Kátia Abreu, ministra? "Ah, eu já sabia". Será mesmo?
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
Uma das reações mais curiosas à virtual nomeação da senadora Kátia Abreu (PMDB-TO) ao Ministério da Agricultura é a do "já sabia". "Eu já sabia", "todo mundo sabia", e por aí vamos. É um cacoete. Politicamente irrelevante. Ou até mesmo nocivo. Vale para outros temas também. Pode ser apenas um penduricalho, algo que se fala antes do que interessa. Mas também a expressão de derrotismo: já se sabia, todos sabiam, olhem que eu avisei, hem, agora não reclamem. Congela-se no passado (e na cognição) a possibilidade de indignação e mudança.
Que era uma vasta possibilidade, dissemos, escrevemos. Há anos. Só que agora é diferente. Kátia vazou (e Dilma não gosta disso, aliás) que será a ministra. Temos algo palpável. E de um simbolismo atroz. Em 1988, morria Chico Mendes. Foi de novo assassinado em 2012, com a aprovação do novo Código Florestal. Em 2014, enquanto Chico se dirige ao banheiro, em Xapuri, os policiais que deveriam protegê-lo jogando dominó na sala, ele é mais uma vez baleado e morto pela nomeação de Kátia Abreu. Que diz a ele: "Não adianta mais tentar reviver".
Chico Mendes não acredita, claro. Pois cresceu ouvindo que tudo era assim mesmo, que não adiantava lutar contra seringueiro, fazendeiro, pistoleiro. Que a polícia não ia fazer nada mesmo. Que política é assim mesmo. Que era loucura querer mudar tudo isso. Pretensão. Você tem filhos. E a cada convite ao embotamento ele dava aquele sorrisinho, como se dissesse: "Eu sei de tudo isso. Mas a questão é outra". (Ele e Martin Luther King e poucos tinham um sonho. E isso é tão bonito, deveria continuar sendo tomado como algo necessário.)
Leio também que se votou em Dilma já sabendo que o agronegócio (e seus tentáculos) era o calcanhar-de-Aquiles de um discurso à esquerda pela reeleição. Com esse fator, não colava. Neste caso eu discordo. Pois se sabia, mas não se sabia. A maior parte da esquerda enterrou sua cabeça de avestruz no pragmatismo e não quis (por medo do pior, nos melhores casos) reconhecer que se estava jogando a questão agrária para debaixo do tapete, a reforma agrária para o limbo, a vida de indígenas para o céu da indiferença.
O que exatamente já sabíamos? É uma questão filosófica. O que exatamente já sabíamos no momento de tomar uma decisão, ou de olhar para determinado fato? Que parte da realidade pinçamos, enfatizamos? Que aspecto iluminamos (ou não), com mais ou menos conveniência? Que pontos repetimos, que discursos sobre o que sabíamos nós expressamos, escrevemos, escanteamos?
Eu sei que 800 ministros da Agricultura patrocinaram um modelo insustentável de apropriação do território e dos recursos naturais. Sei quem manda. Sei quem domina. Sei e bem sei que com Kátia Abreu em um governo do PT teremos 800 ministros em quatro anos, teremos uma capitulação. E é por isso que não se pode sufocar o grito, asfixiar a revolta, naturalizar o escárnio, deslocar a percepção para um ponto político anterior.
E não, não serão o Ministério do Desenvolvimento Agrário, o Incra e a Funai (estes, diariamente humilhados) que serão contraponto a esse modelo. Soa-me como montar uma salinha de chá para madames no canto de um imenso saloon. Ou como aqueles jovens de Brasília (narrou uma vez Cristovam Buarque) que, em uma lanchonete, jogavam algumas batatinhas ao chão, para que aquelas criaturas famintas as pegassem: crianças.
Eu não sabia de nada. Embora já soubesse. Estou sabendo hoje, ressignificando hoje, pois as batalhas (inclusive as da informação) se vivem diariamente. A cada segundo. Um instante, o mundo. Um instante, a ética. Eu sei que aquele canalha vai atirar aquela batatinha para a criança e vou tentar impedir que ela chegue ao seu destino - ao menos da forma que o canalha escolheu para distribuir seus bens.
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jornalismo, geografia, literatura, cinema. Utopia, resistência. 'Indignem-se!' (Stéphane Hessel). 'Nem tudo é sórdido' (Ernesto Sabato - 1911-2011)
segunda-feira, 24 de novembro de 2014
domingo, 2 de novembro de 2014
O fascismo emergente não é apenas um espasmo exótico
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
A esquerda precisa admitir que é assustador o número de pessoas na rua nessas manifestações de extrema direita, a pedir intervenção militar e o impeachment de uma presidente reeleita há apenas uma semana. Assim como é assustador o número de pessoas que compartilham as fotos e as ideias desses fascistas. Não é apenas mais uma brincadeirinha de ignorantes, meus caros. Eles estão se levando a sério. E arrebatando incautos. A partir da soma das viúvas da ditadura com o sentimento antipetista mais radical, despolitizado e primário.
