrários ao estabelecimento de obras importantes do PAC em territórios indígenas, quando na verdade os Povos Indígenas querem apenas ser parte no processo de desenvolvimento e não ficarem a margem como sempre estiveram.

Neste sentido, as compensações e indenizações oriundas dos empreendimentos em territórios indígenas podem e devem ser aplicadas em programas e projetos que ajudem os Povos Indígenas a saírem da subsistência e sobrevivência e passarem para a conquista definitiva de sua autonomia com qualidade de vida. Não existe outra alternativa: ou se investe no desenvolvimento econômico dos territórios, com o aproveitamento de seus recursos naturais, criando cooperativas agrícolas e minerárias indígenas e de outras categorias, de acordo com as especificidades e grau de contato de cada Povo Indígena, e com o consentimento prévio dos mesmos, ou a miséria e a pobreza extrema que afetam a maioria dos Povos Indígenas deverão se aprofundar cada vez mais nas próximas décadas.

Assim sendo, técnicos Indígenas e líderes de raiz dos Povos Indígenas Kayapó, Xavante, Gavião, Kaingáng, Wapichana, Pareci e Xucuru, preocupados com a atual situação da FUNAI, que já não dá conta de fazer a interlocução dos Povos Indígenas com o governo, propõe nesse momento políticas sociais, medidas e parcerias inclusive com estados e municípios, no sentido de construir a seguinte agenda de trabalho:

1-    Que as demarcações em curso se finalizem, e pelos próximos cinco anos se avalie e se proponha, com a participação plena dos Povos Indígenas, uma nova política de regularização e garantias territoriais;
2-    Que o orçamento do Governo federal para as comunidades indígenas seja reforçado a fim de garantir a estruturação dos territórios e a organização das comunidades em cooperativas indígenas para impulsarem o desenvolvimento econômico dos Povos Indígenas;
3-    Que sejam reativadas as Unidades da FUNAI em Recife, Curitiba, Altamira e outras que são estratégicas para que o governo esteja mais próximo às comunidades indígenas com unidades gestoras;
4-    Reformular e propor programas de acesso e permanência de estudantes indígenas em Universidades;
5-    Que se regulamente o artigo 6º da Convenção 169 da OIT;
6-    Que se convoque a 2ª Conferência Nacional de Política Indigenista.

Esperamos o apoio de autoridades, amigos e simpatizantes da causa indígena que nos ajudem sensibilizar o governo da Presidenta Dilma Rousseff. Precisamos levar nossa causa aos Ministérios da Justiça e da Casa Civil a fim de que, como técnicos e líderes indígenas de raiz, possamos levar esta proposta ao governo federal".

LEIA MAIS:
Em cartas, indígenas denunciam águas barrentas no Xingu e discutem nova Funai
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