quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

“Cinicolândia” ajuda a entender o que acontece em São José dos Campos

por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)

Cunhei o termo Cinicolândia para me referir à disputa – eleitoral – entre políticos, à margem de interesses republicanos. Isto foi na segunda-feira, diante das informações, pela Folha, de que Gilberto Kassab (PSD) e Geraldo Alckmin (PSDB) optaram pela abordagem policialesca dos dependentes de drogas em São Paulo, diante de uma possível iniciativa do governo federal na região da Cracolândia. Foi uma reação a um plano esboçado por Dilma Rousseff e Alexandre Padilha (PT) – este um virtual candidato ao governo estadual, em 2014.

Mas a palavra se encaixa perfeitamente bem no caso da Ocupação Pinheirinho, em São José dos Campos. Mudam as circunstâncias e os personagens – à exceção de um, o chefe-mor da polícia paulista. A prefeitura de São José dos Campos, de um certo Eduardo Cury (PSDB), e o governo estadual poderiam ter desapropriado a área onde vivem 2 mil famílias. Não o fizeram. Diante de aceno do governo federal no sentido de uma solução para o caso, Cury e Alckmin fazem de conta que o problema não é com eles.

A consequência dessa “omissão” pode ser um massacre. O bairro do Pinheirinho é a maior ocupação organizada do País. E os moradores estão armados (com capacetes, cacetetes, cachorros etc) para enfrentar a Tropa de Choque. Não se trata de improviso: eles têm avisado a opinião pública nacional desse “conflito do século” pelo menos desde o dia 8 de dezembro, quando vários movimentos de sem-teto e sem-terra reuniram-se no vão livre do Masp, em São Paulo.

Se o PSD e os tucanos mostram-se absolutamente indefensáveis nos dois casos, há alguma nuance em relação ao governo federal. No caso da Cracolândia, a ação paranóica (e eleitoreira) da dupla Kassab e Alckmin, ao arrepio do que se estuda em saúde e assistência social, não foi desafiada pelo governo Dilma – que está assistindo a tudo de camarote, como se não estivéssemos presenciando a uma das mais escandalosas violações de direitos humanos, no Brasil, pelo próprio aparato estatal.

No caso de São José dos Campos é possível reconhecer, pontualmente, que as iniciativas federais – e de alguns membros do PT - possam contribuir para uma solução momentânea, para evitar o pior. Mas a Cinicolândia não deixará de existir por isso. Direito à moradia e à terra seguem ignorados no Brasil. E especuladores (como o investidor Naji Nahas, dono do terreno ocupado em São José) ganham todas as atenções dos gabinetes – tomam seus cafezinhos com os poderosos e, em muitos casos, financiam suas campanhas.

Reconhecer (e eventualmente aplaudir) alguma intervenção do governo federal nessa questão social em São Paulo não mudará o fato de que toda a Cinicolândia tem esquecido – por sua própria definição, aliás – de priorizar os direitos dos espoliados. Dos sem-teto, sem-terra, moradores de rua, povos indígenas etc. No Xingu os índios já reclamam que a água que bebem está barrenta, por conta da usina de Belo Monte. A reforma agrária não anda. Analfabetos seguem analfabetos. Não há combate efetivo à exploração sexual. E assim por diante.

Os temas estão conjugados. Basta pensar no direito das crianças e adolescentes. Política do Tribunal de Justiça de São Paulo em relação a crianças dependentes de crack, na região central de São Paulo, foi desmontada pela ação tresloucada de Alckmin-Kassab. Crianças indígenas morrem, por falta de saúde ou à bala, do Mato Grosso do Sul ao Maranhão. Outras seguem à mercê dos abusadores e exploradores sexuais – muito além da indignação episódica em tempos de Big Brother.

É nesse contexto que o Pinheirinho deve ser pensado. A resistência dos moradores é a mesmíssima resistência dos povos indígenas do Xingu. A lei, como mostrou no fim de semana o cientista político Carlos Novaes na TV Cultura, é perversa. A lei e suas interpretações sempre a favor dos poderosos. Basta lembrar que a “empresa” de Naji Nahas nunca pagou IPTU à prefeitura de São José dos Campos. Cada brasileiro pode deixar de pagar esse imposto sem consequências? Se não pode é porque há desigualdade, uns são mais iguais que outros – em outras palavras, as políticas são cínicas.

E que não se invertam as responsabilidades.  Em São José dos Campos, a integridade física de crianças, mulheres e idosos (todos em vigília nos últimos dias, sob tortura psicológica) está em perigo. Quando a população questiona a aplicação perversa de determinadas leis e políticas em momentos-chave estamos longe de viver um quadro “revolucionário”.

É apenas um aviso de que a sociedade civil organizada ainda respira.

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