terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Portais transformam vítima de agressão na USP em “suposto” estudante

por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)

O portal UOL divulgou a notícia da agressão ao aluno de Ciências da Natureza da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) com o seguinte título, no meio da tarde de ontem: “Vídeo mostra policial militar agredindo suposto estudante da USP”.

“Suposto”. Por enquanto guardemos esta palavra. “Suposto estudante”. O que ela significa, nesse caso?

Por ora avancemos. Pois outro portal de notícias importante, o G1 (de um dos grupos, ao lado da Folha de S. Paulo, que controla o UOL), seguiu na mesma linha ao definir Nicolas Menezes Barreto - sem nomeá-lo - como “um homem”. Ou um “jovem”. Os termos foram utilizados no texto, no título e na outra chamada principal da notícia.

Entre os três grandes formadores de opinião, foi o portal Estadão o mais preciso. Chamou Nicolas - vejam só - pelo nome e sobrenome. E o classificou como ele é – um estudante.

Tivessem os jornalistas olhado para a carteirinha que ele exibiu às câmeras, e feito uma apuração básica, todos os leitores saberiam que Nicolas era mesmo Nicolas - e também músico. Os que conseguiram entrevistá-lo sabemos ainda que ele é professor de Ciências na rede municipal – e de sua renda depende também sua família.

Ao definirem Nicolas como um “suposto” estudante, os portais de notícias embarcaram numa grande teoria da conspiração montada na reitoria da USP, numa espetacular paranoia do reitor João Grandino Rodas – o mesmo que se revelou tão pouco rígido, nas investigações da Comissão de Mortos e Desaparecidos, em relação a punir torturadores.

Por essa teoria bancada pela reitoria, os ocupantes da antiga sede do DCE Livre, onde Nicolas foi espancado e teve uma arma apontada para si, não eram... não eram estudantes. Eram apenas “supostos” estudantes. “Homens”, “rapazes”, sem vínculo com a Cidade Universitária.

Aqui precisa ficar claro que caberia exatamente a esse detalhe (a condição de não estudantes) a função de tornar legítima qualquer tensão adicional na USP, nestes primeiros dias do ano. Isto, claro, aos olhos punitivos de Rodas - e da polícia truculenta do governador Geraldo Alckmin (PSDB).

Estamos aqui falando também de uma complacência da sociedade com certas violências. Pois não lemos diariamente na internet legiões de paulistas defendendo uns “corretivos” em estudantes que ousam fazer outras coisas que não estudar - como política estudantil? Uma palmadinha aqui, uma torturazinha ali – mas longe das câmeras, por favor!

Alguém pode até ter pensado: “De quem foi essa ideia de se comportar de forma tão destemperada, sabendo que estavam sendo filmados?”

Mas voltemos aos "supostos". No Estadão, lemos que os ocupantes do Centro de Vivência – um espaço em disputa entre estudantes e reitoria - eram, todos eles, “punks”. Sim, punks ocupando um prédio da USP. Isto foi escrito no jornal no dia 5 de janeiro. Mais precisamente, “um grupo de punks anarquistas e antifascistas” – conforme reportagem assinada por dois jornalistas do grupo.

AS PERIGOSAS BITUCAS

Esses punks estariam lá no lugar de estudantes, que, segundo o jornal, saíram de lá no ano passado. O relato chega a apontar no chão “bitucas de cigarro jogadas pelo chão e uma ampola de cocaína”. Como as bitucas ainda não são um problema de segurança pública, parece-me que a descrição preocupa-se com existência de... “drogados”. Drogados! Mais até do que os “maconheiros” que os postantes de internet tanto adoram associar à USP. E, portanto, qualquer semelhança com a repressão na Cracolândia terá sido mera coincidência?

Todo o texto do Estadão estava nesse contexto – de descrever aqueles homens como usurpadores do espaço universitário. E a reportagem foi publicada quando? Na quinta-feira, dia 5. Ou seja, ela precedeu em um dia (exatamente em um dia) a primeira desocupação do Centro de Vivência, o DCE Ocupado. Precisamente na sexta-feira a Guarda Universitária lá esteve. E com truculência – comparável à da polícia de Alckmin.

Uma das fotos divulgadas pelos estudantes mostra (entre várias pessoas que, sim, estudam na USP) uma gestante tentando sair do local – sem conseguir. Ela é estudante de Matemática na USP. E negra. O portão de ferro, baixado pelos guardas, machucou suas costas.


A pergunta ingênua que nos fica é: a sociedade paulistana – essa que se mostra tão complacente com “corretivos” - se importaria com umas pancadas a mais ou a menos em “punks”? “Drogados”? “Homens” não vinculados a uma instituição de ensino universitário - e não os seus futuros professores, geógrafos, filósofos etc?

Infelizmente eu imagino que não - diante do vasto analfabetismo social em relação a direitos humanos. Claro, estamos aqui no terreno das suposições. O que teria acontecido se um sargento truculento tivesse batido num punk – e não num estudante. Mas ao menos isto me ajuda a voltar à palavra “suposto” – como quis o UOL.

Terá sido por coincidência, então, que esse sargento escolheu (entre várias pessoas presentes), para enfrentar, não o corinthiano bem nutrido ao lado, não a bela moça que estava por ali? Não. O valente sargento mapeou o local e escolheu o rastafari. Um suposto estranho no ninho: um jovem homem negro.

E foi lá desferir suas bordoadas em Nicolas, o franzino. Diante da evidência de que ele era – e é – estudante da USP, o policial conseguiu ficar ainda mais transtornado do que já estava. Começou a andar de lá para cá. A turma de policiais militares na Cidade Universitária seguiu à mercê de seu comando instável. Ele sabia que falhara em sua missão.

No meio da tarde de ontem, a cúpula da Polícia Militar foi rápida: puniu o sargento. Tirou-o imediatamente das ruas. Não, a Secretaria de Segurança Pública não se importou em investigar os mandantes (mas quem são mesmo eles nas ações do governo estadual, não é mesmo) da operação. Não se importou com a farsa bancada por João Rodas. Não questionou os jornais que legitimaram a invasão do DCE Ocupado - sem mandado judicial.

Sobrou para André, o sargento frenético.

LEIA MAIS:
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Sobre imprensa, estudantes e tortura

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3 comentários:

Chi Qo disse...

São supostos policiais também, já que envergonham a farda!

E supostos veículos de imprensa, uma vez que não informam direito!!!

wagao disse...

Essa questão de segurança pública no campus universitário precisa ser melhor debatida. A direita estudantil defende a presença da polícia no campus. A polícia tem de estar nas ruas combatendo a criminalidade. Mesmo que seja necessário a presença da polícia no campus não precisa estar fortemente armada Não precisa de arma de fogo. O necessário seria cacetede, escudo e talvez spray de pimenta no máximo. Estudante não é bandido. O governador, o reitor são políticos direitista.

Cinthia disse...

Favor ver as matérias do Portal iG sobre o assunto:
Vestibulandos repudiam agressão
http://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/vestibular/vestibulandos-repudiam-agressao-mas-se-dividem-sobre-pm-no-campu/n1597562963169.html
"A gente estava ocupando o espaço que é nosso", diz estudante agredido
http://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/a-gente-estava-ocupando-o-espaco-que-e-nosso-diz-aluno-agredido/n1597559236960.html
Vídeo mostra agressão a estudante
http://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/video-mostra-agressao-de-estudante-por-policial-na-usp/n1597558757141.html