Ruralistas dominam ranking de congressistas “modernos” da Veja
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
A revista Veja desta semana traz uma lista que chama de “ranking do progresso”.
A lista na edição impressa é composta por 32 senadores e 54 deputados
“que mais trabalharam em 2013 por um país moderno e competitivo”. A
lista traz uma infinidade de ruralistas, em muitos casos nem um pouco
associados a qualquer noção condescendente de modernidade.
A
lista de ruralistas começa já no primeiro lugar entre os senadores:
Armando Monteiro (PTB-PE). Ele leva a nota 10. A revista dá nota 10 para
o político. Seu irmão, Eduardo de Queiroz Monteiro, tem empresa que já
esteve várias vezes na Lista Suja do Trabalho Escravo, a Destilaria Gameleira, renomeada para Destilaria Araguaia.
Número
2 da Veja? Senador Casildo Maldaner (PMDB-SC). Dono de 2.050 hectares
em São Félix do Xingu (PA), a capital da pecuária, terra de desmatamento
e de grilagem.
O quarto da lista é um dos políticos que mais
têm propriedades rurais: Eunício Oliveira (PMDB-CE). Em décimo lugar,
mais um ultraruralista: Romero Jucá (PMDB-RR), com interesses diretos no
setor da mineração.
O ruralista pouco assumido José Sarney
(PMDB-AP) aparece em 22º lugar nessa lista, com nota 6. Pouco abaixo, em
24º lugar, lá está ela: Kátia Abreu (PMDB-TO), a presidente da
Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), com nota 5,9.
O
último lugar na lista da revista impressa (a edição digital traz um
ranking mais completo) também é ocupado por um ruralista, Valdir Raupp
(PMDB-TO).
A lista de ruralistas entre os deputados associados
pela revista à palavra “progresso” também é inesgotável. Ela começa com
Onofre Agostini (PSD-SC), membro da Frente Parlamentar da Agropecuária,
um ex-arenista que também ganha nota 10 da Veja.
Em oitavo
lugar, com nota 8,4, aparece Leonardo Picciani (PMDB-RJ). Filho do
poderoso Jorge Picciani, que já figurou na Lista Suja do trabalho
escravo.
Ronaldo Caiado (DEM-GO) leva nota 7,8, em 20º lugar. A
lista com dezenas de ruralistas também tem outros políticos importantes
na defesa do agronegócio e dos latifúndios (indiscutivelmente
dissociados de qualquer ideia de “progresso”), como Moreira Mendes
(PSD-RO) e Arthur Lira (PP-AL).
A própria revista Veja, na
semana passada, publicou uma “reportagem” contra os indígenas no Mato
Grosso do Sul, a favor dos fazendeiros, com direito a foto de um deles
portando arma, com ameaças aos indígenas.
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jornalismo, geografia, literatura, cinema. Utopia, resistência. 'Indignem-se!' (Stéphane Hessel). 'Nem tudo é sórdido' (Ernesto Sabato - 1911-2011)
sábado, 21 de dezembro de 2013
domingo, 15 de dezembro de 2013
Deputado ruralista defende "cacete" em indígenas
A fala do deputado Giovanni Queiroz (PDT-BA) na quarta-feira não pode passar despercebida. Em audiência pública promovida pelos ruralistas, ele ensinou a "dar um cacete" em indígenas. Conforme relato de Luisa Molina no Diário Liberdade: "O Gatilho da ofensiva ruralista".
Segue trecho:
- Aplausos e expressões de satisfação rondaram o auditório quando o deputado Giovanni Queiroz (PDT-PA), ao falar de como "lidaram" com "o problema indígena" no seu estado com violência. "Ninguém mais contrata advogado. Entrou hoje [indígena na terra], sai na madrugada do dia seguinte. Sai debaixo de cacete". Ele prossegue, aconselhando outros a contratarem empresas de segurança: "4 horas da manhã você aborda o pessoal [que entrou na terra], chega o cravo no primeiro que reclamar, dá-lhe um cacete, bota em cima de um caminhão e manda devolver".
Em 2010, o deputado latifundiário declarou R$ 10 milhões. Vejamos os três itens mais significativos:
-> Área Rural 4.356 Ha - Municipio De Pau Darco R$ 6.000.000,00
-> Área Rural 1.840 Ha Em Rio Maria R$ 2.000.000,00
-> 1.900 Cabeças De Gado R$ 1.500.000,00
Valor total dos bens declarados: R$ 10.421.200,00
Em 1998 ele possuía R$ 2,3 milhões. As duas fazendas já estavam lá, com valores menores, mas também significativos em relação ao total: R$ 1,2 milhão e R$ 555 mil.
Segundo o site A República dos Ruralistas, ele teve uma campanha eleitoral tímida, de R$ 487.750,00 em doações diretas, feitas por empresas do ramo sucroalcooleiro, frigoríficos e uma mineradora. Entre elas a a Cosan S/A Açúcar e Álcool, a Agropastoril do Araguaia Ltda, o Frigorífico Rio Maria Ltda e a Mineração Buritirama S/A.
Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)
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A fala do deputado Giovanni Queiroz (PDT-BA) na quarta-feira não pode passar despercebida. Em audiência pública promovida pelos ruralistas, ele ensinou a "dar um cacete" em indígenas. Conforme relato de Luisa Molina no Diário Liberdade: "O Gatilho da ofensiva ruralista".
Segue trecho:
- Aplausos e expressões de satisfação rondaram o auditório quando o deputado Giovanni Queiroz (PDT-PA), ao falar de como "lidaram" com "o problema indígena" no seu estado com violência. "Ninguém mais contrata advogado. Entrou hoje [indígena na terra], sai na madrugada do dia seguinte. Sai debaixo de cacete". Ele prossegue, aconselhando outros a contratarem empresas de segurança: "4 horas da manhã você aborda o pessoal [que entrou na terra], chega o cravo no primeiro que reclamar, dá-lhe um cacete, bota em cima de um caminhão e manda devolver".
Em 2010, o deputado latifundiário declarou R$ 10 milhões. Vejamos os três itens mais significativos:
-> Área Rural 4.356 Ha - Municipio De Pau Darco R$ 6.000.000,00
-> Área Rural 1.840 Ha Em Rio Maria R$ 2.000.000,00
-> 1.900 Cabeças De Gado R$ 1.500.000,00
Valor total dos bens declarados: R$ 10.421.200,00
Em 1998 ele possuía R$ 2,3 milhões. As duas fazendas já estavam lá, com valores menores, mas também significativos em relação ao total: R$ 1,2 milhão e R$ 555 mil.
Segundo o site A República dos Ruralistas, ele teve uma campanha eleitoral tímida, de R$ 487.750,00 em doações diretas, feitas por empresas do ramo sucroalcooleiro, frigoríficos e uma mineradora. Entre elas a a Cosan S/A Açúcar e Álcool, a Agropastoril do Araguaia Ltda, o Frigorífico Rio Maria Ltda e a Mineração Buritirama S/A.
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sexta-feira, 6 de dezembro de 2013
Turbina explode, e trabalhador morre em usina. Quem liga?
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
Notícia robótica na Folha: "Acidente mata trabalhador em usina". Mas só na Folha Ribeirão, que circula na região de Ribeirão Preto. Nome da vítima? Ah, qual a necessidade, não é mesmo? (Edson Aparecido Pinheiro, informa a Rede Anhanguera: http://correio.rac.com.br/_conteudo/2013/12/ig_paulista/130791-explosao-mata-um-e-fere-outro-em-usina-de-cana-de-acucar.html).
Circunstâncias da morte? A empresa Biosev não informa. (O G1, porém, conta que uma turbina explodiu: http://m.g1.globo.com/sp/ribeirao-preto-franca/noticia/2013/12/explosao-em-usina-mata-trabalhador-e-deixa-outro-ferido-em-sertaozinho.html.)
A usina atende pelo nome de Santa Elisa. Pertence ao grupo francês Louis Dreyfus, presente em mais de 50 países. (Santa Elisa, padroeira dos ferreiros, foi uma mártir egípcia. Decapitada.)
Segue a notícia robótica e gélida da Folha:
"Um acidente na área industrial da usina de cana-de-açúcar Santa Elisa, em Sertãozinho (a 333 km de São Paulo), matou um homem que trabalhava no local.
Outra pessoa também ficou ferida na ocorrência.
O acidente ocorreu no final da tarde de anteontem.
Em nota, a Biosev, empresa responsável pela usina, afirmou que lamenta a morte do funcionário e que oferece apoio aos familiares dele.
Entretanto, a Biosev não informou as circunstâncias do acidente que levaram à morte do trabalhador.
As causas do acidente serão investigadas pela Polícia Civil de Sertãozinho".
E é só. Registrado o protocolo jornalístico.
Em dezembro de 2008, a organização Amigos da Terra publicou os resultados do prêmio Pinóquio de desenvolvimento sustentável. O grupo Louis Dreyfus venceu na categoria direitos humanos, com 36% dos votos, pelo tratamento indigno aos assalariados brasileiros: http://www.prix-pinocchio.org/laureat-2008.php?id_rubrique=7
Mas hoje tem sorteio da Copa.
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por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
Notícia robótica na Folha: "Acidente mata trabalhador em usina". Mas só na Folha Ribeirão, que circula na região de Ribeirão Preto. Nome da vítima? Ah, qual a necessidade, não é mesmo? (Edson Aparecido Pinheiro, informa a Rede Anhanguera: http://correio.rac.com.br/_conteudo/2013/12/ig_paulista/130791-explosao-mata-um-e-fere-outro-em-usina-de-cana-de-acucar.html).
Circunstâncias da morte? A empresa Biosev não informa. (O G1, porém, conta que uma turbina explodiu: http://m.g1.globo.com/sp/ribeirao-preto-franca/noticia/2013/12/explosao-em-usina-mata-trabalhador-e-deixa-outro-ferido-em-sertaozinho.html.)
A usina atende pelo nome de Santa Elisa. Pertence ao grupo francês Louis Dreyfus, presente em mais de 50 países. (Santa Elisa, padroeira dos ferreiros, foi uma mártir egípcia. Decapitada.)
Segue a notícia robótica e gélida da Folha:
"Um acidente na área industrial da usina de cana-de-açúcar Santa Elisa, em Sertãozinho (a 333 km de São Paulo), matou um homem que trabalhava no local.
Outra pessoa também ficou ferida na ocorrência.
O acidente ocorreu no final da tarde de anteontem.
Em nota, a Biosev, empresa responsável pela usina, afirmou que lamenta a morte do funcionário e que oferece apoio aos familiares dele.
Entretanto, a Biosev não informou as circunstâncias do acidente que levaram à morte do trabalhador.
As causas do acidente serão investigadas pela Polícia Civil de Sertãozinho".
E é só. Registrado o protocolo jornalístico.
Em dezembro de 2008, a organização Amigos da Terra publicou os resultados do prêmio Pinóquio de desenvolvimento sustentável. O grupo Louis Dreyfus venceu na categoria direitos humanos, com 36% dos votos, pelo tratamento indigno aos assalariados brasileiros: http://www.prix-pinocchio.org/laureat-2008.php?id_rubrique=7
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quinta-feira, 7 de novembro de 2013
Um texto sobre ciganos para ser lido: no espanhol El País
O espanhol El País publicou há cinco dias um belo texto sobre ciganos franceses, que ali tiveram um campo de concentração específico - não nazista. Com aquela qualidade que o jornalismo brasileiro não costuma ter. Está disponível, gratuitamente, na internet: http://internacional.elpais.com/internacional/2013/11/02/actualidad/1383422739_935400.html
O UOL oferece o artigo traduzido, mas somente para assinantes. Pior: transformou o texto original, de 26 parágrafos, em um de 18 parágrafos. O original de 2.081 palavras foi desidratado quase pela metade: virou um guisado de 1.255 palavras. Ora, se é online, por que essa transfiguração? Estão economizando o quê?
Mas deixemos o UOL de lado. Esse texto do El País tem o mérito de tocar o dedo na ferida em relação às infâmias praticadas contra os ciganos. Infâmias que, historicamente, anunciaram desastres humanitários ainda maiores. "Artistas e intelectuais franceses alertam para a amnésia e os novos sintomas racistas", diz outra chamada. "A perseguição aos romanis antecedeu as duas guerras mundiais".
Roubo de crianças? Os europeus paranóicos costumam acusar os ciganos. Como há bem pouco tempo, com a criança loirinha. Mas foi esse campo de concentração francês que tirou as crianças ciganas dos pais. O repórter pergunta (mas não está na tradução): "¿quién ha robado niños a quién a lo largo de la historia?"
