Repressão na USP: uma estratégia eleitoral de
Geraldo Alckmin
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
São grandes as chances de
haver mais confrontos entre estudantes e Polícia Militar na USP. E mais
humilhação de alunos – como as que vêm ocorrendo
sistematicamente, nos últimos dias. A reitoria proibiu a entrada de
cerveja para um show-protesto. Policiais estão parando carros em busca da droga –
legalizada neste país, diga-se de passagem. O clima é
desnecessariamente tenso em plena Calourada. Por quê? “Defesa da
lei”? Não: estratégia eleitoral. Vejamos.
Na noite desta terça-feira quatro estudantes
foram presos na Cidade Universitária. O carro deles foi parado. Policiais buscavam cerveja.
Teriam achado 0,4 grama de maconha. Os
quatro foram levados para o 14º DP, em Pinheiros. Não é a
delegacia-padrão para receber casos da USP. Mas, desde o domingo de
carnaval, quando 12 estudantes foram presos durante reintegração de
moradia estudantil, tem-se tornado referência. Não é qualquer
delegacia: lá também funciona uma Seccional de Polícia.
As alegações de policiais são as de sempre:
defesa da “legalidade”. Eles não podem prevaricar, dizem. Como
se estivessem, no dia-a-dia, cumprindo estritamente a lei. Arrombando
prostíbulos e pontos de jogo-do-bicho, por exemplo. No domingo de
carnaval, policiais militares e civis não conseguiram perceber que
prenderam uma adolescente de 16 anos. Ela ficou em cela comum, no 14º
DP. Ariel de Castro Alves, da OAB, identificou vários crimes na
ação.
Mas a contradição nesse discurso da “legalidade”
não é ingênua. Está cada vez mais claro que se trata de um
cálculo político. Não basta mais olhar para as páginas de polícia
e educação dos jornais para que se entenda a situação. É preciso
analisar as páginas de política.
Elas mostram que José Serra aceitou ser o
candidato do PSDB a prefeito. Como governador, foi ele quem indicou o
atual reitor da USP, João Grandino Rodas – uma figura inexpressiva,
autoritária e sem limites em suas ações repressoras. Onde deveria atuar um educador, afirma-se a figura de um xerife.
Mais que um indivíduo isolado, porém, Rodas representa uma turma, um grupo - e uma mentalidade. Ele é apenas uma dessas figuras que, durante o regime militar, não estavam nas fileiras do PMDB, não defendiam a legalidade. A novidade é que esteja sendo bancado por políticos de altas plumas.
Mais que um indivíduo isolado, porém, Rodas representa uma turma, um grupo - e uma mentalidade. Ele é apenas uma dessas figuras que, durante o regime militar, não estavam nas fileiras do PMDB, não defendiam a legalidade. A novidade é que esteja sendo bancado por políticos de altas plumas.
O MEDO DO VOTO
E quem deve ser o principal opositor de Serra na
disputa pelo comando do orçamento municipal? O ex-ministro da
Educação, Fernando Haddad (PT). Precisamos aqui repetir a área de
atuação recente de Haddad: educação. É uma figura nova na
política eleitoral, pinçada por Lula para tentar quebrar a
hegemonia tucana em São Paulo. E, qual mesmo a marca de Haddad?
Segurança pública, “ordem”, discursos de direita? Não: vimos
que sua bandeira é a educação.
Estou sendo repetitivo para deixar clara a conexão
entre fatos aparentemente desconexos. Na USP, um reitor truculento,
segundo mais votado pela comunidade universitária, mas alçado ao
poder por Serra, abre fogo contra a militância estudantil. Autoriza
a presença ostensiva de polícias no campus, adota estratégia
moralista (como a proibição de entrada de cerveja), criminaliza os
estudantes – com processos, reintegrações de posse destinadas não
somente a seus fins imediatos, mas a passar o seguinte recado: “Vocês
sabem com quem estão falando?”
Do outro lado, Fernando Haddad vem aí. Com
discurso pró-educação. Para falar de Enem, para injetar no debate
paulistano (e paulista) uma nova agenda. Com o aval de um
ex-presidente popular, sem a rejeição que tinha Marta Suplicy.
Nada garante que isso funcione eleitoralmente contra o projeto tucano – curiosamente marcado pela ausência de projetos de fato. Alckmin (como, antes dele, Serra) tem governado o Estado de uma forma que faz jus ao apelido do ex-prefeito de Pindamonhangaba. Em meio a essa política “picolé de chuchu” vem um petista boa pinta com um discurso mais consistente – goste-se dele ou não, mas com personalidade um pouco mais definida que a média de seus pares.
E qual o antídoto tucano a esse terrível risco
de perda de poder político?
Agora está mais claro do que nunca: acirrar uma política à direita, repressiva. Explorar a face conservadora do voto paulista – que, nos últimos pleitos estaduais, esteve longe de cogitar em retirar o PSDB do poder. Cracolândia, Favela do Moinho, Pinheirinho - que sejam retirados do cenário aqueles que atrapalhem esse discurso supostamente asseado, imberbe, "limpinho".