Os dilmistas mais empedernidos também precisam admitir que ajudaram a chocar esse ovo da serpente, ao radicalizarem contra Marina Silva, permitindo a ressurreição do tucanato - com o substrato de direita inerente à volta do Fla-Flu entre PT e PSDB. Isso significa fazer um mea culpa imediato, emergencial, e cobrar atitudes sensatas daqueles que foram eleitos. Vocês que se precipitaram tanto são também responsáveis por esse... por esse clima.
O Ricardo Mendonça, jornalista da Folha, observou no Twitter que o PSDB precisa ser rápido e se distanciar dessa corja de golpistas. Em respeito à sua história. Mas não é o que parece estar acontecendo. Em Brasília havia um carro de som de um deputado do PSDB, Izalci. Os tucanos começaram a abrigar a bancada da bala. E alimentam o pseudonoticiário de revistas inescrupulosas, como IstoÉ e Veja. Buliram com a credibilidade.
Onde estão os democratas? Por que estão tão calados? Em São Paulo, o deputado eleito Eduardo Bolsonaro (PSC), eleito com os votos de Marco Feliciano, discursou e falou que, caso seu pai fosse candidato, teria "fuzilado" Dilma Rousseff. Ora, é preciso haver reação imediata. Processo nele. E em qualquer liderança que coloque em risco a democracia. Em caso de incitação ao crime, mais do que isso.
SILÊNCIO E HISTÓRIA
Será mesmo o silêncio a a melhor estratégia? A história da humanidade é a história de ditaduras e teocracias, de democracias extremamente imperfeitas e apenas eventuais. Na América Latina, em história recente, tivemos golpe em Honduras, no Paraguai (apoiado por nossa mídia estúpida), quase tivemos na Venezuela (comemorado por essa mesma imprensa venal). E a história do Brasil não é a mais abonadora a respeito.
Por que, então, agirmos como avestruzes, como se não estivesse acontecendo nada? O que exatamente garantiria um estado permanente de democracia em nosso país, além de nossos vastos e bem intencionados desejos? Nossas "honradas e sólidas" instituições? Mas quais, exatamente? Essa Justiça e esse Congresso de decisões casuísticas, de indignações oportunistas, movidas pelas pautas da mencionada imprensa golpista?
Vale lembrar que, durante os protestos de 2013 em São Paulo, sindicalistas, sem-terra e outros manifestantes ficaram acuados em plena Avenida Paulista por uma horda de fascistas. Estes saíram quebrando bandeiras vermelhas, ou que não fossem do Brasil. Houve ameaças e agressões. Os manifestantes de esquerda ficaram isolados, fizeram um cordão. Por incrível que pareça, black blocs foram os responsáveis por não ter havido uma tragédia - ao protegerem os movimentos institucionalizados. Pouca gente percebeu os sinais. E as eleições acabaram colocando mais lenha na fogueira.
REPENSANDO A AGENDA
Sou crítico de políticas apenas reativas. Acho que a esquerda se moveu demais, nos últimos tempos, em torno de Felicianos e quetais, ajudando a promovê-los, e com dificuldades imensas de emplacar os próprios temas, as próprias reivindicações. Da mesma forma que considero um erro se mover apenas em função do que os ruralistas aprontam no Congresso, de forma a se conquistar apenas (quando muito) a retirada de bodes na sala. Correndo atrás do prejuízo.
Sim, acho que deveríamos estar promovendo as discussões de longo prazo (vítimas de sucessivas tentativas de assassinato durante esse último debate eleitoral emburrecedor). Como a questão agrária, o modelo de consumo, o modelo de mobilidade urbana, de ocupação do território, as causas primeiras da violência. A questão ambiental, mãe da crise hídrica. Não deveríamos esquecer dos indígenas, de todos os povos tradicionais que seguem sendo vítimas desse modelo econômico suicida.
Mas este é um momento de admitir que falhamos em tudo isso. Erramos. Fracassamos. (Lembro-me aqui da ideia do "pacto entre derrotados", do Ernesto Sabato.) E, portanto, precisamos, ainda que em paralelo com as discussões listadas acima, colocar de vez em pauta essa explosão de obscurantismo, esses lobões e lobófilos lombrosianos, esses discursos do ódio, essa defesa abjeta da tortura, do golpe, da morte, a morte do sistema, a morte como sistema.
