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domingo, 15 de abril de 2012

Yago, 17, e Alisson, 15: execuções em SP são por “acidente” ou por rotina?
 
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
 
Yago estava na frente de uma escola, na manhã deste sábado, na Cohab 2 (José Bonifácio, Itaquera), zona leste de São Paulo. Tomou uma abordagem “de rotina” da polícia militar. Por “acidente”, levou dois tiros e morreu. Em junho de 2011, Alisson estava na frente de um bar, em São Miguel Paulista. Também na zona leste. Moradores ligaram para a polícia por causa do barulho dos bares. A PM chegou e, “por acidente”, deu um tiro - fatal - em sua cabeça.

O governador Geraldo Alckmin, de 59 anos, gastou 50 palavras para lamentar a morte de Yago. Vejamos a nota:

- O governador Geraldo Alckmin lamentou o triste episódio que culminou na morte de um cidadão nestas circunstâncias. Independentemente da investigação conduzida pela Policia Militar, a responsabilidade do Estado é inegável. Portanto, o governador determinou a imediata instauração de procedimento com vistas ao pagamento de indenização do Estado a família da vitima.
 
O que a teria a dizer a polícia militar sobre Yago?
 
Em nota, a PM, “com imenso pesar” disse que o soldado Bueno efetuou disparo acidental, atingindo sua mão direita e o ombro direito”. Mas o major Vagner Seraphim Queiroz disse (conforme o portal G1) que, provavelmente, “o rapaz deve ter feito algum gesto brusco".
 
E sobre Alisson, enterrado no Cemitério da Saudade? O que a PM disse sobre sua execução, no ano passado? Vejamos:
 
- Por motivos a serem esclarecidos, um dos policiais integrante da guarnição de uma viatura de Força Tática do 29º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano, ao abordar indivíduos suspeitos, na avenida Dr. Ussiel Cirilo, Vila Jacuí, efetuou um disparo de arma acidental, que atingiu o adolescente.
 
ACIDENTES SISTEMÁTICOS
 
De novo temos o “disparo acidental”, portanto. Em duas abordagens “de rotina”, para utilizar uma expressão da PM em relação à morte de Yago.Os dois PMs com dedo mole foram presos por homicídio culposo – e não doloso.
 
Chama a atenção a repetição sistemática de casos assim. Em Brasília, em 2008, um policial saiu correndo atrás de um torcedor do São Paulo, Nilton César de Jesus, de 26 anos. Quando este estava com as mãos para cima, levou uma coronhada – e um tiro. Morreu.
 
Mas lemos sempre que se tratam de casos “isolados”, “excepcionais”. Não são. São de rotina. Em São Paulo e no Rio as “resistências seguidas de morte” são um eufemismo para as execuções policiais. Em São Paulo, aumentaram 63,16%, em 2011, em relação a 2009: foram 186 mortes pela Rota, contra 114 no período anterior. Sempre em bairros pobres, como os de Yago e Alisson. Elas ocorrem às centenas, milhares ao longo dos anos. Tornaram-se endêmicas.
 
Yago, 17 e Alisson, 15, não tinham feito absolutamente nada. Ao contrário de Nilton, envolvido em uma briga de torcidas. (Evidentemente, não era exatamente a solução de Estado para a briga executar um torcedor acuado.) Mesmo assim, canalhas costumam escrever nas redes sociais que a vítima “deve ter feito algo”. Yago não fez. Ele e Alisson não fizeram.
 
A reação da mídia é tímida - ou pusilânime. Os portais divulgaram o caso de uma forma, digamos, rotineira. Uma notícia se sobrepõe à outra, tudo é passageiro. O discurso embutido – ainda que inconsciente - é de aval às mortes acidentais. “Ah, a PM matou mais um por acidente – façamos um registro”. E que partamos para a notícia seguinte – de política, de economia, de automobilismo, de luta livre.
 
Deveria partir da imprensa a indignação mais enfática. Para que não haja embotamento, para que não pensemos que essas “distrações” policiais sejam legítimas, que façam parte do jogo. Eles estão apontando armas a torto e a direito, para pessoas desarmadas. Para adolescentes. E executando. Às centenas.
 
Lemos nos portais, por sinal, no caso de Yago, que a polícia matou um “homem”. Ora, ele deve ser descrito como adolescente, não apenas como homem. Porque a palavra “adolescente” indica que ele tinha mais direitos que os demais homens. E, portanto, multiplica o absurdo da violência de Estado no Brasil. Essa que reduz cidadãos à condição de “indivíduos suspeitos”.
 
(Na quinta-feira, duas crianças, de 10 e 12 anos, foram algemadas na Praça da República. O conselheiro tutelar Jackson Douglas de Castro reivindicou, educadamente, os direitos previstos no ECA e foi igualmente preso pelos policiais.)
 
CANIBAIS NA SALA DE JANTAR
 
É mais fácil, porém, ficarmos horrorizados com os pernambucanos que comiam carne humana. Um caso deplorável, relacionado aos evidentes problemas mentais dos protagonistas. Observemos que o trio canibal de Garanhuns matou três pessoas. Três mulheres. Somente na notícia acima relatamos a morte de três pessoas pela PM. Qual caso tem mais chance de se repetir? O dos canibais ou o dos PMs?
 
É o dos PMs. Como mostram os números das “resistências seguidas de morte”. No entanto, agimos – leitores e mídia – com uma espécie de paranoia desviada, equivocada, fora de foco. Como se estivéssemos, em nosso cotidiano, à mercê de canibais. Não estamos. Estamos, sim, à mercê de uma das polícias mais despreparadas do planeta.
 
Mas o próximo disparo na zona leste corre o risco de ganhar ainda menos palavras de lamento do governador de plantão. E menos linhas nos jornais.
 
No caso do torcedor morto em Brasília, em 2008, o governador José Roberto Arruda (posteriormente cassado por corrupção) foi também bastante sucinto, diante das câmeras, ao comentar o episódio. Visivelmente enfadado por ter de falar – mecanicamente - sobre o assunto, logo passou a falar – enfaticamente – que o caso não poderia tirar de Brasília a sua condição de “grande centro de eventos”.
 
É uma espécie de zapping do embotamento. Quando não da cumplicidade. Quando não do protagonismo. São policiais-Macunaíma, governadores-Macunaíma, jornalistas-Macunaíma, leitores-Macunaíma. Qual o próximo assunto, por favor?
 

“Ih, matei mais um adolescente, foi mal. Vamos à padaria comer uma coxinha?” Ou: “Que notícia temos hoje? Mataram um adolescente de 17 anos? Onde, em Higienópolis? Ah, não, na zona leste. Escreve aí 20 linhas e vai ver o que temos hoje sobre os canibais”.
 
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