E com isso me lembro de reportagem racista assinada pela Veja, há algumas semanas, por seu correspondente em Paris. Com todo o discurso deplorado pelo texto espanhol: o preconceito, a ausência de humanismo. E o diálogo com aquele passado asqueroso que resultou em genocídio - proporcionalmente idêntico ao dos judeus.
Ao contrário dos judeus, não houve indenização nem compensação moral para os ciganos. Pois o caso não ficou na memória coletiva.
"Quizá por eso, la persecución dura todavía", escreve o repórter. Talvez por isso a perseguição ainda continue. (Os dois últimos parágrafos também foram cortados, arrisco-me na tradução.)
"Entre la indiferencia general, los prejuicios atávicos alentados por los medios, la comprensible renuencia de un pueblo masacrado a exigir justicia –ya sea de forma individual o colectiva-, y el consenso infernal que suscitan entre los políticos de las democracias neoliberales, los gitanos siguen siendo el perfecto chivo expiatorio, la primera señal de alarma de que algo muy profundo no va bien".
Em meio à indiferença geral, os preconceitos atávicos estimulados pelos meios de comunicação, a compreensível relutância de um povo massacrado em exigir justiça - seja de forma individual ou coletiva -, e o consenso infernal que eles suscitam entre os políticos das democracias neoliberais, os ciganos continuam sendo o perfeito bode expiatório, o primeiro sinal de alarme de que algo muito profundo não vai bem.
UOL, que tal traduzir direito o texto e liberar para os não assinantes?
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O espanhol El País publicou há cinco dias um belo texto sobre ciganos franceses, que ali tiveram um campo de concentração específico - não nazista. Com aquela qualidade que o jornalismo brasileiro não costuma ter. Está disponível, gratuitamente, na internet: http://internacional.elpais.com/internacional/2013/11/02/actualidad/1383422739_935400.html
O UOL oferece o artigo traduzido, mas somente para assinantes. Pior: transformou o texto original, de 26 parágrafos, em um de 18 parágrafos. O original de 2.081 palavras foi desidratado quase pela metade: virou um guisado de 1.255 palavras. Ora, se é online, por que essa transfiguração? Estão economizando o quê?
Mas deixemos o UOL de lado. Esse texto do El País tem o mérito de tocar o dedo na ferida em relação às infâmias praticadas contra os ciganos. Infâmias que, historicamente, anunciaram desastres humanitários ainda maiores. "Artistas e intelectuais franceses alertam para a amnésia e os novos sintomas racistas", diz outra chamada. "A perseguição aos romanis antecedeu as duas guerras mundiais".
Roubo de crianças? Os europeus paranóicos costumam acusar os ciganos. Como há bem pouco tempo, com a criança loirinha. Mas foi esse campo de concentração francês que tirou as crianças ciganas dos pais. O repórter pergunta (mas não está na tradução): "¿quién ha robado niños a quién a lo largo de la historia?"
E com isso me lembro de reportagem racista assinada pela Veja, há algumas semanas, por seu correspondente em Paris. Com todo o discurso deplorado pelo texto espanhol: o preconceito, a ausência de humanismo. E o diálogo com aquele passado asqueroso que resultou em genocídio - proporcionalmente idêntico ao dos judeus.
Ao contrário dos judeus, não houve indenização nem compensação moral para os ciganos. Pois o caso não ficou na memória coletiva.
"Quizá por eso, la persecución dura todavía", escreve o repórter. Talvez por isso a perseguição ainda continue. (Os dois últimos parágrafos também foram cortados, arrisco-me na tradução.)
"Entre la indiferencia general, los prejuicios atávicos alentados por los medios, la comprensible renuencia de un pueblo masacrado a exigir justicia –ya sea de forma individual o colectiva-, y el consenso infernal que suscitan entre los políticos de las democracias neoliberales, los gitanos siguen siendo el perfecto chivo expiatorio, la primera señal de alarma de que algo muy profundo no va bien".
Em meio à indiferença geral, os preconceitos atávicos estimulados pelos meios de comunicação, a compreensível relutância de um povo massacrado em exigir justiça - seja de forma individual ou coletiva -, e o consenso infernal que eles suscitam entre os políticos das democracias neoliberais, os ciganos continuam sendo o perfeito bode expiatório, o primeiro sinal de alarme de que algo muito profundo não vai bem.
UOL, que tal traduzir direito o texto e liberar para os não assinantes?
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terça-feira, 5 de novembro de 2013
Quem seria eleito no Brasil? O Rei do Camarote, Antonio Prata ou Paulo Maluf?
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
Se o Rei do Camarote sair para deputado, será eleito.
Se o Antonio Prata sair, não será eleito.
Se o Paulo Maluf sair, será eleito.
Pois o nivelamento ocorre por baixo. A ostentação de riquezas ou a ostentação de poder (mesmo que por corrupção) atingem mais o público brasileiro médio do que a ironia. Ou a capacidade analítica.
(E não vou nem falar aqui da defesa coesa e sistemática de posições densas e fundamentadas em relação a temas-chave da sociedade brasileira: da questão urbana à agrária, dos nós da segurança pública ao sistema político. Isso deve eleger, no máximo, um ou dois deputados em algumas Unidades da Federação.)
É a camarotização da opinião pública brasileira. As urnas recebem, a cada dois anos, votos de quem não entendeu o Antonio Prata - o próprio Alexander, o Rei do Camarote, não entenderia aquele artigo baseado em ironias - e de quem apenas gostaria de estar no lugar do empresário, a espocar champanhes.
Votamos em reis, em representações caricaturais, em reduções da realidade. Mesmo que bufos. No rei da corrupção, no príncipe do direito do consumidor, no militar que desanca direitos humanos. E em coronéis, em imperadores de territórios implodidos.
Florestan Fernandes teria sérias dificuldades de ser eleito para a Câmara, hoje. Se há inveja em nossa sociedade, como diagnostica o Rei do Camarote, é em relação à detenção do conhecimento. Quem poderia discutir com mais propriedade o genocídio na periferia, a grilagem estrutural de nosso território, as medidas necessárias para a diminuição dos estupros, e tantos outros assuntos cruciais, não será eleito.
E não é somente que não será eleito. Não será nem discutido em uma escala razoável. Pois suas visões de mundo não repercutem. E não repercutem porque não viram memes. Memes são filhos do Willy Wonka (o Rei do Chocolate). Memes são bufos. Votos em Tiriricas e Enéas - mas também em Bolsonaros e Felicianos - são primos desses memes.
O mais performático e genial dos intelectuais políticos, um Darcy Ribeiro, não mais seria eleito para o Senado. Antropólogo? Defensor dos indígenas, da educação? Que cafona. Não usava Armani, não é amigo da Turma do Pânico. Não assistiria o Pânico. E escrevia uns períodos imensos.
Celebra-se e perpetua-se no Brasil uma linguagem cada vez menos enriquecedora. Menos complexa, menos complexificadora. E a pobreza da política apenas reflete esse movimento. Da capa da Vejinha ao horror de ler um texto até o final.
(Ou eu estou louco e não estou percebendo a repercussão de dissertações e teses, de artigos científicos e jornalísticos consistentes, de análises críticas, de sacadas geniais, de sutilezas acadêmicas e de raciocínios complexos? Ora, dirão, são poucos os que têm acesso a tudo isso. São mesmo?)
A hipertrofia do Rei do Camarote só ocorre pela força da camarotização. No país dos abadás e dos vallets, das ruas fechadas para moradores ricos e dos pedágios. Do patrimonialismo assimilado, da mesquinharia lúdica e exibicionista, da política como extensão de horizontes privatizados.
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por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
Se o Rei do Camarote sair para deputado, será eleito.
Se o Antonio Prata sair, não será eleito.
Se o Paulo Maluf sair, será eleito.
Pois o nivelamento ocorre por baixo. A ostentação de riquezas ou a ostentação de poder (mesmo que por corrupção) atingem mais o público brasileiro médio do que a ironia. Ou a capacidade analítica.
(E não vou nem falar aqui da defesa coesa e sistemática de posições densas e fundamentadas em relação a temas-chave da sociedade brasileira: da questão urbana à agrária, dos nós da segurança pública ao sistema político. Isso deve eleger, no máximo, um ou dois deputados em algumas Unidades da Federação.)
É a camarotização da opinião pública brasileira. As urnas recebem, a cada dois anos, votos de quem não entendeu o Antonio Prata - o próprio Alexander, o Rei do Camarote, não entenderia aquele artigo baseado em ironias - e de quem apenas gostaria de estar no lugar do empresário, a espocar champanhes.
Votamos em reis, em representações caricaturais, em reduções da realidade. Mesmo que bufos. No rei da corrupção, no príncipe do direito do consumidor, no militar que desanca direitos humanos. E em coronéis, em imperadores de territórios implodidos.
Florestan Fernandes teria sérias dificuldades de ser eleito para a Câmara, hoje. Se há inveja em nossa sociedade, como diagnostica o Rei do Camarote, é em relação à detenção do conhecimento. Quem poderia discutir com mais propriedade o genocídio na periferia, a grilagem estrutural de nosso território, as medidas necessárias para a diminuição dos estupros, e tantos outros assuntos cruciais, não será eleito.
E não é somente que não será eleito. Não será nem discutido em uma escala razoável. Pois suas visões de mundo não repercutem. E não repercutem porque não viram memes. Memes são filhos do Willy Wonka (o Rei do Chocolate). Memes são bufos. Votos em Tiriricas e Enéas - mas também em Bolsonaros e Felicianos - são primos desses memes.
O mais performático e genial dos intelectuais políticos, um Darcy Ribeiro, não mais seria eleito para o Senado. Antropólogo? Defensor dos indígenas, da educação? Que cafona. Não usava Armani, não é amigo da Turma do Pânico. Não assistiria o Pânico. E escrevia uns períodos imensos.
Celebra-se e perpetua-se no Brasil uma linguagem cada vez menos enriquecedora. Menos complexa, menos complexificadora. E a pobreza da política apenas reflete esse movimento. Da capa da Vejinha ao horror de ler um texto até o final.
(Ou eu estou louco e não estou percebendo a repercussão de dissertações e teses, de artigos científicos e jornalísticos consistentes, de análises críticas, de sacadas geniais, de sutilezas acadêmicas e de raciocínios complexos? Ora, dirão, são poucos os que têm acesso a tudo isso. São mesmo?)
A hipertrofia do Rei do Camarote só ocorre pela força da camarotização. No país dos abadás e dos vallets, das ruas fechadas para moradores ricos e dos pedágios. Do patrimonialismo assimilado, da mesquinharia lúdica e exibicionista, da política como extensão de horizontes privatizados.
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quarta-feira, 16 de outubro de 2013
15 de outubro de 2013, São Paulo: a “batalha da algema”
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
Observem a partir de 2min25seg, no vídeo. O policial berra várias vezes, durante repressão a manifestação de professores e estudantes, em São Paulo: "Avante, algema! Avante, algema!"
Nada poderia ser mais expressivo. Essa é a política pública de educação mais bem definida em relação aos professores paulistas. "Algeeema!! Algema!!!" (É como se a algema fosse invocada como uma tábua de salvação, aquela que vai solucionar os nossos problemas. E de uma forma personalizada, como se ali fosse surgir uma senhora respeitável, uma velha conhecida.)
Essa é também a política pública mais bem definida em relação aos desmandos de um reitor retrógrado da USP, um salazarista. "Algeeema!! Algema!!!" (Já que não puderam prender os estudantes e torturá-los na reitoria da USP, como em 2011, que se demonstre essa autoridade chinfrim nas ruas. A mesma autoridade perdida em décadas de perpetuação de uma lógica policial verde-oliva.)
E essa é, ainda, a política pública de segurança mais populista, ilusionista e cínica de que se possa ter conhecimento. E mais suicida, mais degradadora dos tecidos de cidadania mais elementares. "Algeeeemas!", esgoela-se o comandante. E não só algemas: este vídeo escancara um oneroso e multiplicado arsenal repressivo. A nossa polícia está ali, a postos, de helicóptero e tudo. Contra o PCC? Traficantes de armas, ladrões de cargas? Contra o Comando Vermelho, o exército americano? Não. Não exatamente. Contra cidadãos algemáveis.
Vale observar, ao contrário do senso comum e das usurpações, que não existem black blocs; existem pessoas, existem indivíduos, cidadãos. Um fato singelo que não aparece, convenientemente, nas narrativas das operações policiais. E que, apesar da eventual violência de alguns manifestantes, evidentemente aguardada por esses meticulosos algemadores, estas imagens são a evidência de que esse sistema de repressão está falido. Que não há espaço para a militarização de polícias.