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A esquerda precisa admitir que é assustador o número de pessoas na rua nessas manifestações de extrema direita, a pedir intervenção militar e o impeachment de uma presidente reeleita há apenas uma semana. Assim como é assustador o número de pessoas que compartilham as fotos e as ideias desses fascistas. Não é apenas mais uma brincadeirinha de ignorantes, meus caros. Eles estão se levando a sério. E arrebatando incautos. A partir da soma das viúvas da ditadura com o sentimento antipetista mais radical, despolitizado e primário.
Os dilmistas mais empedernidos também precisam admitir que ajudaram a chocar esse ovo da serpente, ao radicalizarem contra Marina Silva, permitindo a ressurreição do tucanato - com o substrato de direita inerente à volta do Fla-Flu entre PT e PSDB. Isso significa fazer um mea culpa imediato, emergencial, e cobrar atitudes sensatas daqueles que foram eleitos. Vocês que se precipitaram tanto são também responsáveis por esse... por esse clima.
O Ricardo Mendonça, jornalista da Folha, observou no Twitter que o PSDB precisa ser rápido e se distanciar dessa corja de golpistas. Em respeito à sua história. Mas não é o que parece estar acontecendo. Em Brasília havia um carro de som de um deputado do PSDB, Izalci. Os tucanos começaram a abrigar a bancada da bala. E alimentam o pseudonoticiário de revistas inescrupulosas, como IstoÉ e Veja. Buliram com a credibilidade.
Onde estão os democratas? Por que estão tão calados? Em São Paulo, o deputado eleito Eduardo Bolsonaro (PSC), eleito com os votos de Marco Feliciano, discursou e falou que, caso seu pai fosse candidato, teria "fuzilado" Dilma Rousseff. Ora, é preciso haver reação imediata. Processo nele. E em qualquer liderança que coloque em risco a democracia. Em caso de incitação ao crime, mais do que isso.
SILÊNCIO E HISTÓRIA
Será mesmo o silêncio a a melhor estratégia? A história da humanidade é a história de ditaduras e teocracias, de democracias extremamente imperfeitas e apenas eventuais. Na América Latina, em história recente, tivemos golpe em Honduras, no Paraguai (apoiado por nossa mídia estúpida), quase tivemos na Venezuela (comemorado por essa mesma imprensa venal). E a história do Brasil não é a mais abonadora a respeito.
Por que, então, agirmos como avestruzes, como se não estivesse acontecendo nada? O que exatamente garantiria um estado permanente de democracia em nosso país, além de nossos vastos e bem intencionados desejos? Nossas "honradas e sólidas" instituições? Mas quais, exatamente? Essa Justiça e esse Congresso de decisões casuísticas, de indignações oportunistas, movidas pelas pautas da mencionada imprensa golpista?
Vale lembrar que, durante os protestos de 2013 em São Paulo, sindicalistas, sem-terra e outros manifestantes ficaram acuados em plena Avenida Paulista por uma horda de fascistas. Estes saíram quebrando bandeiras vermelhas, ou que não fossem do Brasil. Houve ameaças e agressões. Os manifestantes de esquerda ficaram isolados, fizeram um cordão. Por incrível que pareça, black blocs foram os responsáveis por não ter havido uma tragédia - ao protegerem os movimentos institucionalizados. Pouca gente percebeu os sinais. E as eleições acabaram colocando mais lenha na fogueira.
REPENSANDO A AGENDA
Sou crítico de políticas apenas reativas. Acho que a esquerda se moveu demais, nos últimos tempos, em torno de Felicianos e quetais, ajudando a promovê-los, e com dificuldades imensas de emplacar os próprios temas, as próprias reivindicações. Da mesma forma que considero um erro se mover apenas em função do que os ruralistas aprontam no Congresso, de forma a se conquistar apenas (quando muito) a retirada de bodes na sala. Correndo atrás do prejuízo.
Sim, acho que deveríamos estar promovendo as discussões de longo prazo (vítimas de sucessivas tentativas de assassinato durante esse último debate eleitoral emburrecedor). Como a questão agrária, o modelo de consumo, o modelo de mobilidade urbana, de ocupação do território, as causas primeiras da violência. A questão ambiental, mãe da crise hídrica. Não deveríamos esquecer dos indígenas, de todos os povos tradicionais que seguem sendo vítimas desse modelo econômico suicida.
Mas este é um momento de admitir que falhamos em tudo isso. Erramos. Fracassamos. (Lembro-me aqui da ideia do "pacto entre derrotados", do Ernesto Sabato.) E, portanto, precisamos, ainda que em paralelo com as discussões listadas acima, colocar de vez em pauta essa explosão de obscurantismo, esses lobões e lobófilos lombrosianos, esses discursos do ódio, essa defesa abjeta da tortura, do golpe, da morte, a morte do sistema, a morte como sistema.
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Publicado por
Alceu Castilho, jornalista.
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