quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Pinheirinho, 22 de janeiro
“Moradores gritavam, horrorizados”, diz autor da foto que correu o mundo

por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)

A foto com duas mães correndo, bebês no colo, tornou-se um símbolo do que aconteceu no domingo, em São José dos Campos (SP). A imagem mostra fogo ao fundo, durante a reintegração de posse do terreno do especulador Naji Nahas. O autor da foto, Roosevelt Cássio, conta ao blog Outro Brasil como fez a imagem, divulgada pela agência Reuters.

Ele diz que já conhecia bem o Pinheirinho. Conta que chegou a morar lá, por quatro meses, para documentar o bairro. E que não foram moradores de lá que praticaram atos de vandalismo, como mostrou, em sua avaliação, uma imprensa “inflamada”.



Confira a entrevista:


Outro Brasil - Qual o contexto e local exato da foto? Você estava com outros fotógrafos e cinegrafistas, com policiais ao lado?
Roosevelt Cássio - Sim. Por volta de 6 horas do domingo a Tropa de Choque arrebentou o portão principal e entrou no acampamento. Eu e um cinegrafista da Vanguarda, filiada da Globo, entramos ao lado dos policiais. Sofremos uma certa retaliação, mas não chegamos a ser expulsos. Imediatamente começamos a fotografar os fatos: a tropa entrando e os moradores saindo gritando e correndo horrorizados com a presença ostensiva dos policiais. Algumas mulheres saíam correndo com seus filhos no colo, enquanto os policiais avançavam, batendo seus escudos e cassetetes, fazendo muito barulho.

Como foi o momento exato da foto, do clique? Deu tempo de calcular a composição, o registro da expressão das mães ou você trabalhou mais na base da intuição?
Acho que tem um pouco de tudo… Mas consegui manter a cabeça fria e controlar a adrenalina pra poder contar o que estava ocorrendo através das imagens.Trabalhei com a câmera sem ligar o motor drive, pois estava com pouca bateria. Fiz, em cinco minutos,cerca de 20 clicks. Acabei aproveitando quase todos. Mas essa foto, particularmente, tinha uma certa emoção e mostrava o que realmente estava acontecendo naquele momento. O fato de eu trabalhar com fotojornalismo há algum tempo me ajudou muito a ficar calmo nessa hora.

Você percebeu imediatamente que tinha feito uma imagem histórica?
Não, na hora não percebi, mas sabia que tinha feito uma foto muito boa. Só depois de algumas horas do envio da foto que o editor da agência (Reuters) me ligou, dizendo que ela estava correndo pelo mundo. E que era uma imagem forte!

Sente-se incomodado por ver sua imagem repercutida sem os créditos?
Sem dúvida isso me incomoda e acho que posso falar por outros colegas. O crédito é obrigatório por lei, mas aqui no Brasil, como outras coisas, essa lei também não funciona.

Inscreverá a foto em prêmios de Fotografia e de Fotojornalismo?
Ainda não sei, talvez. Ainda estou muito envolvido com essa cobertura e com o Pinheirinho.

O PINHEIRINHO

Você conhecia bem o local antes de fazer a foto?
Conheço bem o local, fiz um projeto fotográfico em 2004. Fiquei o ano todo documentando a vida daquela comunidade, e passei efetivamente morando com eles por quatro meses.

Tem alguma posição política definida em relação à ocupação do terreno? Seja partidária, seja a favor ou contra os moradores?
Essa realmente é uma pergunta  relativa e muito difícil, e de acordo com meu envolvimento com aquela comunidade, prefiro não opinar, pois seria parcial da minha parte.

O que achou da reintegração de posse?
Foi muito difícil para ambos os lados, policiais e moradores. E até para os jornalistas: cheguei a ver alguns fortemente emocionados com os fatos. Mas sobretudo para os moradores, que realmente acreditavam que aquela área ia mesmo ser regularizada.

O que você viu, como fotógrafo, que considera não ter repercutido como deveria na imprensa?
Acho que, de um modo geral, houve uma certa "inflamação" da imprensa nessa cobertura que tomou proporção internacional, em relação ao fatos. Um exemplo claro foi que, ao meu ver, quem protestou, fez vandalismo e até atos de terrorismo não foram os moradores do Pinheirinho, e sim uma mistura de moradores vizinhos e outros elementos indignados com o acontecimento e a presença em massa da polícia.

O FOTÓGRAFO

Qual sua experiência profissional? Formação, quantos anos de trabalho, onde já trabalhou?

Sou formado em design, fiz dezenas de cursos de fotografia e até um curso de fotojornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo.Trabalho nessa área faz um 15 anos. Trabalhei por cinco anos na Folha de São Paulo e no jornal Vale Paraibano. Atualmente trabalho como free-lancer, fazendo trabalhos para diversos veículos e agência de notícias, entre elas Reuters e Associated Press.

Quais as fotos que mais repercutiram antes dessa?
Tive algumas fotos premiadas, mas a que mais repercutiu foi a classificada para o prêmio nacional Senai de Fotojornalismo. Uma foto feita para o caderno de indústria do Vale Paraibano, em uma matéria sobre reciclagem.

Como a foto repercutiu profissionalmente? Alguém já o procurou para outros trabalhos?
A repercussão foi bem positiva, mas devo continuar seguindo como freela mesmo. Estou também trabalhando com uma produtora de filmes, fazendo trabalho de direção de fotografia, e me toma muito tempo.

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