sábado, 4 de fevereiro de 2012

Entrevista com Elizabeth Teixeira ajudou cineasta a localizá-la
 

Em 2006 entrevistei Elizabeth Teixeira, no Senado. Ela acabara de ser homenageada, no Dia Internacional da Mulher. A entrevista foi publicada no site da Agência Repórter Social – do qual eu era um dos editores. Ao conversar com a cineasta Susanna Lira, descobri que ela foi decisiva para a realização de seu documentário sobre a camponesa: é que, indagada sobre onde morava, a viúva de João Pedro Teixeira, o "Cabra Marcado para Morrer", deu seu endereço completo, em João Pessoa – tornando mais fácil a busca da cineasta. Reproduzo a entrevista aqui, na íntegra, conforme publicada na época:

por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)


Aos 81 anos, Elizabeth Teixeira, a viúva de “Cabra Marcado para Morrer”, ainda sonha com a reforma agrária


BRASÍLIA - Ao falar da morte do marido, João Pedro Teixeira, há exatos 44 anos, a paraibana Elizabeth Altina Teixeira comete um ato falho (ou nem tanto): começa a falar no tempo passado, “ele só queria o melhor para a classe trabalhadora”, e passa para o tempo presente, “e é assassinado, barbaramente”. Vinte e dois anos após o lançamento de “Cabra Marcado para Morrer”, o consagrado documentário de Eduardo Coutinho, o testemunho de Elizabeth ganha força de atualidade, diante das estatísticas sobre mortes no Brasil em decorrência de conflitos fundiários: 1.500 nos últimos anos, segundo a Comissão Pastoral da Terra, 39 delas em 2005. Elizabeth foi homenageada no Senado no dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher. Ex-candidata a deputada estadual pelo PSB, filiada ao PT durante a década de 90, sentou-se ao lado da senadora alagoana Heloísa Helena (Psol), em cadeira normalmente ocupada por senadores. Uma ironia da história: no cordel “Cabra Marcado para Morrer”, que inspirou em Coutinho a realização do filme, o maranhense Ferreira Gullar dispara: “Essa guerra do Nordeste/ não mata quem é doutor. / Não mata dono de engenho, / só mata cabra da peste, / só mata o trabalhador./ O dono de engenho engorda,/ vira logo senador.”Em entrevista exclusiva à Agência Repórter Social, Elizabeth fala dos dois filhos assassinados, da filha que se suicidou logo após sua prisão. Em tom musical, relembra em detalhes o dia da morte do marido e conta sobre o que mudou depois do filme de Eduardo Coutinho. Fala da esperança de ainda ver o trabalhador do campo ganhar sua terra. Mas, com decepção, e com a arma que a democracia lhe devolveu, sentencia: “A reforma agrária ainda não implantada em nosso País”. Confira a conversa feita no Senado, no dia 8 de Março, quando foi uma das cinco homenageadas pelo Dia Internacional da mulher:
 

Repórter Social – Quarenta e quatro anos após a morte do seu marido, João Pedro Teixeira, como a senhora se sente, com tantos cabras marcados para morrer ainda no Brasil?
Elizabeth Teixeira – Sinto dentro de mim uma tristeza quando acontece qualquer violência com o homem do campo. Por conta de João Pedro. Porque João Pedro é uma personalidade que só queria o melhor para a classe trabalhadora, do campo, lutando, e é assassinado em emboscada, barbaramente. Até hoje eu vejo essa violência com o homem do campo e me sinto muito triste, o homem do campo luta por melhores condições de sobrevivência. João Pedro era uma pessoa que lutava dia e noite para que o homem do campo tivesse condições de viver com seus filhos, não ver seus filhos morrer de fome. E por essa razão ele fundou a Liga Camponesa, na cidade de Sapé (PB), para que ali fosse reunindo o homem do campo, e ele fosse ali se saciando, e desfrutarem, unidos. Como tinha muitos pais de família naqueles engenhos vendo seus filhos morrer de fome, a luta de João Pedro era para que o homem do campo não visse seu filhos morrer de fome e tivesse condição de colocá-los numa escola, para que fossem alfabetizados. E por essa razão ele foi assassinado. Até hoje a luta no campo continua na violência, a reforma agrária não foi implantada ainda em nosso País. Pois João Pedro na luta sabia que ia morrer. Ele chegava em casa, me abraçava todos os dias e me dizia: “Minha filha, vão me tirar a vida. Mas a reforma agrária vai ser implantada em nosso País. E com a reforma agrária, com terra, com condições para o homem do campo produzir, vai acabar com essa miséria que tem, de fome, o homem do campo sem terra, sem condições de sobreviver, com os filhos analfabetos, isso vai acabar, minha filha”.


