Caso Tenharim: o sonho do pajé, a conta de luz ou a galinha?
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
No
momento em que cinco Tenharim estão presos em Porto Velho (em condições
degradantes), suspeitos de ter matado três pessoas na Rodovia
Transamazônica, no sul do Amazonas, vale refletir um pouco sobre um
aspecto fundamental na investigação de qualquer crime: os motivos.
Em entrevista ao site Amazônia Real, o advogado dos familiares dos desaparecidos - também advogado de madeireiros - diz o seguinte:
- Tem no inquérito a questão levantada por um pajé de outra etnia. Ele
sonhou que foi um carro preto que atropelou o cacique Ivan Tenharim. Os
filhos do Ivan Tenharim participaram diretamente da cena do crime.
Consta no inquérito também uma insatisfação dos índios com o técnico da
Eletrobrás, o Aldeney Salvador. Ele vinha cobrando a conta de energia
aos índios, que pagavam a conta da energia. Os índios tinham alguma
reserva contra esse rapaz, o Aldeney. Os índios o conheciam muito bem,
chegaram a jogar bola com ele em algumas ocasião.
Então vamos lá. De volta a história do pajé. Como não tem pajé entre os Tenharim, agora decidiram que o pajé é de outra etnia.
Mas raciocinemos. Você é um Tenharim. Mensalmente, seus parentes
arrecadam (segundo seus detratores) R$ 35 mil de pedágio na
Transamazônica. Morre um cacique. Um pajé de outra etnia diz que sonhou
com um carro preto. Treze dias após o cacique morrer, você para um carro
preto, degola o motorista e atira nos dois passageiros. (O povo de
Humaitá e região se revolta e o seu povo fica sem o pedágio.)
Mas não. Não foi por isso. Não foi por causa do sonho. Diz o próprio
advogado que os índios tinham alguma reserva contra o motorista. Porque
ele cobrava a conta de energia dos índios. (Francamente: o gerente da
Eletrobrás é quem cobrava a conta?) Jogavam bola com ele. Um dia, ele
passa com o carro e é degolado. Está com duas pessoas e...
Claro. Temos de aguardar as investigações da Polícia Federal. Mas que
elas sejam sérias. Pois as duas versões, isoladamente, são implausíveis.
A julgar pelo que o advogado diz, na linha do discurso racista
consagrado na região, ora os indígenas são espertalhões frios e
calculistas, ora são panacas completos. E impulsivos.
Mas é
pior que isso: juntas, essas duas versões são absolutamente
incompatíveis. Esse conjunto eletro-onírico desafia as leis elementares
da lógica. Ou uma coisa ou outra, pois não?
Um sonho de um pajé
(de outra etnia) se une à súbita vontade de não pagar conta de luz... o
cara que cobraria a conta de luz passa no carro preto imaginado pelo
pajé... e, claro, você vai lá e destrói a suposta galinha dos ovos de
ouro: a grana do pedágio.
Decidam-se! Os Tenharim matariam (ou
mataram) os três desaparecidos por quais motivos? (Polícia Federal,
Ministério Público, juízes, respondam.)
Mas decidam sem subestimar a nossa inteligência.
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