O sociólogo e professor
Henrique Pereira Monteiro, doutorando em Filosofia na Universidade de São Paulo,
relatou nesta terça-feira, pela internet, um caso de abuso de autoridade – e de
provocações feitas por policiais diante de sua casa, no distrito Barão Geraldo,
em Campinas.
Diante de abordagens humilhantes a adolescentes, numa praça no bairro, ele (que estuda na
USP violência policial) e sua companheira foram conversar com os PMs – para que
os direitos de todos fossem garantidos.
Monteiro
conta ter sido intimidado e ameaçado. Depois disso, viaturas começaram a passar
devagar em frente de sua casa. Em outra situação, de novo por tentar saber qual
a acusação contra rapazes detidos, foi ele mesmo levado pelos policiais por “desacato
à autoridade”.
Confira o
relato do professor:
“Ao longo do
ano passado, o bairro em que moro no distrito de Barão Geraldo, em Campinas,
esteve sob presença constante da Polícia Militar. Não demorou para eu e minha
companheira Georgia Sarris começarmos a presenciar formas de abuso de
autoridade, como abordagens humilhantes de adolescentes. Moramos perto de uma
praça que é um dos pontos centrais de tais ações, cujo viés racial e de classe
é conhecido. A repetição dos casos começou a nos preocupar. Com o intuito de
mostrar a presença de moradores que não se conformariam com abusos, fui até os
policiais durante uma batida no final de agosto.
Apresentei-me educadamente, perguntei do que se tratava e disse
que ia permanecer no local para verificar se tudo iria transcorrer
tranquilamente. Tal atitude, a de um simples cidadão comum observando os
procedimentos de um agente público, algo que deveria ser banal em qualquer
regime democrático, gerou imediatamente um turbilhão inacreditável de
agressividade. Foi o bastante para que eu fosse intimidado de várias formas ao
longo de mais de duas horas, com ameaças de prisão (ilegal) por não portar
documento de identidade, por desacato, entre outros exemplos. Deixei claro que
estava disposto a denunciar abusos e fiz críticas à estrutura autoritária da
PM, mas sempre tratei os policiais da forma mais respeitosa possível.
Entretanto, a questão não era de mais ou menos polidez. O problema, na verdade,
é que, ao questionar diretamente a PM, atravessei uma fronteira social muito
precisa: assim como os jovens pobres que frequentam (ou tentam frequentar) as
praças de Barão Geraldo, eu já havia deixado de ser "cidadão" e me
tornado um inimigo.
Depois disso, começou um processo de intimidação pessoal discreta,
mas clara. Viaturas passando muito vagarosamente na minha porta, em frente à
minha mesa no restaurante, faroletes na minha janela à noite, policiais me
encarando em vários lugares do bairro etc. Houve outra batida, em frente à
minha casa, que era nitidamente uma provocação, com um policial de braços
cruzados, peito estufado, pernas abertas bem diante do meu portão. É claro que
não fui lá.
No dia 29 de dezembro passado, nova batida na praça, desta vez
envolvendo um vizinho. Não pude deixar de ir até o local, inclusive para apoiar
minha vizinha, companheira de um dos rapazes detidos, que observava à
distância. Quando os policiais disseram que iriam levá-los, nós nos
aproximamos. Comecei a fazer as perguntas básicas: "Para onde serão
levados? Sob qual acusação?" De novo, fui cercado por vários policiais e
intimidado de forma truculenta. Provocações variadas se seguiram até que um dos
policiais forçou a minha prisão, completamente arbitrária, por "desacato à
autoridade". Mesmo depois, provocações e ameaças não pararam.
