terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Mídia ignora madrugada histórica em São José dos Campos

por ALCEU LUÍS CASTILHO(@alceucastilho)

Quase 10 mil brasileiros passaram a noite sob absoluta tensão: a PM ocupou as ruas ao redor da Ocupação Pinheirinho, em São José dos Campos. A entrada de 1.800 policiais da Tropa de Choque - com cavalaria e canil - era iminente. Os moradores estavam armados para o que chamaram de “conflito do século” e prometiam resistir: com capacetes, escudos e armamentos improvisados. Com “sangue pelo sangue”.

Um ônibus foi incendiado por volta da meia-noite. A culpa, atribuída aos sem-teto – que, por sua vez, culparam a própria polícia. Dezenas de milhares de pessoas acompanhavam pelas redes sociais (Twitter e Facebook à frente), apreensivas, o desfecho da situação. Os moradores estavam acuados.

Mas a maior parte da mídia brasileira ignorou solenemente todo esse quadro. Toda a descrição acima esteve fora dos principais portais durante a noite e madrugada – mais preocupados com o navio italiano naufragado.

O episódio mostra o naufrágio da mídia tradicional brasileira. Ela foi capaz de subestimar um dos grandes conflitos do século - impedido apenas nos últimos minutos possíveis por uma liminar emitida pela Justiça Federal. Assim como ignorou a festa de rua dos moradores, após a decisão.

Por muitíssimo pouco o Brasil não amanheceu o dia 17 de janeiro com 2 mil famílias (mais de 4 mil mulheres, quase 3 mil crianças) agredidas por uma polícia que não tem poupado ninguém nos últimos tempos – dos dependentes de crack e moradores de rua da Cracolândia a estudantes em greve da USP.

É hora do país refletir sobre a concessão dos meios de comunicação eletrônicos. E dos jornalistas refletirem definitivamente sobre sua função atual na sociedade. Como é possível jornais e jornalistas ignorarem a principal notícia do ano?

No máximo alguns veículos (Rede Globo, SBT, G1) divulgaram durante a madrugada a notícia do ônibus queimado. E de forma acrítica, aliás, pois o incêndio foi para lá de esquisito – com direito a vizinhos afirmarem que fora mesmo uma armação da polícia. (Veja aqui a versão dos moradores, conforme uma rádio do próprio movimento.)

A imagem da “justiça cega” – principalmente aos interesses populares – ainda tem muita força no imaginário popular. Nesta noite, ao menos por alguns dias, o Brasil foi salvo de um banho de sangue por uma decisão judicial – tardia, mas de efeitos extraordinários.

Há muito o que se discutir. Que nesta trégua dada aos moradores do Pinheirinho os políticos e a sociedade civil organizada discutam agora o direito à moradia, a desigualdade, as violências policiais, a prioridade dada aos especuladores em detrimento de populações inteiras. (Basta assinalar que a rádio dos moradores diz que a gleba estaria avaliada em R$ 200 milhões e seria utilizada para um condomínio de luxo.)

Mas que o país coloque também em pauta a existência e os efeitos de uma imprensa cega.

PS: Este texto foi postado inicialmente às 6h46. Pela manhã os portais começaram a postar notícias sobre o tema - atenuando a distração observada na cobertura em tempo real. Segue link para a matéria do Estadão; outro para a do G1; aqui a do Terra; após as 11 horas saiu a do UOL.

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