Repórter Social – E a senhora ainda acredita nisso?

Elizabeth - Eu acredito que ainda seja implantada uma reforma agrária, que nosso povo lute, nossas mulheres. Como eu enfrentei depois do assassinato do João Pedro, assumi a presidência da Liga Camponesa e fui lutar com o homem do campo. Quantas vezes eu era presa, mas não ficava presa, me liberavam e eu voltava e continuava a luta para o que desse e viesse. Então acredito que ainda vai ser implantada uma reforma agrária em nosso País, que vai melhorar a situação do povo. Apesar de hoje eu já estar com 81 anos, pelo que passei na minha vida, o assassinato de João Pedro vai fazer 44 anos no dia 2 de abril, não foi fácil. Mas tenho uma fé dentro de mim que vai melhorar a situação do nosso povo brasileiro, principalmente o homem do campo.

Repórter Social – Com 81 anos, como a senhora faz nessa luta?

Elizabeth – Olha, com 81 anos eu não posso mais continuar a luta no campo. Vivo em casa, só a minha vidinha de casa mesmo, viu? Não estou mais na luta no campo, agora eles vêm conversar comigo, eu dou apoio, converso com eles, mostro o livro de João Pedro, o meu livro, ao companheiro do campo, mas no campo não posso mais estar, lutando naqueles engenhos, não posso mais, meu filho.

Repórter Social – A senhora mora onde? 

Elizabeth – Eu moro em João Pessoa, em Cruz das Armas, na Genésio Gambarra, 160, em Cruz das Armas.
 

Repórter Social – A senhora se mantém como? 
Elizabeth – O governo do Estado me deu há muitos anos atrás uma pensão. È uma pensãozinha de 600 reais. (A Comissão de Anistia do Ministério da Justiça concedeu ainda há três anos uma indenização em parcela única, no valor de 480 salários mínimos – o equivalente hoje a cerca de R$ 150 mil) Eu recebo, já faz muito anos que recebo essa pensão.

Repórter Social – O que mudou desde 1984, desde o filme e portanto desde a redemocratização do País?

 Elizabeth - O que mudou? Eu não tinha uma casa para morar. Eduardo Coutinho, que fez o filme “Cabra Marcado para Morrer”, comprou uma casa, justamente nesse bairro de Cruz das Armas e me deu a casinha. Justamente eu moro lá na casa. O que melhorou para mim foi essa casa, que eu moro com uma filha lá na casa que foi dada, comprada pelo Eduardo Coutinho com o dinheiro do filme “Cabra Marcado para Morrer”.

Repórter Social – A senhora foi procurada por muita gente por conta do filme?

Elizabeth - Muita gente chegava até minha casa e dizia que tinha assistido o filme Cabra Marcado e que tinha gostado do filme...

Repórter Social – A senhora ainda é reconhecida nas ruas?

 Elizabeth - Sou reconhecida, nas ruas, todo mundo. Elizabeth Teixeira, educadora, mulher da reforma agrária, mulher da Liga Camponesa, eles gritam: “É a Liga Camponesa, Elizabeth Teixeira!” Sou conhecida demais, demais até. E tudo: lá na Paraíba, no Pernambuco, em São Paulo (sorri), no Rio (sorri), em todo canto eu sou conhecida. ( Ela foi homenageada pelo grupo Tortura Nunca Mais, no Rio, e pela Câmara Municipal de São Paulo; no ano passado, foi uma das 100 brasileiras indicadas ao Prêmio Nobel da Paz.)

