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sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Sem-teto temem "conflito do século” em São José dos Campos

por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)

A cidade da aeronáutica tem em seu chão uma bomba-relógio social. Duas mil famílias de sem-teto correm o risco de serem despejadas, em São José dos Campos (SP), naquela que é a maior ocupação urbana – organizada - da América Latina. A Justiça decidiu em julho pela reintegração de posse. Mas o movimento dos sem-teto, disciplinado, promete enfrentamento: “Agora é fogo no pavio! Sangue por sangue”.

A frase acima foi uma entre as escritas em faixas e cartazes do Movimento Urbano dos Sem Teto (Must), durante ato na Avenida Paulista, na semana passada. Vejamos outras elas, para sentir a temperatura: “Ocupar, construir, resistir. Legalizar na marra ou na lei”. Ou então: “Trabalhadores de ambos os lados vão morrer”.  Os líderes falam em “enfrentamento do século”.

As 9 mil pessoas da Ocupação Pinheirinho estão desde 2004 no local. Já foram construídas casas de alvenaria, em uma área de 100 hectares. O terreno pertence à Selecta, empresa do investidor Naji Nahas – famoso por ter quebrado a Bolsa dos Valores do Rio, em 1989. Em 2008 ele foi preso pela Polícia Federal durante a operação Satigraaha, acusado de crimes contra o sistema financeiro. A Selecta está falida. Seu único credor, o município de São José – pois nunca pagou IPTU.

Este blog conversou com o porta-voz do Must, Valdir Martins – conhecido como Marrom. Ele explicou que a radicalização parte da juíza que decidiu, em julho, pela reintegração de posse. Ela quer o terreno desocupado até o fim de dezembro. Por ora os sem-teto estão abertos à negociação. Mas não existe a chance deles aceitarem pacificamente a desocupação. No local vivem 2.600 crianças.

“Movimento é muito organizado, quase um soviet”, diz Marrom. Eles têm reunião de lideranças todas as segunda-feiras. Às terças ocorrem as reuniões de grupos. Sábado é dia de assembléia – com a participação de 4 mil pessoas. “Se tiver desocupação vai ter sangue por sangue", afirma o porta-voz. “Não tem condição de retroceder. Estamos muito preparados para reagir. E o governo sabe disso”.

O PROTESTO NA PAULISTA

Centenas de pessoas da Ocupação Pinheirinho estavam no vão livre do Masp, no dia 8 de dezembro. O ato foi reaizado pelo MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), pelo MST (regional Campinas) e pelos trabalhadores da Fábrica Ocupada Flaskô. Todos seguiram em passeata pela Avenida Paulista (para o desespero dos motoristas) até a Rua Augusta, onde ocuparam o prédio do Banco do Brasil – no terceiro andar funciona o escritório do governo federal em São Paulo.

Durante o trajeto, mais palavras de ordem: “Ou é na lei... ou na marra!” A cena tinha seu toque surreal, diante de uma instalação de Natal da prefeitura paulistana. Abaixo de um Papai Noel gigante, símbolos do Banco do Brasil e da Rede Globo – em uma cidade que se recusou a ter outdoors.

Exatamente no prédio do Banco do Brasil os movimentos sociais reuniram-se com a chefe de gabinete do escritório regional do governo, Rosemary Nóvoa de Noronha. Ela ligou para Brasília e obteve uma audiência com o ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria Geral da Presidência da República. Ela foi marcada para a próxima segunda-feira, dia 19 de dezembro.

Carvalho é o ministro encarregado da interlocução com movimentos sociais. Durante o governo Lula essa função cabia ao ministro Luiz Dulci. As lideranças de movimentos prezam essa interlocução – embora critiquem a ausência de políticas públicas de moradia e de assentamentos no campo. A ministra Maria do Rosário Nunes, da Secretaria de Direitos Humanos, também estará presente.

OS SEM TETO E A POLÍCIA

Enquanto os manifestantes esperavam a reunião com Rosemary, no terceiro andar do prédio do BB (cedido pelo banco ao governo federal), eles gritavam palavras de ordem e cantavam. “Se matarem um daqui/ Não há o que temer”, diz uma das músicas de protesto. “Aqueles que mandam matar/ também podem morrer”. A polícia é citada como “contratada para matar trabalhador”.