E que essa repressão virou entretenimento. Um repórter exclama, indignadíssimo: "A imprensa tem direito". (Em seguida ouve-se um disparo.) Claro que tem. Todos têm. Todos deveriam ter. O problema é que a ausência de noção mínima de democracia, em qualquer grupo social (inclusive manifestantes), tem sido multiplicada por essa mesma polícia cujas ações parte da imprensa celebra. Há um aval midiático para que o Estado engate essa gigantesca marcha a ré. (Sim, é ele quem a engata.)
Esse patrocínio parte da imprensa e parte da sociedade. No caso, a sociedade paulista, tão orgulhosa de seus bandeirantes. O mesmo lúmpen intelectual que se jubila com o vídeo de um bandido sendo baleado (acreditando candidamente que, agora sim, a violência refluirá...), irresponsavelmente turbinado pelos meios de comunicação, é quem dá aval a esse tipo de política do atordoamento, essa estética do gás lacrimogêneo, esse Estado enredado em algemas.
(Será que em breve o artefato estará à venda na Tok Stok?)
"Algemas! Algeeeeeemas!" Muitas algemas, público paulista! "Com licença, Dona Algema. Prenda mais este professor!" Menos aulas de geografia e história! Que se perpetuem os salários abomináveis! Quem precisa de educação? "Algeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeemas!!!!"
* com a licença de Gillo Pontecorvo, o diretor italiano do clássico “A Batalha de Argel”.
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por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
Observem a partir de 2min25seg, no vídeo. O policial berra várias vezes, durante repressão a manifestação de professores e estudantes, em São Paulo: "Avante, algema! Avante, algema!"
Nada poderia ser mais expressivo. Essa é a política pública de educação mais bem definida em relação aos professores paulistas. "Algeeema!! Algema!!!" (É como se a algema fosse invocada como uma tábua de salvação, aquela que vai solucionar os nossos problemas. E de uma forma personalizada, como se ali fosse surgir uma senhora respeitável, uma velha conhecida.)
Essa é também a política pública mais bem definida em relação aos desmandos de um reitor retrógrado da USP, um salazarista. "Algeeema!! Algema!!!" (Já que não puderam prender os estudantes e torturá-los na reitoria da USP, como em 2011, que se demonstre essa autoridade chinfrim nas ruas. A mesma autoridade perdida em décadas de perpetuação de uma lógica policial verde-oliva.)
E essa é, ainda, a política pública de segurança mais populista, ilusionista e cínica de que se possa ter conhecimento. E mais suicida, mais degradadora dos tecidos de cidadania mais elementares. "Algeeeemas!", esgoela-se o comandante. E não só algemas: este vídeo escancara um oneroso e multiplicado arsenal repressivo. A nossa polícia está ali, a postos, de helicóptero e tudo. Contra o PCC? Traficantes de armas, ladrões de cargas? Contra o Comando Vermelho, o exército americano? Não. Não exatamente. Contra cidadãos algemáveis.
Vale observar, ao contrário do senso comum e das usurpações, que não existem black blocs; existem pessoas, existem indivíduos, cidadãos. Um fato singelo que não aparece, convenientemente, nas narrativas das operações policiais. E que, apesar da eventual violência de alguns manifestantes, evidentemente aguardada por esses meticulosos algemadores, estas imagens são a evidência de que esse sistema de repressão está falido. Que não há espaço para a militarização de polícias.
E que essa repressão virou entretenimento. Um repórter exclama, indignadíssimo: "A imprensa tem direito". (Em seguida ouve-se um disparo.) Claro que tem. Todos têm. Todos deveriam ter. O problema é que a ausência de noção mínima de democracia, em qualquer grupo social (inclusive manifestantes), tem sido multiplicada por essa mesma polícia cujas ações parte da imprensa celebra. Há um aval midiático para que o Estado engate essa gigantesca marcha a ré. (Sim, é ele quem a engata.)
Esse patrocínio parte da imprensa e parte da sociedade. No caso, a sociedade paulista, tão orgulhosa de seus bandeirantes. O mesmo lúmpen intelectual que se jubila com o vídeo de um bandido sendo baleado (acreditando candidamente que, agora sim, a violência refluirá...), irresponsavelmente turbinado pelos meios de comunicação, é quem dá aval a esse tipo de política do atordoamento, essa estética do gás lacrimogêneo, esse Estado enredado em algemas.
(Será que em breve o artefato estará à venda na Tok Stok?)
"Algemas! Algeeeeeemas!" Muitas algemas, público paulista! "Com licença, Dona Algema. Prenda mais este professor!" Menos aulas de geografia e história! Que se perpetuem os salários abomináveis! Quem precisa de educação? "Algeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeemas!!!!"
* com a licença de Gillo Pontecorvo, o diretor italiano do clássico “A Batalha de Argel”.
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segunda-feira, 14 de outubro de 2013
Universalização do saneamento, no Brasil, só em 2122. Quem liga?
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
O jornal Valor Econômico informa, em repercussão aos debates do 3º Encontro de Saneamento Básico, promovido pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) na quarta-feira, dia 9 de outubro:
- Mantido o ritmo atual de investimentos, que chegam por ano a 0,2% do PIB, um terço dos 0,6% necessários, a universalização só seria atingida no próximo século, em 2122, quase 90 anos além do prazo estabelecido.
Não, não há um erro de digitação. É 2122 mesmo, e não 2022. Daqui a 109 anos, portanto.
Não se trata do único atraso: o jornal deu a notícia somente nesta segunda-feira, dia 14. Cinco dias após a divulgação dos números.
Elas não motivaram uma manchete do jornal. Do tipo: “Brasil só terá saneamento universal em 2122”. A informação é dada com discrição, em um dos textos de especial sobre saneamento. Sem que o dado mereça o título – reservado a algo sobre “choque de gestão”.
Desta forma não se gera indignação, portanto. Saneamento universal só em 2122? Ah, logo ali. Um assunto para a indignação dos bisnetos do Gigante Adormecido.
Note-se que quem está dizendo tudo isso é a Fiesp. E não uma fonte de esquerda. Um dos diretores da Federação das Indústrias conta que também estamos em nono lugar no ranking dos países com menos banheiros no planeta. (Sim, isso mesmo. Só oito países têm piores índices que os nossos em relação à existência de banheiros.)
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
O jornal Valor Econômico informa, em repercussão aos debates do 3º Encontro de Saneamento Básico, promovido pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) na quarta-feira, dia 9 de outubro:
- Mantido o ritmo atual de investimentos, que chegam por ano a 0,2% do PIB, um terço dos 0,6% necessários, a universalização só seria atingida no próximo século, em 2122, quase 90 anos além do prazo estabelecido.
Não, não há um erro de digitação. É 2122 mesmo, e não 2022. Daqui a 109 anos, portanto.
Não se trata do único atraso: o jornal deu a notícia somente nesta segunda-feira, dia 14. Cinco dias após a divulgação dos números.
Elas não motivaram uma manchete do jornal. Do tipo: “Brasil só terá saneamento universal em 2122”. A informação é dada com discrição, em um dos textos de especial sobre saneamento. Sem que o dado mereça o título – reservado a algo sobre “choque de gestão”.
Desta forma não se gera indignação, portanto. Saneamento universal só em 2122? Ah, logo ali. Um assunto para a indignação dos bisnetos do Gigante Adormecido.
Note-se que quem está dizendo tudo isso é a Fiesp. E não uma fonte de esquerda. Um dos diretores da Federação das Indústrias conta que também estamos em nono lugar no ranking dos países com menos banheiros no planeta. (Sim, isso mesmo. Só oito países têm piores índices que os nossos em relação à existência de banheiros.)
Conclui-se, portanto, que, se a Fiesp está dizendo isso, é sinal de que a
esquerda ocupará os plenários da Câmara e do Senado com discursos ainda mais
enfáticos. Militantes de partidos da oposição dirão que essa situação é
intolerável. Uma comoção e movimentos de solidariedade tomarão conta do país.
Iniciativas assistencialistas, mobilizações religiosas em torno da caridade, financiamento coletivo. A Rede Globo deve estar inquieta; os black blocs, furiosos.
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sexta-feira, 16 de agosto de 2013
Empresa ligada a prefeito no MT terá 350 mil hectares
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)*
Um dos slogans da Vanguarda Agro é: “Mais de 300 mil hectares sob gestão”. A edição de hoje do Valor Econômico conta que a empresa busca investidores, especialmente fundos de pensão estrangeiros, para aquisição de terras no Brasil. A meta é adquirir de 50 mil a 60 mil hectares de terras brutas – ainda não abertas para a agricultura. A empresa já teria 290 mil hectares de área plantada. Metade da área da Palestina.
O principal acionista individual da Vanguarda, com 20% das ações, é o prefeito de Lucas do Rio Verde (MT), o ex-deputado estadual Otaviano Pivetta (PDT). Ele é dono de uma fortuna de R$ 321 milhões, conforme a declaração entregue à Justiça Eleitoral em 2012. Em 2006, quando se elegeu para a Assembleia, ele declarou R$ 82 milhões. É um dos políticos mais ricos do Brasil.
Ele tem na empresa cerca de 1/3 de seus bens. Nada menos que R$ 96 milhões vêm de ações da Vanguarda. Outros R$ 104 milhões vêm de cotas da Vanguarda do Brasil, da Agropecuária Margarida e da Fazenda Terra Santa – independentes da Vanguarda Agro. Em 2008, ele disse à IstoÉ Dinheiro que pretendia somar 500 mil hectares e se tornar o maior produtor de grãos do Brasil.
A Agropecuária Margarida, em Nova Mutum (MT), recebeu verbas neste ano do Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste, R$ 36 milhões, para aumentar a produção de suínos, de 5,5 mil para 22 mil cabeças.
Pivetta também declarou R$ 1,45 milhão em cotas da empresa Melhoramentos do Oeste da Bahia. Segundo o professor Ariovaldo Umbelino de Oliveira, do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo, ela teria o sétimo maior latifúndio do país, em Formosa do Rio Preto, a Fazenda Estrondo, com 121.411 hectares.
Essa companhia esteve na Lista Suja do Trabalho Escravo, mas foi excluída, em 9 de setembro de 2010, após concessão de liminar. “Na área da Companhia Melhoramentos do Oeste da Bahia (CMOB), que atua tradicionalmente com mineração na região, foram libertados 39 trabalhadores que catavam raízes para viabilizar a produção de soja, em outubro de 2005”, relatou a ONG Repórter Brasil. Nessa época Pivetta não era acionista.
Segundo a organização, a Fazenda Estrondo também já foi notificada e incluída no chamado "Livro Branco da Grilagem de Terras", documento divulgado em 1999 pelo governo federal, que tentava reverter ao patrimônio público dezenas de milhões de hectares de terras ocupadas irregularmente por particulares.
* o titular deste blog é também o
autor do livro "Partido da Terra - como os políticos conquistam o
território brasileiro" (Editora Contexto, 2012)por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)*
Um dos slogans da Vanguarda Agro é: “Mais de 300 mil hectares sob gestão”. A edição de hoje do Valor Econômico conta que a empresa busca investidores, especialmente fundos de pensão estrangeiros, para aquisição de terras no Brasil. A meta é adquirir de 50 mil a 60 mil hectares de terras brutas – ainda não abertas para a agricultura. A empresa já teria 290 mil hectares de área plantada. Metade da área da Palestina.
O principal acionista individual da Vanguarda, com 20% das ações, é o prefeito de Lucas do Rio Verde (MT), o ex-deputado estadual Otaviano Pivetta (PDT). Ele é dono de uma fortuna de R$ 321 milhões, conforme a declaração entregue à Justiça Eleitoral em 2012. Em 2006, quando se elegeu para a Assembleia, ele declarou R$ 82 milhões. É um dos políticos mais ricos do Brasil.
Ele tem na empresa cerca de 1/3 de seus bens. Nada menos que R$ 96 milhões vêm de ações da Vanguarda. Outros R$ 104 milhões vêm de cotas da Vanguarda do Brasil, da Agropecuária Margarida e da Fazenda Terra Santa – independentes da Vanguarda Agro. Em 2008, ele disse à IstoÉ Dinheiro que pretendia somar 500 mil hectares e se tornar o maior produtor de grãos do Brasil.
A Agropecuária Margarida, em Nova Mutum (MT), recebeu verbas neste ano do Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste, R$ 36 milhões, para aumentar a produção de suínos, de 5,5 mil para 22 mil cabeças.
Pivetta também declarou R$ 1,45 milhão em cotas da empresa Melhoramentos do Oeste da Bahia. Segundo o professor Ariovaldo Umbelino de Oliveira, do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo, ela teria o sétimo maior latifúndio do país, em Formosa do Rio Preto, a Fazenda Estrondo, com 121.411 hectares.
