15 de outubro de 2013, São Paulo: a “batalha da algema”
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
Observem a partir de 2min25seg, no vídeo. O policial berra várias vezes, durante repressão a manifestação de professores e estudantes, em São Paulo: "Avante, algema! Avante, algema!"
Nada poderia ser mais expressivo. Essa
é a política pública de educação mais bem definida em relação aos
professores paulistas. "Algeeema!! Algema!!!" (É como se a algema fosse
invocada como uma tábua de salvação, aquela que vai solucionar os nossos
problemas. E de uma forma personalizada, como se ali fosse surgir uma
senhora respeitável, uma velha conhecida.)
Essa é
também a política pública mais bem definida em relação aos desmandos de
um reitor retrógrado da USP, um salazarista. "Algeeema!! Algema!!!" (Já
que não puderam prender os estudantes e torturá-los na reitoria da USP,
como em 2011, que se demonstre essa autoridade chinfrim nas ruas. A
mesma autoridade perdida em décadas de perpetuação de uma lógica
policial verde-oliva.)
E essa é, ainda, a política
pública de segurança mais populista, ilusionista e cínica de que se
possa ter conhecimento. E mais suicida, mais degradadora dos tecidos de
cidadania mais elementares. "Algeeeemas!", esgoela-se o comandante. E
não só algemas: este vídeo escancara um oneroso e multiplicado arsenal
repressivo. A nossa polícia está ali, a postos, de helicóptero e tudo.
Contra o PCC? Traficantes de armas, ladrões de cargas? Contra o Comando
Vermelho, o exército americano? Não. Não exatamente. Contra cidadãos algemáveis.
Vale
observar, ao contrário do senso comum e das usurpações, que não existem
black blocs; existem pessoas, existem indivíduos, cidadãos. Um fato
singelo que não aparece, convenientemente, nas narrativas das operações
policiais. E que, apesar da eventual violência de alguns manifestantes,
evidentemente aguardada por esses meticulosos algemadores, estas imagens
são a evidência de que esse sistema de repressão está falido. Que não
há espaço para a militarização de polícias.
E que essa
repressão virou entretenimento. Um repórter exclama, indignadíssimo: "A
imprensa tem direito". (Em seguida ouve-se um disparo.) Claro que tem.
Todos têm. Todos deveriam ter. O problema é que a ausência de noção
mínima de democracia, em qualquer grupo social (inclusive manifestantes),
tem sido multiplicada por essa mesma polícia cujas ações parte da
imprensa celebra. Há um aval midiático para que o Estado engate essa gigantesca marcha a ré. (Sim, é ele quem a engata.)
Esse patrocínio parte da imprensa e parte da
sociedade. No caso, a sociedade paulista, tão orgulhosa de seus
bandeirantes. O mesmo lúmpen intelectual que se jubila com o vídeo de um
bandido sendo baleado (acreditando candidamente que, agora sim, a
violência refluirá...), irresponsavelmente turbinado pelos meios de
comunicação, é quem dá aval a esse tipo de política do atordoamento,
essa estética do gás lacrimogêneo, esse Estado enredado em algemas.
(Será que em breve o artefato estará à venda na Tok Stok?)
"Algemas!
Algeeeeeemas!" Muitas algemas, público paulista! "Com licença, Dona
Algema. Prenda mais este professor!" Menos aulas de geografia e
história! Que se perpetuem os salários abomináveis! Quem precisa de
educação? "Algeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeemas!!!!"
* com a licença de Gillo Pontecorvo, o diretor italiano do clássico “A Batalha de Argel”.
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jornalismo, geografia, literatura, cinema. Utopia, resistência. 'Indignem-se!' (Stéphane Hessel). 'Nem tudo é sórdido' (Ernesto Sabato - 1911-2011)
quarta-feira, 16 de outubro de 2013
segunda-feira, 14 de outubro de 2013
Universalização do saneamento, no Brasil, só em 2122. Quem liga?
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
O jornal Valor Econômico informa, em repercussão aos debates do 3º Encontro de Saneamento Básico, promovido pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) na quarta-feira, dia 9 de outubro:
- Mantido o ritmo atual de investimentos, que chegam por ano a 0,2% do PIB, um terço dos 0,6% necessários, a universalização só seria atingida no próximo século, em 2122, quase 90 anos além do prazo estabelecido.
Não, não há um erro de digitação. É 2122 mesmo, e não 2022. Daqui a 109 anos, portanto.
Não se trata do único atraso: o jornal deu a notícia somente nesta segunda-feira, dia 14. Cinco dias após a divulgação dos números.
Elas não motivaram uma manchete do jornal. Do tipo: “Brasil só terá saneamento universal em 2122”. A informação é dada com discrição, em um dos textos de especial sobre saneamento. Sem que o dado mereça o título – reservado a algo sobre “choque de gestão”.
Desta forma não se gera indignação, portanto. Saneamento universal só em 2122? Ah, logo ali. Um assunto para a indignação dos bisnetos do Gigante Adormecido.
Note-se que quem está dizendo tudo isso é a Fiesp. E não uma fonte de esquerda. Um dos diretores da Federação das Indústrias conta que também estamos em nono lugar no ranking dos países com menos banheiros no planeta. (Sim, isso mesmo. Só oito países têm piores índices que os nossos em relação à existência de banheiros.)
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
O jornal Valor Econômico informa, em repercussão aos debates do 3º Encontro de Saneamento Básico, promovido pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) na quarta-feira, dia 9 de outubro:
- Mantido o ritmo atual de investimentos, que chegam por ano a 0,2% do PIB, um terço dos 0,6% necessários, a universalização só seria atingida no próximo século, em 2122, quase 90 anos além do prazo estabelecido.
Não, não há um erro de digitação. É 2122 mesmo, e não 2022. Daqui a 109 anos, portanto.
Não se trata do único atraso: o jornal deu a notícia somente nesta segunda-feira, dia 14. Cinco dias após a divulgação dos números.
Elas não motivaram uma manchete do jornal. Do tipo: “Brasil só terá saneamento universal em 2122”. A informação é dada com discrição, em um dos textos de especial sobre saneamento. Sem que o dado mereça o título – reservado a algo sobre “choque de gestão”.
Desta forma não se gera indignação, portanto. Saneamento universal só em 2122? Ah, logo ali. Um assunto para a indignação dos bisnetos do Gigante Adormecido.
Note-se que quem está dizendo tudo isso é a Fiesp. E não uma fonte de esquerda. Um dos diretores da Federação das Indústrias conta que também estamos em nono lugar no ranking dos países com menos banheiros no planeta. (Sim, isso mesmo. Só oito países têm piores índices que os nossos em relação à existência de banheiros.)
Conclui-se, portanto, que, se a Fiesp está dizendo isso, é sinal de que a
esquerda ocupará os plenários da Câmara e do Senado com discursos ainda mais
enfáticos. Militantes de partidos da oposição dirão que essa situação é
intolerável. Uma comoção e movimentos de solidariedade tomarão conta do país.
Iniciativas assistencialistas, mobilizações religiosas em torno da caridade, financiamento coletivo. A Rede Globo deve estar inquieta; os black blocs, furiosos.
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