São Paulo teve um conflito com mortes entre sem-teto e polícia, no dia 20 de maio de 1997, no governo Mario Covas. Durante a reintegração de posse na Fazenda da Juta, na zona leste (em Sapopemba), os sem teto reagiram com paus e pedras. Três deles foram mortos pelos policiais – que reagiram com balas. Segue o relato da DHNet, a Rede de Direitos Humanos e Cultura:

- Uma das vítimas foi morta por uma única bala na nuca, sugerindo execução sumária. Outro sem-teto foi morto com tiros no peito, enquanto o policial afirmou ter atirado em defesa própria depois de ter sido derrubado ao chão. No entanto, segundo o relatório do médico legista, a vítima fora alvo de dois tiros que atravessaram o peito em linha reta.

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segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Gilberto Carvalho receberá também representante da USP

A notícia passou despercebida, em meio às reivindicações dos sem teto na Avenida Paulista, na última quinta-feira. A audiência dos representantes dos movimentos sociais (sem teto, sem teto e trabalhadores da fábrica ocupada Flaskô) - que será realizada no dia 19, em São Paulo, com a presença de dois ministros da República - discutirá também os episódios de novembro na Cidade Universitária, quando 73 pessoas foram presas durante a reintegração de posse da reitoria.

O professor Luiz Renato Martins, da Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP) é um dos candidatos a representar os estudantes. Ele foi um dos 13 membros da comissão formada pelos movimentos sociais, na reunião que os manifestantes tiveram com a chefe de gabinete Rosemary Nóvoa de Noronha, do escritório regional do governo federal em São Paulo. Martins representou o Comando de Greve dos estudantes da USP.

O porta-voz do MTST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Teto), Guilherme Boulos, um dos principais articuladores das manifestações, disse que a criminalização dos movimentos sociais é uma das três pautas com os ministros Gilberto Carvalho (da Secretaria Geral da Presidência da República) e Maria do Rosário Nunes – por isso, inclusive, a presença da ministra da Secretaria dos Direitos Humanos. É nessa pauta que entrará o caso USP.

À imprensa, Luiz Renato Martins fez um resumo do que está acontecendo na universidade, “uma das mais elitistas do País e um bastião da ditadura” – em referência a uma lei de 1972 que permite processar estudantes e funcionários por “delito de opinião”.

Durante a greve dos estudantes da USP, é o Comando de Greve que representa a categoria – o Diretório Central dos Estudantes e os Centros Acadêmicos são automaticamente dissolvidos. Luizito é um dos professores que estão apoiando mais diretamente o movimento estudantil, ao lado de Jorge Luiz Souto Maior, da Faculdade de Direito, e de Chico de Oliveira, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH).

A reunião com os ministros representa o passo mais largo dado pelo movimento estudantil desde o dia 27 de outubro, quando a detenção de três estudantes portando maconha, no estacionamento do prédio da História-Geografia, deflagou a atual crise na USP.

Os estudantes ocuparam o prédio da administração da FFLCH e, em seguida, o da reitoria. Durante a reintegração de posse, no dia 8 de novembro, 73 pessoas foram presas. Rosi, estudante de Filosofia, contou aqui como foi torturada por policiais. No mesmo dia, em assembléia, os estudantes deflagraram a greve geral que já demora um mês.

Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)

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sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

A madame na calçada e os sem-teto na Paulista

por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)

Esquina da Avenida Paulista com a Rua Augusta. Diante do prédio do Banco do Brasil, onde funciona o escritório do governo federal em São Paulo, centenas de trabalhadores sem-teto reúnem-se diante de um carro de som, ocupando uma faixa da avenida. Até ali apenas buzinas sinalizavam desprezo dos paulistas mais apressados às reivindicações dos trabalhadores – por desapropriações na cidade e no campo.

Era meio-dia desta quinta-feira. Uma comissão de 13 representantes dos movimentos acabara de sair de reunião com a chefe de gabinete do escritório, Rosemary Nóvoa de Noronha. Ela telefonou durante o encontro para o ministro Gilberto Carvalho, da Secetaria Geral da Presidência da República, que marcou uma audiência para o dia 19.

Tensão adiada, vitória dos sem-teto. Com o prédio do Banco do Brasil esvaziado (ele fora ocupado até o terceiro andar pelos manifestantes), todos ocupam novamente a faixa no leito da Paulista. Outros aglomeram-se na calçada, espremidos entre a sede do banco e a estação do Metrô Consolação.

Uma senhora passa bufando, abrindo alas. Não foi a única insatisfeita: em outro momento dos protestos um senhor aproximara-se dos policiais para fazer uma recomendação: “Pode bater. Não tem dó”.