Essa companhia esteve na Lista Suja do Trabalho Escravo, mas foi excluída, em 9 de setembro de 2010, após concessão de liminar. “Na área da Companhia Melhoramentos do Oeste da Bahia (CMOB), que atua tradicionalmente com mineração na região, foram libertados 39 trabalhadores que catavam raízes para viabilizar a produção de soja, em outubro de 2005”, relatou a ONG Repórter Brasil. Nessa época Pivetta não era acionista.
Segundo a organização, a Fazenda Estrondo também já foi notificada e incluída no chamado "Livro Branco da Grilagem de Terras", documento divulgado em 1999 pelo governo federal, que tentava reverter ao patrimônio público dezenas de milhões de hectares de terras ocupadas irregularmente por particulares.
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segunda-feira, 12 de agosto de 2013
Por uma Marcha dos Amarildos
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
O dia 12 de agosto marca os 30 anos do assassinato da líder sindical Margarida Maria Alves, camponesa de Alagoa Grande, na Paraíba. O caso gerou muita revolta na época. Entre os acusados estava Aguinaldo Velloso Borges, político, coronel. Em 1962 ele já fora acusado de mandar matar João Pedro Teixeira, o “Cabra Marcado para Morrer” do filme de Eduardo Coutinho. Naquele ano um deputado estadual e quatro suplentes renunciaram para que Borges assumisse o cargo na Assembleia e ganhasse imunidade. Em 1990, ele morreu. Seu neto, homônimo, é o atual ministro das Cidades.
Borges era bem relacionado, como mostro no livro “Partido da Terra – como os políticos conquistam o território brasileiro”. Nove dias após o assassinato de Margarida, ele recebia o deputado Paulo Maluf, então candidato à Presidência. Um jornal local descrevia o usineiro como líder de um grupo de três deputados federais, cinco deputados estaduais, 50 prefeitos. Controlava 27 representantes da Paraíba no Colégio Eleitoral que definiria o próximo presidente. Maluf perderia para Tancredo Neves.
Trinta anos depois, o neto de Tancredo tenta a presidência da República, pelo PSDB. Sem despertar maiores emoções. O Partido dos Trabalhadores chegou ao poder sem fazer reforma agrária. A presidente Dilma Rousseff busca a reeleição com um aliado polêmico: o governador do Rio, Sérgio Cabral Filho (PMDB).
A sociedade brasileira – e fluminense – faz em coro uma pergunta simples ao governador: “Onde está o Amarildo?”
O pedreiro Amarildo Dias de Souza desapareceu na Rocinha no dia 14 de julho, após ser levado, “para averiguação”, para a sede da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Tinha 43 anos. Provavelmente foi assassinado. A sociedade quer saber não apenas onde está Amarildo, mas que sejam investigados seus algozes. O responsável (ao que tudo indica, o Estado), devidamente punido.
As duas histórias têm cara de ditadura. No fim do regime militar, Margarida foi vítima de um crime que continua a ocorrer, no campo, em tempos democráticos. Com assinatura de fazendeiros, de políticos, e proteção sistemática da Justiça. É por causa dessa violação sistemática de direitos de trabalhadoras rurais que a Contag e outras entidades sindicais organizam, a cada quatro anos, a Marcha das Margaridas.
Durante dias as trabalhadoras rurais marcham do interior do Brasil até Brasília. Por visibilidade. Para os milhões de Margaridas no Brasil. Em 2011 a Marcha das Margaridas teve como lema desenvolvimento sustentável com justiça, autonomia, igualdade e liberdade.
Esta liberdade também se mostra ausente no mundo urbano – e masculino. No Rio, Amarildo era conhecido como “Boi”. Forte, e na ausência do Estado, ele carregava as pessoas que precisavam de socorro, em meio às escadas da favela, para que fossem atendidas com urgência em um hospital. Era um herói – ainda não reconhecido.
As lutas da cidade e do campo são uma só. Ou pelo menos deveriam ser. É por isso que lanço aqui uma ideia singela: por que não se pensar em fazer, de quatro em quatro anos, uma Marcha dos Amarildos? Não só pelos desaparecidos e assassinados. Mas por todos os ameaçados, humilhados.
Em 2015 teremos novamente uma Marcha das Margaridas. Em pauta, os direitos no campo. E em 2013? 2017? A Marcha dos Amarildos seria um ato-espelho, uma homenagem a todos os heróis urbanos. E reivindicaria o direito à cidade.
Marcha das Margaridas e Marcha dos Amarildos cobrariam de nossos governantes o respeito aos direitos elementares dos trabalhadores, dos cidadãos. A começar do direito à vida, à liberdade de ir e vir – sem que uma polícia “pacificadora” violente seus direitos.
Esses direitos rasgados diariamente compõem uma democracia pela metade. Nos anos pares, como 2014, temos eleições. Com financiamento privado, compra de votos, abuso do poder econômico. Mesmo assim políticos e jornalistas deslumbrados (ou cínicos) descrevem os pleitos como uma “festa da democracia”.
A democracia precisa ser cobrada nas ruas. Com a mesma dignidade das mulheres camponesas. A Marcha das Margaridas precisa se encontrar com a Marcha dos Amarildos.
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por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
O dia 12 de agosto marca os 30 anos do assassinato da líder sindical Margarida Maria Alves, camponesa de Alagoa Grande, na Paraíba. O caso gerou muita revolta na época. Entre os acusados estava Aguinaldo Velloso Borges, político, coronel. Em 1962 ele já fora acusado de mandar matar João Pedro Teixeira, o “Cabra Marcado para Morrer” do filme de Eduardo Coutinho. Naquele ano um deputado estadual e quatro suplentes renunciaram para que Borges assumisse o cargo na Assembleia e ganhasse imunidade. Em 1990, ele morreu. Seu neto, homônimo, é o atual ministro das Cidades.
Borges era bem relacionado, como mostro no livro “Partido da Terra – como os políticos conquistam o território brasileiro”. Nove dias após o assassinato de Margarida, ele recebia o deputado Paulo Maluf, então candidato à Presidência. Um jornal local descrevia o usineiro como líder de um grupo de três deputados federais, cinco deputados estaduais, 50 prefeitos. Controlava 27 representantes da Paraíba no Colégio Eleitoral que definiria o próximo presidente. Maluf perderia para Tancredo Neves.
Trinta anos depois, o neto de Tancredo tenta a presidência da República, pelo PSDB. Sem despertar maiores emoções. O Partido dos Trabalhadores chegou ao poder sem fazer reforma agrária. A presidente Dilma Rousseff busca a reeleição com um aliado polêmico: o governador do Rio, Sérgio Cabral Filho (PMDB).
A sociedade brasileira – e fluminense – faz em coro uma pergunta simples ao governador: “Onde está o Amarildo?”
O pedreiro Amarildo Dias de Souza desapareceu na Rocinha no dia 14 de julho, após ser levado, “para averiguação”, para a sede da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Tinha 43 anos. Provavelmente foi assassinado. A sociedade quer saber não apenas onde está Amarildo, mas que sejam investigados seus algozes. O responsável (ao que tudo indica, o Estado), devidamente punido.
As duas histórias têm cara de ditadura. No fim do regime militar, Margarida foi vítima de um crime que continua a ocorrer, no campo, em tempos democráticos. Com assinatura de fazendeiros, de políticos, e proteção sistemática da Justiça. É por causa dessa violação sistemática de direitos de trabalhadoras rurais que a Contag e outras entidades sindicais organizam, a cada quatro anos, a Marcha das Margaridas.
Durante dias as trabalhadoras rurais marcham do interior do Brasil até Brasília. Por visibilidade. Para os milhões de Margaridas no Brasil. Em 2011 a Marcha das Margaridas teve como lema desenvolvimento sustentável com justiça, autonomia, igualdade e liberdade.
Esta liberdade também se mostra ausente no mundo urbano – e masculino. No Rio, Amarildo era conhecido como “Boi”. Forte, e na ausência do Estado, ele carregava as pessoas que precisavam de socorro, em meio às escadas da favela, para que fossem atendidas com urgência em um hospital. Era um herói – ainda não reconhecido.
As lutas da cidade e do campo são uma só. Ou pelo menos deveriam ser. É por isso que lanço aqui uma ideia singela: por que não se pensar em fazer, de quatro em quatro anos, uma Marcha dos Amarildos? Não só pelos desaparecidos e assassinados. Mas por todos os ameaçados, humilhados.
Em 2015 teremos novamente uma Marcha das Margaridas. Em pauta, os direitos no campo. E em 2013? 2017? A Marcha dos Amarildos seria um ato-espelho, uma homenagem a todos os heróis urbanos. E reivindicaria o direito à cidade.
Marcha das Margaridas e Marcha dos Amarildos cobrariam de nossos governantes o respeito aos direitos elementares dos trabalhadores, dos cidadãos. A começar do direito à vida, à liberdade de ir e vir – sem que uma polícia “pacificadora” violente seus direitos.
Esses direitos rasgados diariamente compõem uma democracia pela metade. Nos anos pares, como 2014, temos eleições. Com financiamento privado, compra de votos, abuso do poder econômico. Mesmo assim políticos e jornalistas deslumbrados (ou cínicos) descrevem os pleitos como uma “festa da democracia”.
A democracia precisa ser cobrada nas ruas. Com a mesma dignidade das mulheres camponesas. A Marcha das Margaridas precisa se encontrar com a Marcha dos Amarildos.
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segunda-feira, 5 de agosto de 2013
Ministro do TSE viu ‘malícia’ e irregularidades na Sinai ao cassar mandato de Sebastião Quintão
A Sinai Agropecuária, que aparece na declaração de bens do deputado federal Leonardo Quintão (PMDB-MG), relator do Código de Mineração, já aparecia na declaração de bens do pai, o ex-prefeito de Ipatinga Sebastião Quintão, também do PMDB. Ela foi o pivô das irregularidades identificadas em 2010 pelo ministro Marcelo Ribeiro, do Tribunal Superior Eleitoral, quando ele cassou o mandato do então prefeito. Veja aqui trecho importante da decisão do ministro:
“Mérito.
Perquirição do ilícito eleitoral próprio do art. 30-A. Objeto que não se confunde com o abuso de poder econômico, com a rejeição das contas de campanha ou com ilícitos fiscais. Tutela de lisura da campanha e da transparência da arrecadação de recursos. Averiguação de comportamento malicioso dos candidatos destinados a camuflar a realidade dos recursos de campanha. Foco na conduta efetivamente adotada pelos réus, caracterizada por sucessivas mudanças de discurso que evidenciam o esforço de ocultação empreendido.
1 - Versão inaugural. R$2.073.350,00 declarados como recursos próprios oriundos de venda de café (R$1.573.350,00) e de empréstimo obtido junto à empresa Sinai (R$500.000,00).
2 - As sacas de café. Valor inicial declarado de R$875.000,00. Aumento de volume atribuído à limpeza do café. Versão inverossímel refutada pela prova testemunhal requerida pelos próprios réus. Diferença de sacas atribuída, pelas testemunhas, à colheita de 2008, quando a fazenda não mais pertencia ao candidato, já que doada para integralizar o capital da empresa Sinai Agropecuária S/A. Aparição de um "contrato de gestão de sacas de café e mútuo financeiro" e um "acordo de reserva de propriedade de safra futura" para justificar a alegada propriedade do café. Documentos desprovidos de credibilidade, porquanto celebrados após a detecção das irregularidades. Inconsistência das declarações.
3 - Rastreamento dos recursos supostamente próprios depositados na conta de campanha dos réus. Informação, pela Secretaria de Estado da Fazenda, de que os compradores do café alegadamente pertencentes ao 1º réu depositaram o pagamento na conta bancária da Sinai Agropecuária S/A. Tentativa de respaldar a transação do suposto "contrato de gestão de sacas de café e mútuo financeiro", por meio do qual seriam emprestados à Sinai os valores obtidos com a venda do café. Hipótese que colidiu com a versão de que R$1.350.000,00 depositados em dinheiro na conta de campanha eram recursos próprios oriundos da venda do café, já que as quantias teriam revertido à Sinai. Quebra de sigilo. Informação, pela Receita Federal, de que a Sinai encontra-se inativa e não declarou bens ou rendimentos a qualquer título em 2008. Informação, pelo Banco do Brasil, de que vultosas quantias circularam pela conta bancária da referida empresa inativa entre agosto e outubro de 2008. Descoberta de que 27 saques no valor de R$ 50.000,00, feitos na conta da Sinai a mando de Paola Lemos de Barros Quintão Campos (filha do 1º réu, diretora da Sinai e atual titular do Cartório do 5º Oficio do Registro de Imóveis), foram imediatamente depositados na conta de campanha de Sebastião Quintão. A opção para realizar saques pulverizados para, em seguida, realizar depósitos na conta do candidato denota evidente intenção de ocultar a procedência dos recursos. Escamoteamento da origem dos R$1.350.000,00 que, declarados como recursos próprios, provêm da conta bancária da Sinai, empresa inativa que recebeu vultosas quantias de terceiros e, por meio de subterfúgios, as repassou ao candidato.
