por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
Hoje conto uma notícia – sobre ameaça a quilombolas no Maranhão – tentando refletir sobre notícias. O título é: “Quilombolas são ameaçados – e ameaçados – e ameaçados – no Maranhão”.
É um convite ao leitor a um tema (as ameaças, as mortes), mas também ao modo como chamamos atenção a ele. Por meio de títulos, por exemplo. E sobre a difícil equação entre a sensação de mesmice (e impotência) em relação a certos assuntos e a necessidade de nos mantermos acesos em relação a eles.
Escrevo mais uma vez, portanto, sobre indignação e conformismo; sobre um jornalismo embrutecido e um leitor entorpecido.
O jornalismo está em crise. Ontem publiquei uma notícia parecida com a dos quilombolas, sobre atentados contra um líder sem-teto no Distrito Federal. Mas ela esteve longe de estar entre aquelas com maior índice de leitura deste espaço – e desconfio que não somente pelo Natal.
Busco esta reflexão porque considero importantíssimo que o leitor se interesse por temas assim: ameaças a um brasileiro (quilombola) no Maranhão, atentados contra um brasileiro (sem-teto) no DF. Os dois são líderes - em um país onde lideranças de movimentos sociais são sistematicamente assassinadas.
Mea culpa número 1: há algo errado no reino do jornalismo.
Escrevi acima sobre jornalismo “embrutecido”. Nos acostumamos a escrever notícias como arremedos da realidade. Mudamos os assuntos como giramos um dial. Ao mudarmos as estações, reduzimos as possibilidades de envolvimento pleno com cada assunto.
Arremedo por arremedo, o leitor se agarra em dramas mais próximos. Ou em relatos sensacionalistas. Estão aí os Datenas da vida (esses irresponsáveis) que não me deixam mentir.
Confesso ao leitor que até pensei em fazer um título absurdo (sobre a pata quebrada do meu gato Tartufo e seu sumiço temporário), como uma espécie de teste de leitura. Para saber se o texto teria mais acessos que a notícia de ontem, sobre o sem-teto ameaçado em Brazilândia. Logo concluí (felizmente) que não era o caso.
Primeiro, por supor óbvio que a notícia (inusitada) do gatinho teria mais leitura. Segundo, porque seria um desrespeito a José da Cruz – e a todos os quilombolas ameaçados no Maranhão.
Terceiro, porque já escrevi, na semana passada, sobre a comoção causada por animais: “Indignação e barbárie: as mortes de cachorros escandalizam mais?”
Sinto, porém, a necessidade de seguir convidando o leitor a refletir sobre seu amortecimento. Não só sobre a condição de leitor amortecido (vítima da artilharia jornalística embrutecedora), mas sobre a condição de cidadão amortecido.
Este é o segundo mea culpa necessário – o nosso.
Todos nos vemos reduzidos a uma espécie de Marionetes da Indignação, a personagens manipuláveis de movimentos de massa que só têm beneficiado os patrocinadores das notícias – o mórbido mercado dos meios de comunicação de massa. Ou, agora, os donos das redes sociais.
Esses movimentos são apenas espasmódicos – pois são despolitizados, descontextualizados, desideologizados. Acreditamos que nossas exclamações (ou até eventuais gritos e choros) possuem um caráter Mais do Que Genuíno, quando em muitos casos constituem apenas mais um capítulo de uma farsa cíclica – de uma Comédia da Aceitação.
Essa farsa promovida pela Sociedade do Espetáculo possui um papel atroz: o de perpetuar as próprias mortes e ameaças e atentados – ao naturalizá-los, banalizá-los. Escolho termos pesados, sim. Pois não há inocentes nesse jogo brutal.
O estado das coisas neste país e neste mundo – não tenhamos dúvida – é pouco mais do que sórdido. Os quilombolas, por exemplo, são os descendentes de escravos. Os sem-teto descendem igualmente desses escravos – e dos expulsos do campo, dos refugiados.
É dos espoliados que estamos falando mais uma vez. Dos excluídos, eliminados, violentados. Mas nos acostumamos com isso. Consideramos normal suas lideranças serem ameaçadas. Ameaçadas. Ameaçadas. E mortas.
As pessoas na sala de jantar precisam cear com alegria em meio às pílulas de indignação – e que venha em seguida uma notícia mais amena, por favor.
LEIA MAIS:
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REFLEXÕES SOBRE IMPRENSA:
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Sobre imprensa, estudantes e tortura
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2 comentários:
olá, Camila.
Creio que a melhor resposta a você esteja neste relato, "A Criança que não Sorria":
http://alceucastilho.blogspot.com/2011/12/crianca-que-nao-sorria-o-desembargador.html
Existem milhões de ativistas no mundo. E outras centenas de milhões de pessoas que, sem tomar a frente, ao menos sustentam as ações dos inconformados.
Pode não parecer às vezes, mas cada um faz diferença. E movimenta desde uma realidade local até estruturas.
Um desses campos de batalha é o midiático. Não é pouca coisa. No caso de ameaçados de morte, por exemplo, a visibilidade pode significar uma blindagem. Ou seja, uma vida.
Consolidando uma rede contra-hegemônica de informações, e avançando na rede hegemônica, estamos formando uma espécie de couraça. Para os tais excluídos - e ameaçados etc.
Isso ocorre por meio de um processo. Existe o processo inverso, claro - apenas deixar rolar a avalanche no sentido contrário. Resta saber de que lado queremos estar.
Alceu Castilho
olá, Camila,
agradeça ao Malheiros pela história!
Não conheço o Mlynarz, agradeço se fizer o contato!
E você, não vai se identificar com o sobrenome?
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