Repórter Social – Quantos filhos a senhora teve? 

Elizabeth - Onze filhos. Eu fiquei com onze filhos, mas dois foram assassinados. O José Eudes Teixeira e o João Pedro Teixeira foram assassinados, e a mais velha suicidou-se com a minha prisão, no mesmo ano em que mataram João Pedro foram me prender, os policiais, fizeram fila de policiais, aí o tenente me chamou lá na frente, cada passo que eu dava um dava um tiro de um lado, outro de outro, outro de outro, outro de outro, aí quando eu cheguei lá o tenente me disse, de dentro do carro: “Eu vou pegar o documento”. Eu disse: “mas tenente, é mais uma prova de covardia. Vocês não mataram o João Pedro de emboscada? Não botaram uma emboscada e tiraram a vida de João Pedro, e por que não tiram a minha aqui?” Né? Foram tiros, muitos tiros. Aí a menina mais velha, Marluce Teixeira, onde eu voltei para pegar os documentos, ela me pegou, me abraçou e me disse: “Mainha, vão tirar a sua vida da maneira que tiraram a de Painho. Daí peguei na mão dele, melada de sangue, fiquei toda melada de sangue, mas a senhora eu não quero ver a senhora morta não, mainha. Vão tirar sua vida.” Eu disse: “não, minha filha, não vão tirar não. Fique aí com seus irmãozinhos, que eu vou presa, mas volto”. Aí eu vim presa para João Pessoa, do município de Sapé, onde eu morava, vim para João Pessoa, quando eu cheguei em João Pessoa já tinha um advogado, doutor Santa Cruz, já tinha tomado conhecimento desses desentendimentos que houve lá no engenho, que já tinha ido lá, aí ele estava lá me esperando, sei que fizeram várias perguntas a mim, eu respondi tudo, o tenente disse: “Está liberada, pode voltar”. Aí eu voltei para casa, quando cheguei em casa, ela já tinha ingerido veneno com mel, já estava morrendo. Trouxe ela para a cidade, voltei no mesmo carro, o carro do advogado que foi me levar, voltei no mesmo carro, quando eu cheguei em casa ela já estava (pausa) morrendo, aí botei dentro do carro, trouxe para João Pessoa, quando cheguei lá em João Pessoa que o médico examinou ele disse: “Ela vai morrer já”. Em poucos minutos ela morreu.

Repórter Social – Os seus outros filhos morreram quando?

Elizabeth - Um morreu já depois da anistia. Ele fundou uma associação, um sindicato, quando fundou o sindicato já estava com 200 associados, aí o cara veio lá e matou, tirou a vida dele.
 

Repórter Social – Algum dos seus filhos persiste na luta? 
Elizabeth - Não. Não tem mais nenhum. Não. Nenhum mais na luta. Não tem não. Eu é quem continuo a luta, mas meus filhos não. Os filhos não. Foi assassinado José Eudes Teixeira, que me abraçava e dizia: “Mainha, eu vou continuar a luta de painho, para o que der e vier.” Aí fundou o sindicato. Construiu a casa, fundou e foi morto.

Repórter Social – O que a senhora não disse no filme que gostaria de dizer, hoje?

Elizabeth – O que eu considero importante é que o nosso povo brasileiro se una, fiquem todos unidos, lutando por uma reforma agrária. Era a maior alegria da minha vida se eu tomasse conhecimento de que fosse implantada uma reforma agrária em nosso País, e que todos os homens do campo tivessem condições de sobreviver ali na terra, melhorar essas condições do trabalhador da terra, isso aí era o que eu tinha mais prazer na minha vida, e hoje, na idade em que estou, tomasse conhecimento de um movimento desses.

Repórter Social – A senhora está feliz com a homenagem feita pelo Senado? 

Elizabeth - Estou feliz com essa homenagem, por estar aqui no Senado. Agradeço a todas as mulheres que estão presentes, a todos os senadores, agradeço a todos de coração por lembrar a minha pessoa e fazer esta grande homenagem a Elizabeth Teixeira, lutadora da Liga Camponesa, da reforma agrária no campo.
 
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