O interesse pessoal que tenho em divulgar esta história -
preservar a minha segurança e a de minha companheira — já aponta também o seu
evidente interesse público. A violência que sofri - até agora - é ínfima para
os padrões de ação da Polícia Militar do Estado de São Paulo, como sabem os
jovens das periferias, os militantes de movimentos sociais, os ativistas de
direitos humanos. No entanto, ela é da mesma natureza e também serve como
documento, ainda que em escala reduzida, de processos sociais que nos afetam a
todos e devem ser combatidos. Quando se trata da higienização social das
cidades, da criminalização do protesto, da expansão do autoritarismo e da
policialização generalizada das relações sociais, nenhuma "escala" é
pequena o bastante para ser desprezada."
(Henrique
Pereira Monteiro, 03 de janeiro de 2012).
O professor contou ao blog que seu advogado está protocolando uma representação na Polícia Civil. Ele pretende também contar a história ao Ministério Público Estadual, logo após o recesso dos promotores.
Monteiro faz doutorado na USP sobre o tema "Crítica da sociologia da violência no Brasil". Em novembro ele foi um dos 267 pesquisadores da USP que assinaram manifesto contra o reitor João Grandino Rodas por conta da crise na universidade.
Ele lecionou Teoria Política e Relações Internacionais por cinco anos numa faculdade privada de Campinas; deixou esse trabalho para cursar o doutorado. "Minha tese discute exatamente o discurso securitário contemporâneo e o atual estado de exceção permanente", diz ele.
Graduado na própria Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, ele é o terceiro estudante da FFLCH a denunciar, nos últimos dois meses, violências policiais. Em novembro a estudante de graduação Rosi, da Filosofia, contou ter sido torturada durante a desocupação da reitoria. Em dezembro foi a vez do antropólogo Danilo Paiva Ramos, também estudante de doutorado, relatar que a PM o espancou na Avenida Paulista enquanto comemorava o título do Corinthians.
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LEIA MAIS:Rosi conta como foi torturada na USP
2 comentários:
olá, Camila.
Olha, antes de mais nada não há oposição entre discurso e realidade, denúncia e "algo concreto". Tudo faz parte do mesmo bolo.
É também com denúncias de abusos policiais que estes serão inibidos.
Claro que não se trata de ação única. Os denunciantes devem buscar os órgãos competentes, por exemplo. E isso tem sido feito.
As organizações de direitos humanos legitimam-se a partir de cada relato como esse - de alguém, aliás, que estuda violência policial e sabe da importância de se escancará-la.
Que se trata de um processo de mudança de cultura não tenhamos dúvida. E desse processo fazem também parte os relatos (e os discursos).
Uma só pessoa que não leve uma borrachada (para não falar de casos mais graves, de tortura, de homicídios) por conta de mil discursos já justificaria cada um deles.
abraço,
Alceu Castilho
O sr Henrique Monteiro não quer o policia perto da sua casa? Ou abordando pessoas? Me desculpe mas eu gostaria muito que a PM estivesse mais vezes na minha rua, ou abordando pessoas porque só assim saberão quem é bandido ou não! O sr Henrique Monteiro só esqueceu de comentar um fato, o de que as praças de barão Geraldo estão cheias de jovens usando drogas e não se importando mais nem com o horario que fazem isso! estava passando por uma destas praças a que o Sr Henrique Monteiro menciona e presenciei jovens fumando maconha e o pior é que era as 11 horas da manha, então Sr Henrique Monteiro se o senhor quer garantir direitos, garanta o meu, o DIREITO de levar meus filhos a escola as 11 horas da manha e não ter que presenciar pessoas fazendo uso de drogas, porque não sou obrigado e nem meus filhos de presenciar tais fatos, ja que o Sr não quer que a PM faça o serviço dela então faça o Sr por nós!!! Se o senhor se sente intimidado com a presença da PM então te aconselho a mudar para A USP porque lá os "estudantes" acham que é terra de ninguem, que é uma terra sem lei, onde eles podem usar drogas a vontade e não querem que a pm interfira! POLICIA MILITAR por favor continue passando em nossas ruas, fazendo abordagens em nossas praças e reprimindo o uso de drogas que a cada dia mais destroi nossos jovens e nossa familia!!!
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