4 - Suposto empréstimo junto à Sinai Agropecuária S/A, no valor de R$500.000,00. Empresa cujo capital foi integralizado com bens de Sebastião Quintão e cujas ações foram em seguida doadas para os filhos deste. Sociedade Anônima alcunhada, pelo candidato, como "empresa familiar". Objeto social adstrito a atividades relacionadas à exploração agropecuária. Concessão de mútuo financeiro não prevista entre as atividades a serem desenvolvidas pela empresa. Apresentação, pelos réus, de extratos bancários da Sinai, no qual aparecem os saques pulverizados de R$50.000,00, visando provar que o empréstimo realmente saiu da conta bancária desta. Declaração de Rodrigo de Lemos Barros Quintão (filho do candidato e sócio da Sinai) de que o dinheiro do empréstimo fora entregue a seu pai em mãos. Versão totalmente desmentida pela posterior descoberta do esquema de depósito imediato, na conta de campanha, das quantias sacadas da conta da Sinai. Informações da Receita Federal. Impossibilidade de que a Sinai, empresa inativa e sem rendimentos declarados, emprestasse meio milhão de Reais ao candidato, por não haver respaldo lícito para esta disponibilidade de recursos. Tentativa de demonstrar a quitação do valor do empréstimo. Incongruências inconciliáveis nas versões apresentadas por Sebastião Quintão e Rodrigo Quintão. Conclusão pela inexistência do empréstimo.
5 - Recursos de fonte desconhecida. Emprego de ardis destinados a ocultar a real procedência de R$2.073.350,00 injetados na campanha dos réus, fonte de recursos que ainda permanece desconhecida. Mesmo se encampada a tese que a transferência de R$1.350.000,00 pela Sinais, independentemente da existência de título jurídico, não ofende diretamente a legislação eleitoral, o volume de recursos de origem desconhecida ainda perfaz R$723.350,00.
Comprovação de fraude na arrecadação de recursos. A conduta adotada, no sentido de deliberadamente camuflar a realidade da campanha denota a má-fé que norteou a arrecadação dos recursos pelos réus e denuncia a ilicitude perpetrada, independentemente da identificação da origem real dos recursos. O art. 30-A da Lei das Eleicoes não se limita a vedar formação de "caixa 2" , alcançando QUALQUER PRÁTIVA INSIDIOSA DESTINADA A OCULTAR O REAL FINANCIAMENTO DA CAMPANHA. As condutas praticadas pelos réus revelam-se mais pérfidas que o malsinado "caixa 2" , porquanto mais audaciosas. Os candidatos mostraram à Justiça Eleitoral os recursos ilicitamente injetados na campanha, mas declararam-nos como próprios, a fim de conferir-lhes aparência de legalidade. Para sustentar o engodo, exibiram um espetáculo leviano de inverdades. Colocaram-se a salvo da acusação da formação de "caixa 2" , já que os recursos transitaram pela conta de campanha. Todavia, mesmo sem utilizar "caixa 2" , lesaram profundamente o bem jurídico tutelado pelo art. 30-A. Fato é que a Justiça Eleitoral não conhece a verdadeira origem de mais de R$2.000.000,00 que aportaram na campanha dos recorrentes. Mesmo na mais benevolente interpretação das provas, resta desconhecida a procedência de montante que ultrapassa R$700.000,00. A TRANSPARÊNCIA DA ARRECADAÇÃO FOI FERIDA DE MORTE, E TALVEZ JAMAIS SE SAIBA A SERVIÇO DE QUAL NEFASTO INTERESSE. Por fim, as vultosas quantias postas à margem da fiscalização plena da sociedade impedem a aplicação do princípio da proporcionalidade.
Recurso a que se nega provimento, para manter a cassação dos diplomas dos representados”.
por Alceu Luís Castilho
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Bens do relator do Código da Mineração aumentaram oito vezes em oito anos
A Sinai Agropecuária, que aparece na declaração de bens do deputado federal Leonardo Quintão (PMDB-MG), relator do Código de Mineração, já aparecia na declaração de bens do pai, o ex-prefeito de Ipatinga Sebastião Quintão, também do PMDB. Ela foi o pivô das irregularidades identificadas em 2010 pelo ministro Marcelo Ribeiro, do Tribunal Superior Eleitoral, quando ele cassou o mandato do então prefeito. Veja aqui trecho importante da decisão do ministro:
“Mérito.
Perquirição do ilícito eleitoral próprio do art. 30-A. Objeto que não se confunde com o abuso de poder econômico, com a rejeição das contas de campanha ou com ilícitos fiscais. Tutela de lisura da campanha e da transparência da arrecadação de recursos. Averiguação de comportamento malicioso dos candidatos destinados a camuflar a realidade dos recursos de campanha. Foco na conduta efetivamente adotada pelos réus, caracterizada por sucessivas mudanças de discurso que evidenciam o esforço de ocultação empreendido.
1 - Versão inaugural. R$2.073.350,00 declarados como recursos próprios oriundos de venda de café (R$1.573.350,00) e de empréstimo obtido junto à empresa Sinai (R$500.000,00).
2 - As sacas de café. Valor inicial declarado de R$875.000,00. Aumento de volume atribuído à limpeza do café. Versão inverossímel refutada pela prova testemunhal requerida pelos próprios réus. Diferença de sacas atribuída, pelas testemunhas, à colheita de 2008, quando a fazenda não mais pertencia ao candidato, já que doada para integralizar o capital da empresa Sinai Agropecuária S/A. Aparição de um "contrato de gestão de sacas de café e mútuo financeiro" e um "acordo de reserva de propriedade de safra futura" para justificar a alegada propriedade do café. Documentos desprovidos de credibilidade, porquanto celebrados após a detecção das irregularidades. Inconsistência das declarações.
3 - Rastreamento dos recursos supostamente próprios depositados na conta de campanha dos réus. Informação, pela Secretaria de Estado da Fazenda, de que os compradores do café alegadamente pertencentes ao 1º réu depositaram o pagamento na conta bancária da Sinai Agropecuária S/A. Tentativa de respaldar a transação do suposto "contrato de gestão de sacas de café e mútuo financeiro", por meio do qual seriam emprestados à Sinai os valores obtidos com a venda do café. Hipótese que colidiu com a versão de que R$1.350.000,00 depositados em dinheiro na conta de campanha eram recursos próprios oriundos da venda do café, já que as quantias teriam revertido à Sinai. Quebra de sigilo. Informação, pela Receita Federal, de que a Sinai encontra-se inativa e não declarou bens ou rendimentos a qualquer título em 2008. Informação, pelo Banco do Brasil, de que vultosas quantias circularam pela conta bancária da referida empresa inativa entre agosto e outubro de 2008. Descoberta de que 27 saques no valor de R$ 50.000,00, feitos na conta da Sinai a mando de Paola Lemos de Barros Quintão Campos (filha do 1º réu, diretora da Sinai e atual titular do Cartório do 5º Oficio do Registro de Imóveis), foram imediatamente depositados na conta de campanha de Sebastião Quintão. A opção para realizar saques pulverizados para, em seguida, realizar depósitos na conta do candidato denota evidente intenção de ocultar a procedência dos recursos. Escamoteamento da origem dos R$1.350.000,00 que, declarados como recursos próprios, provêm da conta bancária da Sinai, empresa inativa que recebeu vultosas quantias de terceiros e, por meio de subterfúgios, as repassou ao candidato.
4 - Suposto empréstimo junto à Sinai Agropecuária S/A, no valor de R$500.000,00. Empresa cujo capital foi integralizado com bens de Sebastião Quintão e cujas ações foram em seguida doadas para os filhos deste. Sociedade Anônima alcunhada, pelo candidato, como "empresa familiar". Objeto social adstrito a atividades relacionadas à exploração agropecuária. Concessão de mútuo financeiro não prevista entre as atividades a serem desenvolvidas pela empresa. Apresentação, pelos réus, de extratos bancários da Sinai, no qual aparecem os saques pulverizados de R$50.000,00, visando provar que o empréstimo realmente saiu da conta bancária desta. Declaração de Rodrigo de Lemos Barros Quintão (filho do candidato e sócio da Sinai) de que o dinheiro do empréstimo fora entregue a seu pai em mãos. Versão totalmente desmentida pela posterior descoberta do esquema de depósito imediato, na conta de campanha, das quantias sacadas da conta da Sinai. Informações da Receita Federal. Impossibilidade de que a Sinai, empresa inativa e sem rendimentos declarados, emprestasse meio milhão de Reais ao candidato, por não haver respaldo lícito para esta disponibilidade de recursos. Tentativa de demonstrar a quitação do valor do empréstimo. Incongruências inconciliáveis nas versões apresentadas por Sebastião Quintão e Rodrigo Quintão. Conclusão pela inexistência do empréstimo.
5 - Recursos de fonte desconhecida. Emprego de ardis destinados a ocultar a real procedência de R$2.073.350,00 injetados na campanha dos réus, fonte de recursos que ainda permanece desconhecida. Mesmo se encampada a tese que a transferência de R$1.350.000,00 pela Sinais, independentemente da existência de título jurídico, não ofende diretamente a legislação eleitoral, o volume de recursos de origem desconhecida ainda perfaz R$723.350,00.
Comprovação de fraude na arrecadação de recursos. A conduta adotada, no sentido de deliberadamente camuflar a realidade da campanha denota a má-fé que norteou a arrecadação dos recursos pelos réus e denuncia a ilicitude perpetrada, independentemente da identificação da origem real dos recursos. O art. 30-A da Lei das Eleicoes não se limita a vedar formação de "caixa 2" , alcançando QUALQUER PRÁTIVA INSIDIOSA DESTINADA A OCULTAR O REAL FINANCIAMENTO DA CAMPANHA. As condutas praticadas pelos réus revelam-se mais pérfidas que o malsinado "caixa 2" , porquanto mais audaciosas. Os candidatos mostraram à Justiça Eleitoral os recursos ilicitamente injetados na campanha, mas declararam-nos como próprios, a fim de conferir-lhes aparência de legalidade. Para sustentar o engodo, exibiram um espetáculo leviano de inverdades. Colocaram-se a salvo da acusação da formação de "caixa 2" , já que os recursos transitaram pela conta de campanha. Todavia, mesmo sem utilizar "caixa 2" , lesaram profundamente o bem jurídico tutelado pelo art. 30-A. Fato é que a Justiça Eleitoral não conhece a verdadeira origem de mais de R$2.000.000,00 que aportaram na campanha dos recorrentes. Mesmo na mais benevolente interpretação das provas, resta desconhecida a procedência de montante que ultrapassa R$700.000,00. A TRANSPARÊNCIA DA ARRECADAÇÃO FOI FERIDA DE MORTE, E TALVEZ JAMAIS SE SAIBA A SERVIÇO DE QUAL NEFASTO INTERESSE. Por fim, as vultosas quantias postas à margem da fiscalização plena da sociedade impedem a aplicação do princípio da proporcionalidade.
Recurso a que se nega provimento, para manter a cassação dos diplomas dos representados”.
por Alceu Luís Castilho
LEIA MAIS:
Bens do relator do Código da Mineração aumentaram oito vezes em oito anos
Bens do relator do Código da Mineração aumentaram oito vezes em oito anos
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)*
O relator do Código de Mineração na Câmara, o advogado e economista Leonardo Quintão (PMDB-RJ), teve uma trajetória econômica bem-sucedida desde 2002, quando foi eleito deputado estadual, até 2010, quando foi reeleito deputado federal. Seus bens saltaram de R$ 314 mil para R$ 2,6 milhões. Um aumento de 828%.
Em 2002, quando disputou e ganhou uma vaga na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, pelo PSB, ele tinha R$ 314 mil. Declarou-se economista. O bem mais significativo era uma loja, doada por Sebastião de Barros Quintão, seu pai, ex-prefeito de Ipatinga, no valor de R$ 131 mil.
(O empresário e fazendeiro Sebastião Quintão renunciou à candidatura a vice-prefeito de Ipatinga em 2012, após ter o pedido indeferido pela Justiça Eleitoral. Ele declarou possuir R$ 1,7 milhão. Foi cassado duas vezes quando prefeito, acusado de crime eleitoral. Em 2004 foi alvo de denúncias de trabalho escravo, e teve de fechar um acordo com o Ministério Público do Trabalho. Dono de cartório de registro de imóveis, ele já foi condenado por improbidade administrativa e usava sempre um chapéu de fazendeiro.)
