por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
A cidade da aeronáutica tem em seu chão uma bomba-relógio social.
Duas mil famílias de sem-teto correm o risco de serem despejadas, em São José
dos Campos (SP), naquela que é a maior ocupação urbana – organizada - da
América Latina. A Justiça decidiu em julho pela reintegração de posse. Mas o
movimento dos sem-teto, disciplinado, promete enfrentamento: “Agora é fogo no
pavio! Sangue por sangue”.
A frase acima foi uma entre as escritas em faixas e cartazes
do Movimento Urbano dos Sem Teto (Must), durante ato na Avenida Paulista, na
semana passada. Vejamos outras elas, para sentir a temperatura: “Ocupar,
construir, resistir. Legalizar na marra ou na lei”. Ou então: “Trabalhadores de
ambos os lados vão morrer”. Os líderes
falam em “enfrentamento do século”.
As 9 mil pessoas da Ocupação Pinheirinho estão desde 2004 no
local. Já foram construídas casas de alvenaria, em uma área de 100 hectares. O
terreno pertence à Selecta, empresa do investidor Naji Nahas – famoso por ter
quebrado a Bolsa dos Valores do Rio, em 1989. Em 2008 ele foi
preso pela Polícia Federal durante a operação Satigraaha, acusado de crimes
contra o sistema financeiro. A Selecta está falida. Seu único credor, o
município de São José – pois nunca pagou IPTU.
Este blog conversou com o porta-voz do Must, Valdir Martins –
conhecido como Marrom. Ele explicou que a radicalização parte da juíza que
decidiu, em julho, pela reintegração de posse. Ela quer o terreno desocupado
até o fim de dezembro. Por ora os sem-teto estão abertos à negociação. Mas não
existe a chance deles aceitarem pacificamente a desocupação. No local vivem
2.600 crianças.
“Movimento é muito
organizado, quase um soviet”, diz Marrom. Eles têm reunião de lideranças todas as
segunda-feiras. Às terças ocorrem as reuniões de grupos. Sábado é dia de assembléia
– com a participação de 4 mil pessoas. “Se tiver desocupação vai ter sangue por
sangue", afirma o porta-voz. “Não tem condição de retroceder. Estamos muito
preparados para reagir. E o governo sabe disso”.
O PROTESTO NA PAULISTA
Centenas de pessoas da Ocupação Pinheirinho estavam no vão livre
do Masp, no dia 8 de dezembro. O ato foi reaizado pelo MTST (Movimento dos Trabalhadores
Sem Teto), pelo MST (regional Campinas) e pelos trabalhadores da Fábrica
Ocupada Flaskô. Todos seguiram em passeata pela Avenida Paulista (para o
desespero dos motoristas) até a Rua Augusta, onde ocuparam o prédio do Banco do
Brasil – no terceiro andar funciona o escritório do governo federal em São
Paulo.
Durante o trajeto, mais palavras de ordem: “Ou é na lei...
ou na marra!” A cena tinha seu toque surreal, diante de uma instalação de Natal
da prefeitura paulistana. Abaixo de um Papai Noel gigante, símbolos do Banco do
Brasil e da Rede Globo – em uma cidade que se recusou a ter outdoors.
Exatamente no prédio do Banco do Brasil os movimentos
sociais reuniram-se com a chefe de gabinete do escritório regional do governo,
Rosemary Nóvoa de Noronha. Ela ligou para Brasília e obteve uma audiência com o
ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria Geral da Presidência da República. Ela foi marcada para a próxima segunda-feira, dia 19 de dezembro.
Carvalho é o ministro encarregado da interlocução com
movimentos sociais. Durante o governo Lula essa função cabia ao ministro Luiz
Dulci. As lideranças de movimentos prezam essa interlocução – embora critiquem
a ausência de políticas públicas de moradia e de assentamentos no campo. A ministra Maria do Rosário Nunes, da
Secretaria de Direitos Humanos, também estará presente.
OS SEM TETO E A POLÍCIA
Enquanto os manifestantes esperavam a reunião com Rosemary,
no terceiro andar do prédio do BB (cedido pelo banco ao governo federal), eles
gritavam palavras de ordem e cantavam. “Se matarem um daqui/ Não há o que temer”,
diz uma das músicas de protesto. “Aqueles que mandam matar/ também podem morrer”.
A polícia é citada como “contratada para matar trabalhador”.
São Paulo teve um conflito com mortes entre sem-teto e
polícia, no dia 20 de maio de 1997, no governo Mario Covas. Durante a
reintegração de posse na Fazenda da Juta, na zona leste (em Sapopemba), os sem
teto reagiram com paus e pedras. Três deles foram mortos pelos policiais – que reagiram
com balas. Segue o relato da DHNet, a Rede de Direitos Humanos e Cultura:
- Uma das vítimas
foi morta por uma única bala na nuca, sugerindo execução sumária. Outro
sem-teto foi morto com tiros no peito, enquanto o policial afirmou ter atirado
em defesa própria depois de ter sido derrubado ao chão. No entanto, segundo o
relatório do médico legista, a vítima fora alvo de dois tiros que atravessaram
o peito em linha reta.
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