Agora está mais claro do que nunca: acirrar uma política à direita, repressiva. Explorar a face conservadora do voto paulista – que, nos últimos pleitos estaduais, esteve longe de cogitar em retirar o PSDB do poder. Cracolândia, Favela do Moinho, Pinheirinho - que sejam retirados do cenário aqueles que atrapalhem esse discurso supostamente asseado, imberbe, "limpinho".
Com tudo isso, imaginam os donos da política
paulista, o discurso pró-educação de Haddad será arranhado. E de uma forma maquiavélica: pois a
pauta da educação tem sido cuidadosamente associada à pauta da segurança pública. Em um Estado em que os estudantes da maior universidade são
cuidadosamente definidos como “baderneiros”, por que, afinal,
investir tanto em educação, não é mesmo?
É desta forma que o “magnífico” reitor João Rodas precisa ser visto. Como um ser obscuro a serviço de um modelo de universidade excludente, por um lado. Como peça menor de um jogo político pouco republicano, mas de alta plumagem, pelo outro.
ORDEM E CINISMO
É desta forma que o “magnífico” reitor João Rodas precisa ser visto. Como um ser obscuro a serviço de um modelo de universidade excludente, por um lado. Como peça menor de um jogo político pouco republicano, mas de alta plumagem, pelo outro.
ORDEM E CINISMO
A carta branca que João Rodas dá à PM na Cidade
Universitária visa, portanto, a construção de uma imagem cara aos
conservadores: a de que o aparato de segurança está reprimindo os
estudantes “maconheiros”; a de que se está preservando a
“ordem”. Mesmo que essa palavra seja vazia, que signifique apenas
um caminho limpo para se perpetuar um grupo político no poder.
Não à toa, o pai de um dos estudantes presos
nesta terça-feira apoiava a ação dos policiais e brigava com
qualquer um que falasse o contrário. A percepção política de boa
parte da sociedade paulistana é essa: cega, rasa e raivosa. Quase
masoquista. É essa fina flor da pretensão quem sempre elegeu
figuras como Jânio, Quércia e Maluf; é ela quem se regozija com as
opiniões espumantes de “jornalistas” como José Luiz Datena e
Luciano Faccioli. É ela quem adora o discurso do “medo”.
A cereja do bolo dos truculentos era essa:
injetar, nos estudantes, o medo dos protestos, o medo de pensar
e agir diferente, contra a corrente. Nas pessoas da sala de jantar, o medo desses estudantes.
Ocorre que essa repulsa é construída: politicamente construída, a partir dos meios de comunicação. Alguém se lembra de um ato dos alunos da USP na Paulista, no fim do
ano, em que uma senhora mostrava o dedo do meio para os
manifestantes?
Qualquer semelhança com o clima dos anos 60 não
é mera coincidência. Naquela época a mesmíssima sociedade
paulista apoiou o regime militar – torturador e assassino. Hoje
acredita (cega ou cinicamente) no discurso que imputa aos estudantes
a condição de “baderneiros”.
A fachada legalista é apenas isso: uma fachada.
Somente o doutor Pangloss e Cândido, personagens crédulos de
Voltaire, os avôs da Pollyanna e da Velhinha de Taubaté (de Luis
Fernando Verissimo, aquela que acreditava nas boas intenções do presidente João
Baptista Figueiredo), poderiam acreditar que, em 2012 em São Paulo,
toda a repressão esteja sendo feita em nome dos bons
costumes.
E O RESTO É SILÊNCIO
A exploração de corpos femininos em casas de
prostituição é ilegal – mas não se está vendo uma preocupação
das polícias em fechar o cerco contra os rufiões. O jogo-do-bicho
também é ilegal – mas quem acompanhou alguma operação, nas
últimas décadas, contra essa modalidade consolidada de crime
organizado?
Bandidos, para esses políticos sem escrúpulos e
essa sociedade conivente, são os estudantes portando alguns gramas
de maconha na Cidade Universitária. Ou então, como se está vendo
de forma absurda em pleno regime democrático, carregando em seus
carros perigosíssimas caixas de cerveja.
A pouco mais de seis meses das eleições
municipais, está claro o que se quer, no Morumbi e no Butantã: conflito. De preferência com mais alguns gramas de maconha para
justificar quaisquer ações policiais. Qualquer coisa que aconteça
na Cidade Universitária contra os estudantes, mesmo que seja
recheada de ilegalidades, será apoiada por boa parte da sociedade
paulistana.
Rodas, Serra e o coordenador de todo esse circo,
Geraldo Alckmin, apostam que, em outubro, esses apoiadores serão
maioria. Apostam, portanto, em uma disputa eleitoral rançosa e numa
gestão de segurança – e de educação – que fique a reboque
dessa lógica. Apostam nos anos 60.
O resto é o silêncio de uma sociedade
confortavelmente entorpecida.
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2 comentários:
Parabéns pelo texto, matou a pau
Brilhante análise! São Paulo tem medo da liberdade e se agarra no conservadorismo, como se fosse uma cidadela do interior. Alhures, consideram-na "desenvolvida".
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