Mas voltemos a Leonardo. Em 2006, quando foi eleito pela primeira vez para a Câmara dos Deputados, já no PMDB, Leonardo Quintão declarou R$ 986 mil. Ele tinha 31 anos e se definiu como advogado. Mais da metade desse montante, R$ 557 mil, referia-se a um apartamento em Belo Horizonte.
Vejamos agora os bens de 2012, conforme a declaração entregue por Quintão à Justiça Eleitoral. Note-se que aparece na declaração uma empresa agropecuária, por R$ 588 mil. O primeiro item, truncado como “Belo Horizonte”, deve se referir a algum imóvel urbano. Antes advogado ou economista, ele informava agora ser deputado:
BENS – LEONARDO QUINTÃO (2012)
Belo Horizonte - R$ 875.000,00
Credito Com O Irmao Rodrigo Lemos De Barros Quintao - R$ 312.500,00
Sinai Agropecuaria S/A - R$ 588.000,00
Banco Bradesco - R$ 54.188,26
Caixa Economica Federal - R$ 3.073,93
Emprestimo Com Sebastiao De Barros Quintao - R$ 260.000,00
Pegeout 307 Sw Vendida Em 2009 - R$ 71.850,00
Kia Carens - R$ 67.500,00
Saldo Em Conta Corrente Cef - R$ 5.406,60
Emprestimo A Elijah - Administração E Participaçoes Ltda - R$ 400.000,00
Bradesco Poupança - Poliana Madalon Fraga Quintao - Esposa - R$ 321,68
Valor total dos bens declarados: R$ 2.637.840,47
A Sinai Agropecuária já aparecia em uma declaração de bens do pai, Sebastião Quintão. Em 2010, a empresa foi decisiva para o relator do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Marcelo Ribeiro, rejeitar as contas do fazendeiro. Ele identificou sucessivas mudanças de versão, “que evidenciam o esforço de ocultação empreendido”.
LEIA MAIS: Ministro do TSE viu ‘malícia’ e irregularidades na Sinai ao cassar mandato de Sebastião Quintão
* o titular deste blog é também o autor do livro "Partido da Terra - como os políticos conquistam o território brasileiro" (Editora Contexto, 2012)
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por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)*
O relator do Código de Mineração na Câmara, o advogado e economista Leonardo Quintão (PMDB-RJ), teve uma trajetória econômica bem-sucedida desde 2002, quando foi eleito deputado estadual, até 2010, quando foi reeleito deputado federal. Seus bens saltaram de R$ 314 mil para R$ 2,6 milhões. Um aumento de 828%.
Em 2002, quando disputou e ganhou uma vaga na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, pelo PSB, ele tinha R$ 314 mil. Declarou-se economista. O bem mais significativo era uma loja, doada por Sebastião de Barros Quintão, seu pai, ex-prefeito de Ipatinga, no valor de R$ 131 mil.
(O empresário e fazendeiro Sebastião Quintão renunciou à candidatura a vice-prefeito de Ipatinga em 2012, após ter o pedido indeferido pela Justiça Eleitoral. Ele declarou possuir R$ 1,7 milhão. Foi cassado duas vezes quando prefeito, acusado de crime eleitoral. Em 2004 foi alvo de denúncias de trabalho escravo, e teve de fechar um acordo com o Ministério Público do Trabalho. Dono de cartório de registro de imóveis, ele já foi condenado por improbidade administrativa e usava sempre um chapéu de fazendeiro.)
Mas voltemos a Leonardo. Em 2006, quando foi eleito pela primeira vez para a Câmara dos Deputados, já no PMDB, Leonardo Quintão declarou R$ 986 mil. Ele tinha 31 anos e se definiu como advogado. Mais da metade desse montante, R$ 557 mil, referia-se a um apartamento em Belo Horizonte.
Vejamos agora os bens de 2012, conforme a declaração entregue por Quintão à Justiça Eleitoral. Note-se que aparece na declaração uma empresa agropecuária, por R$ 588 mil. O primeiro item, truncado como “Belo Horizonte”, deve se referir a algum imóvel urbano. Antes advogado ou economista, ele informava agora ser deputado:
BENS – LEONARDO QUINTÃO (2012)
Belo Horizonte - R$ 875.000,00
Credito Com O Irmao Rodrigo Lemos De Barros Quintao - R$ 312.500,00
Sinai Agropecuaria S/A - R$ 588.000,00
Banco Bradesco - R$ 54.188,26
Caixa Economica Federal - R$ 3.073,93
Emprestimo Com Sebastiao De Barros Quintao - R$ 260.000,00
Pegeout 307 Sw Vendida Em 2009 - R$ 71.850,00
Kia Carens - R$ 67.500,00
Saldo Em Conta Corrente Cef - R$ 5.406,60
Emprestimo A Elijah - Administração E Participaçoes Ltda - R$ 400.000,00
Bradesco Poupança - Poliana Madalon Fraga Quintao - Esposa - R$ 321,68
Valor total dos bens declarados: R$ 2.637.840,47
A Sinai Agropecuária já aparecia em uma declaração de bens do pai, Sebastião Quintão. Em 2010, a empresa foi decisiva para o relator do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Marcelo Ribeiro, rejeitar as contas do fazendeiro. Ele identificou sucessivas mudanças de versão, “que evidenciam o esforço de ocultação empreendido”.
LEIA MAIS: Ministro do TSE viu ‘malícia’ e irregularidades na Sinai ao cassar mandato de Sebastião Quintão
* o titular deste blog é também o autor do livro "Partido da Terra - como os políticos conquistam o território brasileiro" (Editora Contexto, 2012)
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sexta-feira, 26 de julho de 2013
Globo afirma catolicismo acrítico como seu nicho de mercado
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
Os apresentadores da Globo sorriem o tempo todo ao falar do papa. Aquele sorriso condescendente, como se todos concordassem com a santidade do líder religioso. É uma simpatia incondicional, acrítica. Adesão, teatralizada, e não jornalismo. Difícil definir qual deles é o mais subserviente. Sandra Annenberg, no jornal Hoje, até balança a cabeça de tanto sorrir. Nada de tão diferente nos demais programas. Apresentadores e repórteres consideram-se enviados especiais ao paraíso. Um deles imaginou-se, no mesmo jornal vespertino, em pleno Vaticano. “Parece a Praça São Pedro!” – deslumbrava-se.
Não é só pelo tempo da cobertura, portanto, que a Globo afirma os católicos – ainda maioria no Brasil - como seu nicho principal de mercado. Pois é disso que se trata. De uma estratégia com matriz comercial, de olho nos números, de olho na tomada das outras emissoras por programas evangélicos. Isto para não falar da Record, da Igreja Universal. (A Band joga para os dois públicos. Um repórter dessa emissora chegou a pedir bênção, no avião que trouxe o pontífice para o Brasil, de uma maneira reverente ao extremo. Um comportamento de fiel especialmente fanático, não de um repórter.)
Não se trata de pacto com qualquer catolicismo. Este tem suas contradições. O catolicismo progressista - aquele que defende índios e camponeses, por exemplo – fica de fora desse script. A emissora não está enviando repórteres para celebrar os padres e bispos que defendem os excluídos, os moradores de rua. Não falará dos padres que foram assassinados por se posicionarem firmemente em relação aos conflitos no campo. Não teremos Comissão Pastoral da Terra e Conselho Indigenista Missionário no noticiário.
Esse pseudojornalismo em plena afirmação - um jornalismo de hóstia - tenderá a migrar para o restante do noticiário. A partir do momento que a Globo assuma com mais ênfase os valores desse setor do catolicismo. De um papa simpático, que coloca os pobres em pauta (o que tem seu mérito), mas sem vilões, sem opressores. Pobres sem uma história econômica por trás, um sistema produtivo que os prevê, que deles se utiliza para enriquecer uma minoria. “Pobres”, inclusive, com esse termo apenas. E não “trabalhadores”, camponeses, protagonistas.
Ou seja, esse jornalismo tenderá a ser ainda mais alienado e com horror a conflitos. Veremos um acirramento da tradicional varrida desses conflitos para debaixo do tapete. A violência policial seguirá não sendo tomada como deveria ser: como uma ação do Estado para preservar a propriedade privada e seus pactos com as elites econômicas. A violência social (reduzida à violência nas favelas, nas comunidades) não será discutida à luz da história da desigualdade. Os violentos seguirão retratados como se fossem uma espécie de demônios.
Isso vale para a cobertura dos protestos de rua. "Vândalos e baderneiros" encaixam-se nessa narrativa desconectada da história, como se os manifestantes mais revoltados fossem uma expressão diabólica. (Leia aqui: "As elites vândalas, a imprensa baderneira e os policiais bandidos".) Como é possível compatibilizar uma cobertura sorridente do papa com a crítica à foto do pontífice com policiais do Bope?
Essa lógica vale também para a cobertura de questão agrária, da questão indígena, da questão ambiental. A marcha inexorável dos bonzinhos peitará os políticos proprietários de terra, os desmatadores na Amazônia, os correntões que arrastam árvores, as grilagens, as ameaças sistemáticas a sem-terra? (Práticas, aliás, de muito coronel que vai à missa e comunga toda semana.)
O nicho de mercado redefinido pela Globo é católico, sim. Mas vai ao encontro do nicho anterior: o do pacto dos meios de comunicação tradicionais com as elites brasileiras. E não apenas as elites mais civilizadas, ou com algum sentimento de culpa. Essas elites podem ser, eventualmente, cordiais. O que não as torna menos violentas e promotoras da desigualdade. Sem que a imprensa atente a essa face bem nascida da violência.
Esse pacto já foi feito em tempos de democracia e de ditadura. Agora se afirma nesta nossa nova democracia-ditadura, esta democracia pela metade, esta democracia que naturaliza os policiais sem identificação, as prisões sem provas, as detenções com acusações vazias, as manifestações controladas, o direito de ir e vir às favas, os governadores jagunços e uma justiça distraída.
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por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
Os apresentadores da Globo sorriem o tempo todo ao falar do papa. Aquele sorriso condescendente, como se todos concordassem com a santidade do líder religioso. É uma simpatia incondicional, acrítica. Adesão, teatralizada, e não jornalismo. Difícil definir qual deles é o mais subserviente. Sandra Annenberg, no jornal Hoje, até balança a cabeça de tanto sorrir. Nada de tão diferente nos demais programas. Apresentadores e repórteres consideram-se enviados especiais ao paraíso. Um deles imaginou-se, no mesmo jornal vespertino, em pleno Vaticano. “Parece a Praça São Pedro!” – deslumbrava-se.
Não é só pelo tempo da cobertura, portanto, que a Globo afirma os católicos – ainda maioria no Brasil - como seu nicho principal de mercado. Pois é disso que se trata. De uma estratégia com matriz comercial, de olho nos números, de olho na tomada das outras emissoras por programas evangélicos. Isto para não falar da Record, da Igreja Universal. (A Band joga para os dois públicos. Um repórter dessa emissora chegou a pedir bênção, no avião que trouxe o pontífice para o Brasil, de uma maneira reverente ao extremo. Um comportamento de fiel especialmente fanático, não de um repórter.)
Não se trata de pacto com qualquer catolicismo. Este tem suas contradições. O catolicismo progressista - aquele que defende índios e camponeses, por exemplo – fica de fora desse script. A emissora não está enviando repórteres para celebrar os padres e bispos que defendem os excluídos, os moradores de rua. Não falará dos padres que foram assassinados por se posicionarem firmemente em relação aos conflitos no campo. Não teremos Comissão Pastoral da Terra e Conselho Indigenista Missionário no noticiário.
Esse pseudojornalismo em plena afirmação - um jornalismo de hóstia - tenderá a migrar para o restante do noticiário. A partir do momento que a Globo assuma com mais ênfase os valores desse setor do catolicismo. De um papa simpático, que coloca os pobres em pauta (o que tem seu mérito), mas sem vilões, sem opressores. Pobres sem uma história econômica por trás, um sistema produtivo que os prevê, que deles se utiliza para enriquecer uma minoria. “Pobres”, inclusive, com esse termo apenas. E não “trabalhadores”, camponeses, protagonistas.
Ou seja, esse jornalismo tenderá a ser ainda mais alienado e com horror a conflitos. Veremos um acirramento da tradicional varrida desses conflitos para debaixo do tapete. A violência policial seguirá não sendo tomada como deveria ser: como uma ação do Estado para preservar a propriedade privada e seus pactos com as elites econômicas. A violência social (reduzida à violência nas favelas, nas comunidades) não será discutida à luz da história da desigualdade. Os violentos seguirão retratados como se fossem uma espécie de demônios.
