quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

“Democracia de braços cruzados” permite policiais sem identificação

por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)

O sargento André Luiz Ferreira tornou-se o bode expiatório do governo paulista ao protagonizar, na segunda-feira, a série de agressões ao estudante Nicolas Menezes Barreto, da USP, na Cidade Universitária. Em um dos momentos mais curiosos do vídeo gravado por estudantes o policial cruza os braços, para esconder a identificação em seu uniforme.


Diante da solicitação feita por uma estudante, ele pergunta: “Por que você quer ver meu nome?” E completa, em tom choroso: “Não quero mostrar meu nome”.


Em entrevista à Rádio Brasil Atual, a desembargadora Kenarik Boujikian Felippe ensina: “É uma obrigação. Todo funcionário público tem que se identificar, não somente o policial militar”. Ela é do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e faz parte da Associação Juízes para Democracia. “Esse é um grave problema que temos na área de segurança”, afirma Kenarik. “Eles têm de ter uma papeleta no bolso com seu nome, até para se identificar a autoria dos abusos.”

O caso do sargento na Cidade Universitária não é isolado. Desde o início da crise recente na USP policiais vêm sendo flagrados sem identificação. Isso ocorreu no dia 27 de outubro, quando policiais tentaram prender três estudantes que portavam maconha, no estacionamento da Faculdade de Filosofia. Ocorreu durante a reintegração de posse da reitoria, no dia 8 de novembro, quando a estudante Rosi (aluna de Filosofia na USP) foi torturada por PMs.

Em todos esses casos a identificação fora arrancada do uniforme – ou lá nunca estiveram. O sargento André fez apenas uma tentativa mais curiosa (folclórica até, cruzando os braços e fazendo um muxoxo) de ocultar seu nome.

Mas vamos além, lembrando de casos que entraram na história do País.

Um deles, o massacre de Corumbiara, em 1995, em Rondônia. Pelo menos dez camponeses foram mortos por policiais militares – que chegaram a atirar a esmo. Dois PMs morreram. O caso teve requintes de crueldade – execuções, uma criança de 7 anos baleada, um trabalhador obrigado a comer os miolos dos amigos. E os policiais estavam identificados? Não estavam. Fotos dos sem-terra mostram policiais encapuzados, ao lado de jagunços.



Outro caso emblemático é o massacre do Carandiru, a antiga Casa de Detenção de São Paulo. Nada menos que 325 policiais militares entraram no Pavilhão 9, em 1992, sem suas insígnias e outros sinais de identificação. Entre os 325 policiais, 68 foram acusados pelo massacre. Detalhe: as provas do processo mostraram que não houve confronto armado com os presos. A maioria foi executada dentro de suas celas.


É nesse contexto que precisamos analisar os braços cruzados do sargento André. Ele estava particularmente descontrolado na USP e será julgado pela sua agressão a Nicolas e a outros estudantes. Mas o caso está longe de ser excepcional. No dia a dia dos brasileiros nem sempre há uma câmera registrando os abusos policiais. E a “distração” deles é recorrente.

Não se trata, como vimos, de uma decisão individual – “eu não quero mostrar meu nome”. E sim de uma condição mínima para o funcionamento de uma democracia.

O francês Stéphane Hessel, líder da resistência contra os nazistas e um dos autores da Declaração Universal dos Direitos Humanos, lançou no ano passado, aos 93 anos, um livro onde conclama os jovens a seguir resistindo às opressões. O nome do livro é: “Indignem-se!”

Para que os direitos dos brasileiros (de ir e vir, direito à manifestação) sejam garantidos, a exclamação precisa ser completada com outro verbo, dirigido aos policiais de plantão: “Identifiquem-se!”

São eles que precisam mostrar a carteirinha.

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