quarta-feira, 20 de junho de 2012

Cesare Battisti, o cinismo, Lula, Haddad, Maluf e o ator em cada um de nós
 
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
 
Interessam-me os contornos psicológicos da cena em que Fernando Haddad e Lula observam Paulo Maluf, no momento em que este sela o acordo para apoiar o candidato petista à prefeitura paulistana. Observem. Lula é um ator bem mais tarimbado, mas mesmo ele revela, em sua face, um incômodo evidente. Haddad? Esse gostaria de estar em qualquer outro lugar do planeta. Maluf está com sua cara cínica de sempre.


Utilizo a noção de cinismo pensando em uma frase do escritor italiano Cesare Battisti. Hoje um asilado político, ele passou três anos em um presídio comum, no Brasil. Na Itália também vivera na cadeia. A convivência com os presos comuns motivou-o a fazer uma comparação – em entrevista ao portal Vermelho - com o comportamento habitual que temos em sociedade:

 
- Essas pessoas, quando te falam, te falam de uma maneira... porque não têm nada mais a perder. E na cadeia, o cinismo, essa estrutura de defesa que precisamos na rua, lá não existe. Porque você está submetido a uma pressão tal que isso tudo aí não tem o menor sentido. Então quando fala com alguém, fala de verdade. É por isso que eu aprendi a conhecer o Brasil sob a palavra dos presos.
 
Battisti fala de uma certa máscara social. Em muitos casos, dirá a maioria, inevitável. Caetano Veloso já falou sobre “o valor necessário do ato hipócrita”. E nem é preciso utilizar termos negativos para apontarmos condutas que não exatamente seriam as mais autênticas. Por trás da máscara pode haver um objetivo nobre: diplomático, político, um ato de generosidade, de preservação da paz.
 
Mas quem dera o movimento dos disfarces fosse majoritariamente esse: em prol do bem estar do outro, ou de um mundo melhor. Esse grande teatro humano abriga diariamente a perfídia, o cálculo egoísta, a negação de uma igualdade de fato entre os interlocutores. Abriga a agressão, o desprezo, violências diversas contra o outro – tomado como adversário, figura a ser enganada, vencida.
 
Essa atuação coletiva pode ainda representar uma violência contra cada um de nós mesmos. Contra os próprios princípios, convicções, em nome de conveniências. E aí vem o constrangimento. A dificuldade maior de disfarçar, de sorrir de uma forma que não seja amarela, de olhar expansivamente no olho dos demais. De viver uma comunicação plena, e não implícita, distante, simbólica.
 
Assimilamos isso mais facilmente quando ocorre de maneira eventual: quase todos passamos por situações assim. (Meu falecido pai, não – adotava a linha “doa a quem doer”, e sofria muito por conta disso.) Mas, em determinados círculos, isso não ocorre um dia aqui, outro ali. Torna-se a prática cotidiana. A regra. E quem é ator quase o tempo todo?
 
Os políticos, por exemplo. Mas não só eles. Lembro-me de uma amiga que abominava um colega nosso. Por conta da habilidade que ele tinha, alegava ela, em praticar o mimetismo. De acordo com a personalidade de cada interlocutora, esse rapaz agia como se concordasse plenamente com o que ela dizia. Modulava sua voz de acordo com a dela, utilizava frases que ela utilizaria, contraía os músculos da face em uníssono – com objetivos de conquistá-la, manipulá-la.

O objetivo de Lula e Haddad ao aproximar-se de um símbolo do deboche era e é bem definido: amealhar mais tempo de televisão. E votos. Ganhar as eleições. E, com isso, supostamente gerir os bens públicos de uma forma melhor que os adversários. O que, em tese, incluiria combater patifes muito parecidos com aqueles que, por acaso, eles tenham apertado as mãos. Anulam-se, aparentemente, para ganhar acolá. Isto na melhor das hipóteses, claro.
 
Em algum momento a cena do trio revirou o estômago da sociedade paulista. Esta sociedade é excludente, ela é agressiva, ela é violenta, ela é uma enorme Casa Grande. Aceita diariamente hipócritas e cínicos de bom grado. Nas repartições, na universidade, no meio empresarial – e também no meio político. A imagem dos três choca mais porque Maluf (esse senhor procurado pela Interpol) é exatamente símbolo de uma degradação maior. Não somente de uma política canastrona, mas de uma vulgaridade explícita.
 
Queremos empurrar essa vulgaridade para debaixo do tapete. Escondê-la, fazer de conta que ela não existe, que vivemos em um mundo mais próximo do ideal. Queremos políticos (e não somente políticos) que façam jogo sujo, mas que sejam capazes de conviver na nossa sala de jantar. Com máscaras, mas com rasgos de autenticidade, resquícios de algo genuíno, migalhas de utopia.
 
Lula e Haddad talvez adorassem ser muito mais que rasgos, resquícios e migalhas. Mas não nos envergonhamos apenas por eles, pelo que eles estão perdendo ou deixaram de ter (e que Maluf nunca teve). E sim pelo pacto coletivo que permite toda essa miséria. Pela falta de alternativas, pelo silêncio sem face dos desiludidos.
 
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