Isso vale para a cobertura dos protestos de rua. "Vândalos e baderneiros" encaixam-se nessa narrativa desconectada da história, como se os manifestantes mais revoltados fossem uma expressão diabólica. (Leia aqui: "As elites vândalas, a imprensa baderneira e os policiais bandidos".) Como é possível compatibilizar uma cobertura sorridente do papa com a crítica à foto do pontífice com policiais do Bope?
Essa lógica vale também para a cobertura de questão agrária, da questão indígena, da questão ambiental. A marcha inexorável dos bonzinhos peitará os políticos proprietários de terra, os desmatadores na Amazônia, os correntões que arrastam árvores, as grilagens, as ameaças sistemáticas a sem-terra? (Práticas, aliás, de muito coronel que vai à missa e comunga toda semana.)
O nicho de mercado redefinido pela Globo é católico, sim. Mas vai ao encontro do nicho anterior: o do pacto dos meios de comunicação tradicionais com as elites brasileiras. E não apenas as elites mais civilizadas, ou com algum sentimento de culpa. Essas elites podem ser, eventualmente, cordiais. O que não as torna menos violentas e promotoras da desigualdade. Sem que a imprensa atente a essa face bem nascida da violência.
Esse pacto já foi feito em tempos de democracia e de ditadura. Agora se afirma nesta nossa nova democracia-ditadura, esta democracia pela metade, esta democracia que naturaliza os policiais sem identificação, as prisões sem provas, as detenções com acusações vazias, as manifestações controladas, o direito de ir e vir às favas, os governadores jagunços e uma justiça distraída.
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domingo, 21 de julho de 2013
Ensaio sobre coxinhas
O termo "coxinha" é despolitizado. Ele ameniza a sordidez. Existem policiais violentos, existem políticos que promovem a barbárie, governadores cruéis, existe gente cúmplice, indiferente, canalha. Existem jornalistas cínicos, médicos desumanos, advogados sem ética. Existem elites monstruosas, existem fazendeiros (ou netos de empresários) que escarnecem dos mais pobres, existem oligarcas sem escrúpulos, existem grileiros, desmatadores, ladrões de colarinho branco, existem racistas, homofóbicos. Em todas essas situações está lá, de forma explícita ou latente, a violência. A violência de 513 anos, a violência do sistema econômico, a opção - na maior parte dos casos, consciente - pela espoliação, pela discriminação, pela perpetuação da desigualdade. Nada disso é traduzido pela palavra "coxinha". O conezinho de frango não sintetiza os inimigos. Estes são os canalhas, aqueles que patrocinam a repressão, que envenenam a nossa comida, aqueles que defendem a tortura e a execução de jovens negros. Escravocratas, violadores de direitos, atropeladores da saúde, assassinos da educação, pulhas de diversos quilates. Desalimentemos as imprecisões de linguagem, portanto. Não há modismo linguístico que sintetize a gigantesca soma de violências praticadas no Brasil por vermes, por gente que exclui, que acende diariamente o fogo da exclusão. Aos agressores, os termos exatos. Eles não são um quitute. Os coniventes, também não. Que seja denominada a cada covarde a sua pequenez específica, a sua transbordante falta de glória. Patifes: vocês têm vários nomes.
Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)
Com desenho de Eduardo Simch
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O termo "coxinha" é despolitizado. Ele ameniza a sordidez. Existem policiais violentos, existem políticos que promovem a barbárie, governadores cruéis, existe gente cúmplice, indiferente, canalha. Existem jornalistas cínicos, médicos desumanos, advogados sem ética. Existem elites monstruosas, existem fazendeiros (ou netos de empresários) que escarnecem dos mais pobres, existem oligarcas sem escrúpulos, existem grileiros, desmatadores, ladrões de colarinho branco, existem racistas, homofóbicos. Em todas essas situações está lá, de forma explícita ou latente, a violência. A violência de 513 anos, a violência do sistema econômico, a opção - na maior parte dos casos, consciente - pela espoliação, pela discriminação, pela perpetuação da desigualdade. Nada disso é traduzido pela palavra "coxinha". O conezinho de frango não sintetiza os inimigos. Estes são os canalhas, aqueles que patrocinam a repressão, que envenenam a nossa comida, aqueles que defendem a tortura e a execução de jovens negros. Escravocratas, violadores de direitos, atropeladores da saúde, assassinos da educação, pulhas de diversos quilates. Desalimentemos as imprecisões de linguagem, portanto. Não há modismo linguístico que sintetize a gigantesca soma de violências praticadas no Brasil por vermes, por gente que exclui, que acende diariamente o fogo da exclusão. Aos agressores, os termos exatos. Eles não são um quitute. Os coniventes, também não. Que seja denominada a cada covarde a sua pequenez específica, a sua transbordante falta de glória. Patifes: vocês têm vários nomes.
Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)
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sexta-feira, 19 de julho de 2013
Entrevista sobre Carlo Giuliani ajuda a entender junho de 2013, Brasil
O jornalista italiano Carlo Gubitosa lançou um livro em 2004 sobre a morte de Carlo Giuliani e os conflitos em Gênova, durante reunião do G-8, em 20 de julho de 2001. Há exatamente 12 anos o manifestante italiano era morto por um policial. Levou um tiro. Eu entrevistei Gubitosa para a Agência Repórter Social, logo após o lançamento do livro. Ao reler a entrevista, agora, fiquei impressionado com a atualidade do relato e das considerações do jornalista, tendo em vista o contexto dos protestos brasileiros, em junho de 2013. Está lá a discussão sobre a violência da polícia, sua militarização, estão lá os black bloc e as divergências de estratégias entre os manifestantes, está lá a lógica econômica excludente.Segue o texto como foi publicado em 2004:
por ALCEU LUÍS CASTILHO (Agência Repórter Social)
Em sua obra "Nome per Nome", lançada na Itália, Gubitosa detalha acontecimentos da reunião do G-8, que gerou um mártir e se tornou um evento-símbolo dos movimentos mundiais por outra globalização
Em julho de 2001, o G-8, grupo de países mais ricos e poderosos do mundo, reuniu-se em Gênova, na Itália, para sua reunião de cúpula, em perímetro fechado para manifestações de protesto. Alguns ativistas invadiram o local reservado e entraram em confronto com a polícia. O estudante Carlo Giuliani morreu – atingido pelo policial Mario Plastanica - e virou símbolo de resistência entre os movimentos mundiais por outra globalização. O jornalista italiano Carlo Gubitosa acompanhou tudo de perto e decidiu escrever um livro – lançado em julho na Itália - contando passo a passo, praça por praça, nome por nome, o que aconteceu naquela semana em seu país. Para os italianos, o episódio tem a mesma importância que o 11 de setembro de 2001 para os norte-americanos. Em entrevista ao Repórter Social, Gubitosa alerta sobre o papel da mídia no acirramento dos confrontos e cobra posturas pacíficas dos ativistas.
Repórter Social – O que mudou depois daqueles sete dias em Gênova, na Itália e no mundo?
Carlo Gubitosa – Na Itália mudou tudo, no mundo nada. Na Itália mudou tudo porque milhões de jovens perceberam que a democracia não é um presente que recebemos de nossos pais, mas uma coisa preciosa a ser cuidado todos os dias pelos nossos filhos, que não pode ser abandonada a si mesma, mas requer a participação e a atenção de todos. As violências cometidas pela polícia revelaram que a polícia na Itália não era mais uma “polícia de Estado”, isto é, gestada pelo Estado e pelos cidadãos, mas está lentamente transformando-se em um grupo de “guardas armados” sem relação de confiança e de colaboração com os cidadãos, instrumentalizados e usados pelos políticos e pelos poderosos para promover a paz em suas festas e reuniões. Por este ponto de vista muitas coisas mudaram, alguns sindicatos de policiais entenderam que a ação das associações e dos movimentos sociais não é um risco para a segurança, mas uma riqueza para a construção conjunta de uma colaboração entre as partes mais saudáveis do país. Em 2002 alguns policiais se encontraram com os garotos espancados em Gênova na escola Diaz, e este encontro foi muito bonito, porque não foi um encontro entre “inimigos”, mas entre pessoas que sofreram diversos tipos de violência. Os garotos tinham sofrido a violência do Estado e os policiais honestos tinham sofrido a violência dos poderosos, que os transformaram em cães de guarda do G8, constrangendo-os a turnos massacrantes e criando um cenário de confronto que poderia ter sido evitado.
Repórter Social – Por que decidiu escrever o livro?
Gubitosa – Porque estava em Gênova e fiquei profundamente impressionado com toda a violência que vi. Trabalhar por dois anos numa investigação sobre os fatos de Gênova foi uma forma de automedicação que me ajudou a superar o trauma daqueles dias com uma busca constante da verdade, mesmo quando esta verdade era incômoda ou repulsiva. No meu livro, na verdade, não se condena somente a violência física, mas também aquela verbal, sobretudo quando quem a utiliza são os grupos que se manisfestaram em Gênova. Refiro-me à “declaração de guerra” dos “Tute Bianche” (Macacões Brancos) italianos, que pretendia ser somente um modo de atrair a atenção e gritar em voz alta a própria contrariedade em relação às injustiças e desigualdades, mas se transformou numa perigosa “arma midiática” que contribuiu para elevar o nível de confronto durante as manifestações.
Repórter Social – Que coisas acontecem nos protestos por outra globalização que os jornais não publicam?
Carlo Gubitosa – Nas manifestações de protestos os jornais dão voz somente à violência, criando uma espiral onde vence quem levanta mais a voz e leva as mensagens mais “fortes” e “sensacionais”. É por isso que, do ponto de vista da mídia, quem venceu em Gênova foram os Black Bloc (anarquistas radicais), que se tornaram o grupo organizado mais visível e conhecido. Aquilo que é necessário interromper é a espiral crescente que alimenta a violência da praça com a violência midiática. Os jornais oferecem aos jovens uma mensagem escondida: “se quebrarem a vitrine conseguirão a primeira página, se falarem de conteúdo sério, infelizmente não serão notícia”. É por isso que o movimento dos Black Bloc cresceu e se desenvolveu nos EUA a partir da Europa, porque é exatamente nos Estados Unidos que a política-espetáculo atingiu sua máxima expressão. O que persiste ignorado e coberto por um véu de silêncio são as importantes reflexões científicas e culturais realizadas por todos os grupos, associações, ONGs e os especialistas que estão estudando os problemas das biotecnologias, da distribuição injusta dos recursos do planeta, da necessidade de encontrar uma alternativa à energia do petróleo, dos riscos ambientais associados ao nosso modelo de desenvolvimento. Este ano na Europa muitas pessoas morreram por causa do calor, e se fala de milhares de vítimas. Muitos acreditam que este calor tenha sido um fenômeno natural e inevitável, outros pensam que o superaquecimento do planeta não seja natural, mas sim devido à estupidez humana na gestão da única terra que possuímos.
Repórter Social – Os Fóruns Sociais, como os de Porto Alegre e Mumbai, são uma alternativa suficiente aos movimentos sociais?
Gubitosa – É importante reunir as pessoas de todo o mundo, mas é igualmente importante que nestes encontros elas aprendam a se reunir e organizarem-se também sozinhas, sem “Fóruns Sociais” ou eventos excepcionais, criando pequenos grupos em cada cidade e em cada quarteirão. Aldo Capitini, que levou a cultura da não-violência ao meu país e é conhecido como o “Gandhi italiano”, sustentava a necessidade de substituir o capitalismo, o militarismo, o socialismo e o comunismo por uma nova forma de “poder de baixo” que ele chamava de “omnicracia” (o poder de todos). Para a realização de uma sociedade baseada na omnicracia é necessário que todos os dias cada cidadão seja uma parte ativa do território em que vive, e não somente um espectador dos grandes eventos mundiais. Portanto acho que há necessidade de eventos “globais”, mas eles não são suficientes para mudar as coisas se não criam poderes “locais” e distribuídos que tenham condições de representar uma verdadeira alternativa ao poder centralizado e violento que se exprime nas formas mais diversas, mesmo no interior dos movimentos quando não se escutam as vozes de todos, mas somente dos poucos que tomam as decisões.
Repórter Social – A polícia no resto do mundo é muito diferente da italiana?
Gubitosa – Por sorte não tenho experiência direta com a polícia do resto do mundo, mas posso dizer que a polícia italiana está cumprindo um processo de involução autoritária. Em 1981 a polícia foi desmilitarizada e transformada em um órgão civil, graças também à colaboração entre policiais e sindicatos, realizada com a mediação dos partidos católicos e da esquerda. Isto levou à criação de uma polícia onde os policiais tinham mais direitos e se sentiam mais próximos dos cidadãos que defendiam. Nos anos 90, com o governo de Massimo D’Alema ocorreu o fenômeno contrário: os carabinieri foram transformados numa corporação militar, e por fim treinaram o novo exército afegão nascido após a guerra. Isto distanciou os carabinieri dos cidadãos, e de fato no meu livro são pouquíssimos os carabinieri que falam e contam suas experiências, porque são levados a respeitar o segredo militar. Hoje estamos no auge desta involução, que distancia a polícia dos cidadãos e a transforma num aparato militar, onde não se aplica o diálogo e a prevenção, para evitar os crimes antes que aconteçam, mas se exercita uma forte repressão contra todas as formas de discordância.
