Grandes
Patifes da Literatura (V) - Paulinho Perna Torta
João Antônio
é um dos grandes escritores brasileiros. E, com a sua galeria de
malandros, um dos mais importantes para entender a nossa sociedade
excludente. “Paulinho Perna Torta” é o nome de um longo conto
sobre uma dessas pessoas que, após uma sequência de explorações e
discriminações, torna-se bandida. Paulinho Perna Torta vira
cafetão, assaltante, faz de tudo no crime, na região central de São
Paulo.
O conto foi
escrito em 1965, mas publicado em 1974, no livro “Leão-de-Chácara”.
Em artigo publicado na Revista de Estudos Avançados, da USP, o
escritor Bruno Zeni mencionava, em 2004, um trecho importante.
Paulinho diz: “[...] me ensinaram que meu negócio era ver e
desejar. Parasse aí”. Zeni observa que, para o protagonista, “as
pretensões de acumulação material não deveriam passar de
fantasia”.
Estamos aqui,
portanto, no quinto texto da série, diante de um caso muito diverso
dos dois anteriores: Paulo Honório, de Graciliano Ramos, e João
Romão, de Aluísio de Azevedo, representam proprietários de terra,
capitalistas. Fernando Vidal Olmos, de Ernesto Sabato, era também um
bandido, mas burguês. Perna Torta, um espoliado.
A escalada de
Paulinho duma Perna Torta (ele não gostava da abreviação) no mundo
do crime tem um momento antológico. João Antônio narra os
conselhos daquele que era seu professor do crime. Mas a sequência –
específica sobre machismo - poderia ser a mesma caso o conselheiro,
com alguma variação temática, fosse uma raposa política diante de
um novato, ou um empresário experiente diante de seu sucessor, um
fazendeiro ensinando um jagunço.
Paulinho
tinha apenas 18 anos e vivia com uma prostituta. Já era seu cafetão,
mas ela o dominava. Vejamos:
“Vivia todo
arranhado. Quando eu não dormia com ela, por ficar lá mesmo na
minha tarimba da boca do Arrudão, na outra noite, Ivete estalava de
nervos, se metia a me bater. Eu entendia mal todo aquele movimento.
Ficava como um moleque bocó arriado à beira da cama. Agüentando a
gritaria...Por onde foi
que andou, cadelinho? - com aquele ar canalha me gozando no canto da
boca.
- Uma criança.
Um dia de cabeça quente, boquejei com Laércio, pedi-lhe uma luz. O
mulato me zombou e ouvi xingo, esculhambação, desconsideração.
Fiquei desengonçado como um papagaio enfeitado. Entendendo nada.
- Também...
Você deixa a gringa lhe fazer gato e sapato. Dá-lhe um chalau, seu
trouxa.
Arrudão
arrastou este aqui para um canto e ensinou.
- Você vai
deixar de ser um pivete frouxo. Vou te levantar a crista pra você
dar uma ripada nessa gringa – e me olhou dos pés à cabeça –
porque você é gente minha.
O brilho de
simpatia nos olhos de Laércio Arrudão começou por me ensinar que
quem bate é o homem. E manda surra a toda hora e fala pouco. Quem
chega tarde é o homem. Quem tem cinco-dez-mulheres é o homem – a
mulher só tem um homem. Quem vive bem é ele – para tanto, a
mulher trabalha, se vira e arruma a grana. Quem impõe vontades,
nove-horas, cocorecos, bicos-de-pato e lero-leros é o macho. Homem
grita, manda e desmanda, exige, dispõe, põe cara feia e pede
pressa. A mulher ouve e não diz um a, nem sim, nem não, rabo entre
as pernas. Mulher só serve para dar dinheiro ao seu malandro. Todo
o dinheiro. Por isso, entre os malandros da baixa e da alta, as
mulheres se chamam minas.
Laércio
Arrudão me ensinou.
- Mulher lava
os pés do seu homem e enxuga com os cabelos.
Laércio
Arrudão me ensinou.
- Outra coisa:
duas ondas bestas podem perder um homem. Gostar e mulher bonita.
Malandro que é malandro se espianta e evita tudo isso.
Pousando as
duas mãos nos meus ombros, falando baixo e sério um português bem
clarinho, Laércio começava a me escolar que quem gosta da gente é
a gente. Só. E apenas o dinheiro interessa. Só ele é positivo. O
resto são frescuras do coração.
Eu precisava
tomar uns pontos na ignorância.
À noite, à
toa, à toa, meti-lhe um sopapo na caixa do pensamento. Ela caiu e
quis pôr a boca no mundo. Chapoletei-lhe mais um muquete e se
aquietou.
- Fale baixo
comigo.
Agora, ganha
porrada toda a mão que tenta uma liberdade. Às vezes, à frente
das outras mulheres do Salão Azul. Então, meu nome se espalha e
começa a ganhar tamanho na zona. Boquejam à boca pequena:
- Um valente
ponta firme.
Ivete se
sente mulher de malandro e me agrada mais. Vem se aninhar como uma
cachorra. Sou temido e presenteado”.
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