Mas a senhora apressada disputa ela mesma o espaço: avoluma-se diante dos trabalhadores, os braços ocupando os centímetros da calçada. Estava com pressa. E desprezava aquela manifestação – ou aquelas pessoas. No carro de som, o porta-voz percebe a tensão e grita: “Está brava, madame?”

Risos. Risos gerais dos sem teto – na faixa ocupada na Paulista, na calçada e no carro de som. Guilherme Boulos, da coordenação nacional do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) é quem comanda o microfone. Momentos antes, no Masp, ele dissera aos manifestantes que aquela avenida – aos 120 anos – costuma ser ocupada por representantes da elite, por banqueiros. E por carrões. E que era o momento de ser ocupada pelos trabalhadores.

A palavra “madame” representava tudo isso naquele momento. “Está brava, madame?”, repete Guilherme Boulos. “Mas nós não vamos sair daqui não, madame. Nós vamos ficar aqui na Paulista!” Ele não perde tempo e puxa um grito dos manifestantes, uma palavra de ordem que clama pelo “poder popular”. A madame some, invisível.

O episódio lembra aquele da manifestação dos estudantes da USP, há duas semanas. A Folha de S. Paulo publicou no dia seguinte uma foto em que duas senhoras aparecem em primeiro plano. Elas estão revoltadas contra os manifestantes. Uma delas, rosto contraído, estende ostensivamente a eles o dedo do meio.

“UM PAÍS SEM POBREZA”

Este blog acompanhou, desde o Masp, a ação dos sem teto. Diante da ocupação dos três andares do prédio do Banco do Brasil (que cede um andar ao governo federal), a notícia tornou-se inevitável nos meios de comunicação. Mas quase ninguém da grande imprensa (eu só vi a CBN) estava no terceiro andar, onde Boulos chegou a bater boca com Rosemary, a representante do governo.

“Se não vão nos receber voltamos à situação anterior (de ocupação massiva do prédio)”, disse ele, diante de um recuo da chefe de gabinete. “Isso é uma ameaça?”, pergunta Rosemary. “Não”, responde Boulos – que apenas cobrava o cumprimento do acordo. Mas a reunião logo aconteceria.

Treze representantes dos movimentos participaram da comissão. A massa desceu para a calçada da Paulista e restaram oito profissionais de imprensa (na maior parte, alternativa) diante da porta de vidro. Naquele andar não há símbolos do Banco do Brasil, mas sim o do governo federal. Nas paredes laterais, fotos de Dilma e de Lula. Na parede ao fundo, sob o logo do governo, a frase: “País rico é um país sem pobreza”.

Antes da reunião, palavras de ordem soavam alto no terceiro andar – com um calor escaldante, quase todos suando muito. “Ô Dilma, eu vim aqui só pra te ver!” “Um dois três, quatro, cinco, mil, ou dá a nossa casa ou paramos o Brasil”.

Os principais grupos presentes eram o MTST, o MST (regional Campinas), o MUST (Movimento Urbano dos Sem Teto) e os representantes da Fábrica Ocupada Flaskô. Todos enfrentam ameaças de desocupações. Essa foi uma das três pautas de reivindicações, a serem discutidas no dia 19 com Gilberto Carvalho e com a ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário Nunes.

Em particular, os sem teto temem a reintegração de posse da ocupação Pinheirinho, em São José dos Campos, com 2 mil famílias – que pode acontecer a qualquer momento, pois uma juíza exige o cumprimento de decisão judicial. Este blog publicará na segunda-feira texto específico sobre esse conflito.

Outra pauta na reunião com os ministros será a das desapropriações. Os sem teto querem uma Política Nacional de Desapropriações. Por um lado, a dos terrenos urbanos, diante da especulação imobiliária e da necessidade de moradia. Por outro, das terras rurais – diante dos latifúndios. A desapropriação da Fábrica Ocupada Flaskô, em Sumaré (SP) também é uma reivindicação.

Finalmente, os sem teto querem protestar contra a criminalização dos movimentos populares. Essa criminalização ocorre pelo país por meio de repressões policiais, processos e prisões. O caso dos estudantes da USP foi mencionado como um dos exemplos recentes. Muitas manifestações democráticas acabam em repressão.

Mas ontem os policiais estavam calmos – nitidamente orientados a aceitar o ato e a passeata. Alguns pedestres, eles sim, estavam assanhados – o que mostra a base política e cultural para as ações repressivas.

Ao menos nesta quinta-feira, a truculência resumiu-se ao corpanzil de uma senhora, la madame disputando espaço na calçada.


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