Repórter Social – Existe mesmo democracia no Ocidente?
Gubitosa – Acho que ainda existe, mas infelizmente uma geração viciada que não conheceu a ditadura não percebeu ainda que a democracia é consquistada todos os dias. O que acontece é exatamente o oposto: as pessoas não vão mais votar, há desinteresse pela política, quem se engaja nas associações é rotulado como um idealista, um sonhador pouco concreto ou um subversivo.
Repórter Social – Quais são os grandes erros daqueles que não aceitam a ordem atual?
Gubitosa – O maior erro é a falta de coragem em rejeitar todas as formas de violência, não apenas as militares e policiais, mas também as violências verbais e aquelas da política onde se decide quem tem mais poder e não quem tem as melhores idéias. Um movimento verdadeiramente revolucionário deveria seguir o exemplo dos maiores resultados da luta não violenta: penso na libertação da África do Sul por Mandela, na luta de Martin Luther King contra a segregação, no empenho anticolonial de Gandhi e no fato que hoje temos um continente pacífico, a Europa, onde há apenas 50 anos europeus assassinavam outros europeus durante a guerra. Esses exemplos demonstram que é possível criar um continente pacífico, e portanto podemos esperar um mundo pacífico, e, sem utilizar a violência, mesmo a verbal, se pode verdadeiramente mudar o mundo. A revolução de verdade é aquela da não-violência de Gandhi, mas nos movimentos sociais nem todos escolheram esse caminho.
Repórter Social - Como a imprensa européia publica as notícias sobre os movimentos brasileiros, como o MST?
Gubitosa – Estas realidades são praticamente ignoradas, com algumas exceções. Além do sítio onde colaboro, www.peacelink.it, os fatos da América Latina são relatados de maneira séria também por agências como a "Redattore Sociale" (www.redattoresociale.it) e a "Misna" (www.misna.org). Mas os grandes diários e televisões ignoram sistematicamente o trabalho de quem retratar a América Latina de outra perspectiva.
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O jornalista italiano Carlo Gubitosa lançou um livro em 2004 sobre a morte de Carlo Giuliani e os conflitos em Gênova, durante reunião do G-8, em 20 de julho de 2001. Há exatamente 12 anos o manifestante italiano era morto por um policial. Levou um tiro. Eu entrevistei Gubitosa para a Agência Repórter Social, logo após o lançamento do livro. Ao reler a entrevista, agora, fiquei impressionado com a atualidade do relato e das considerações do jornalista, tendo em vista o contexto dos protestos brasileiros, em junho de 2013. Está lá a discussão sobre a violência da polícia, sua militarização, estão lá os black bloc e as divergências de estratégias entre os manifestantes, está lá a lógica econômica excludente.Segue o texto como foi publicado em 2004:
por ALCEU LUÍS CASTILHO (Agência Repórter Social)
Em sua obra "Nome per Nome", lançada na Itália, Gubitosa detalha acontecimentos da reunião do G-8, que gerou um mártir e se tornou um evento-símbolo dos movimentos mundiais por outra globalização
Em julho de 2001, o G-8, grupo de países mais ricos e poderosos do mundo, reuniu-se em Gênova, na Itália, para sua reunião de cúpula, em perímetro fechado para manifestações de protesto. Alguns ativistas invadiram o local reservado e entraram em confronto com a polícia. O estudante Carlo Giuliani morreu – atingido pelo policial Mario Plastanica - e virou símbolo de resistência entre os movimentos mundiais por outra globalização. O jornalista italiano Carlo Gubitosa acompanhou tudo de perto e decidiu escrever um livro – lançado em julho na Itália - contando passo a passo, praça por praça, nome por nome, o que aconteceu naquela semana em seu país. Para os italianos, o episódio tem a mesma importância que o 11 de setembro de 2001 para os norte-americanos. Em entrevista ao Repórter Social, Gubitosa alerta sobre o papel da mídia no acirramento dos confrontos e cobra posturas pacíficas dos ativistas.
Repórter Social – O que mudou depois daqueles sete dias em Gênova, na Itália e no mundo?
Carlo Gubitosa – Na Itália mudou tudo, no mundo nada. Na Itália mudou tudo porque milhões de jovens perceberam que a democracia não é um presente que recebemos de nossos pais, mas uma coisa preciosa a ser cuidado todos os dias pelos nossos filhos, que não pode ser abandonada a si mesma, mas requer a participação e a atenção de todos. As violências cometidas pela polícia revelaram que a polícia na Itália não era mais uma “polícia de Estado”, isto é, gestada pelo Estado e pelos cidadãos, mas está lentamente transformando-se em um grupo de “guardas armados” sem relação de confiança e de colaboração com os cidadãos, instrumentalizados e usados pelos políticos e pelos poderosos para promover a paz em suas festas e reuniões. Por este ponto de vista muitas coisas mudaram, alguns sindicatos de policiais entenderam que a ação das associações e dos movimentos sociais não é um risco para a segurança, mas uma riqueza para a construção conjunta de uma colaboração entre as partes mais saudáveis do país. Em 2002 alguns policiais se encontraram com os garotos espancados em Gênova na escola Diaz, e este encontro foi muito bonito, porque não foi um encontro entre “inimigos”, mas entre pessoas que sofreram diversos tipos de violência. Os garotos tinham sofrido a violência do Estado e os policiais honestos tinham sofrido a violência dos poderosos, que os transformaram em cães de guarda do G8, constrangendo-os a turnos massacrantes e criando um cenário de confronto que poderia ter sido evitado.
Repórter Social – Por que decidiu escrever o livro?
Gubitosa – Porque estava em Gênova e fiquei profundamente impressionado com toda a violência que vi. Trabalhar por dois anos numa investigação sobre os fatos de Gênova foi uma forma de automedicação que me ajudou a superar o trauma daqueles dias com uma busca constante da verdade, mesmo quando esta verdade era incômoda ou repulsiva. No meu livro, na verdade, não se condena somente a violência física, mas também aquela verbal, sobretudo quando quem a utiliza são os grupos que se manisfestaram em Gênova. Refiro-me à “declaração de guerra” dos “Tute Bianche” (Macacões Brancos) italianos, que pretendia ser somente um modo de atrair a atenção e gritar em voz alta a própria contrariedade em relação às injustiças e desigualdades, mas se transformou numa perigosa “arma midiática” que contribuiu para elevar o nível de confronto durante as manifestações.
Repórter Social – Que coisas acontecem nos protestos por outra globalização que os jornais não publicam?
Carlo Gubitosa – Nas manifestações de protestos os jornais dão voz somente à violência, criando uma espiral onde vence quem levanta mais a voz e leva as mensagens mais “fortes” e “sensacionais”. É por isso que, do ponto de vista da mídia, quem venceu em Gênova foram os Black Bloc (anarquistas radicais), que se tornaram o grupo organizado mais visível e conhecido. Aquilo que é necessário interromper é a espiral crescente que alimenta a violência da praça com a violência midiática. Os jornais oferecem aos jovens uma mensagem escondida: “se quebrarem a vitrine conseguirão a primeira página, se falarem de conteúdo sério, infelizmente não serão notícia”. É por isso que o movimento dos Black Bloc cresceu e se desenvolveu nos EUA a partir da Europa, porque é exatamente nos Estados Unidos que a política-espetáculo atingiu sua máxima expressão. O que persiste ignorado e coberto por um véu de silêncio são as importantes reflexões científicas e culturais realizadas por todos os grupos, associações, ONGs e os especialistas que estão estudando os problemas das biotecnologias, da distribuição injusta dos recursos do planeta, da necessidade de encontrar uma alternativa à energia do petróleo, dos riscos ambientais associados ao nosso modelo de desenvolvimento. Este ano na Europa muitas pessoas morreram por causa do calor, e se fala de milhares de vítimas. Muitos acreditam que este calor tenha sido um fenômeno natural e inevitável, outros pensam que o superaquecimento do planeta não seja natural, mas sim devido à estupidez humana na gestão da única terra que possuímos.
Repórter Social – Os Fóruns Sociais, como os de Porto Alegre e Mumbai, são uma alternativa suficiente aos movimentos sociais?
Gubitosa – É importante reunir as pessoas de todo o mundo, mas é igualmente importante que nestes encontros elas aprendam a se reunir e organizarem-se também sozinhas, sem “Fóruns Sociais” ou eventos excepcionais, criando pequenos grupos em cada cidade e em cada quarteirão. Aldo Capitini, que levou a cultura da não-violência ao meu país e é conhecido como o “Gandhi italiano”, sustentava a necessidade de substituir o capitalismo, o militarismo, o socialismo e o comunismo por uma nova forma de “poder de baixo” que ele chamava de “omnicracia” (o poder de todos). Para a realização de uma sociedade baseada na omnicracia é necessário que todos os dias cada cidadão seja uma parte ativa do território em que vive, e não somente um espectador dos grandes eventos mundiais. Portanto acho que há necessidade de eventos “globais”, mas eles não são suficientes para mudar as coisas se não criam poderes “locais” e distribuídos que tenham condições de representar uma verdadeira alternativa ao poder centralizado e violento que se exprime nas formas mais diversas, mesmo no interior dos movimentos quando não se escutam as vozes de todos, mas somente dos poucos que tomam as decisões.
Repórter Social – A polícia no resto do mundo é muito diferente da italiana?
Gubitosa – Por sorte não tenho experiência direta com a polícia do resto do mundo, mas posso dizer que a polícia italiana está cumprindo um processo de involução autoritária. Em 1981 a polícia foi desmilitarizada e transformada em um órgão civil, graças também à colaboração entre policiais e sindicatos, realizada com a mediação dos partidos católicos e da esquerda. Isto levou à criação de uma polícia onde os policiais tinham mais direitos e se sentiam mais próximos dos cidadãos que defendiam. Nos anos 90, com o governo de Massimo D’Alema ocorreu o fenômeno contrário: os carabinieri foram transformados numa corporação militar, e por fim treinaram o novo exército afegão nascido após a guerra. Isto distanciou os carabinieri dos cidadãos, e de fato no meu livro são pouquíssimos os carabinieri que falam e contam suas experiências, porque são levados a respeitar o segredo militar. Hoje estamos no auge desta involução, que distancia a polícia dos cidadãos e a transforma num aparato militar, onde não se aplica o diálogo e a prevenção, para evitar os crimes antes que aconteçam, mas se exercita uma forte repressão contra todas as formas de discordância.
Repórter Social – Existe mesmo democracia no Ocidente?
Gubitosa – Acho que ainda existe, mas infelizmente uma geração viciada que não conheceu a ditadura não percebeu ainda que a democracia é consquistada todos os dias. O que acontece é exatamente o oposto: as pessoas não vão mais votar, há desinteresse pela política, quem se engaja nas associações é rotulado como um idealista, um sonhador pouco concreto ou um subversivo.
Repórter Social – Quais são os grandes erros daqueles que não aceitam a ordem atual?
Gubitosa – O maior erro é a falta de coragem em rejeitar todas as formas de violência, não apenas as militares e policiais, mas também as violências verbais e aquelas da política onde se decide quem tem mais poder e não quem tem as melhores idéias. Um movimento verdadeiramente revolucionário deveria seguir o exemplo dos maiores resultados da luta não violenta: penso na libertação da África do Sul por Mandela, na luta de Martin Luther King contra a segregação, no empenho anticolonial de Gandhi e no fato que hoje temos um continente pacífico, a Europa, onde há apenas 50 anos europeus assassinavam outros europeus durante a guerra. Esses exemplos demonstram que é possível criar um continente pacífico, e portanto podemos esperar um mundo pacífico, e, sem utilizar a violência, mesmo a verbal, se pode verdadeiramente mudar o mundo. A revolução de verdade é aquela da não-violência de Gandhi, mas nos movimentos sociais nem todos escolheram esse caminho.
Repórter Social - Como a imprensa européia publica as notícias sobre os movimentos brasileiros, como o MST?
Gubitosa – Estas realidades são praticamente ignoradas, com algumas exceções. Além do sítio onde colaboro, www.peacelink.it, os fatos da América Latina são relatados de maneira séria também por agências como a "Redattore Sociale" (www.redattoresociale.it) e a "Misna" (www.misna.org). Mas os grandes diários e televisões ignoram sistematicamente o trabalho de quem retratar a América Latina de outra perspectiva.
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