Sobre Xuxa, a “repórter loira”,
machismo, sexismo, Rede Globo e Band
por ALCEU LUÍS CASTILHO
(@alceucastilho)
A abertura da opinião às grandes
massas, pela internet, é um feito a ser comemorado. Mas traz um
problema embutido: o imenso, o gigantesco telhado-de-vidro dessa
multidão, nem sempre repleta de boas intenções. Em outros casos
elas existem (as boas intenções), porém as críticas são feitas
de modo afoito. Sem que a multidão de intenautas pare e respire duas
vezes antes de praticar um linchamento coletivo.
A consequência é que, em meio à
vigilância necessária, a tomadas sensatas de posição, emerge boa
parte do que a sociedade tem de pior: como o machismo, o sexismo, o analfabetismo político. E a própria
violência. Muitas vezes inconsciente. O que deveria ser um fórum
para defesa de direitos revela-se um campo minado, no limite de
estimular (ou praticar) novas violações.
É como se fornecêssemos milhões de
bumerangue à turba, sem informar a ela a curiosa peculiaridade do
instrumento: ele volta.
Escrevo isso a propósito de Xuxa,
vítima mais recente da enxurrada de atropelamentos, agressões,
“pitis”, intolerância, maldades, inveja, despeito – e
poderíamos enumerar aqui mais outros tantos itens. “Onde já se
viu, essa moça que fez isto e aquilo reclamar que foi abusada?”
MACHISMO EXPLÍCITO
Muitas dessas críticas (até certo
ponto válidas) afundam no machismo – e também na ignorância em
relação a aspectos básicos do tema abuso sexual. Deveria ser
elementar: uma pessoa que foi abusada não tem hora para denunciar.
Mas não: decide-se que ela foi “oportunista”. Fico a pensar em
que momento da vida Xuxa não
seria acusada de oportunismo - e quando os nobres internautas permitiriam que ela expusesse seu drama.
Penso também no caso da repórter
Mirella Cunha, da Band de Salvador, que humilhou sistematicamente, durante uma
entrevista, um acusado de estupro. O rapaz contou ter sido espancado,
mas isso foi ignorado: a preocupação da emissora era a de
desprezar sua fala, sua presunção de inocência, sua dignidade. Postei aqui no sábado sobre o assunto: “Três vídeos exibem a ética paralela do jornalismo da Band”.
Vejamos novamente o vídeo, um exemplo do que de pior pode ser feito na televisão:
Horrível, não? Ocorre que Mirella está sendo reduzida, em posts na internet, à condição de “repórter loira”. Como se fosse a cor do cabelo (não acho que ela tenha sido racista), ou o seu gênero, o problema a ser ressaltado. Não teríamos aqui inveja e despeito novamente? E também um sutil desprezo em relação ao posto ocupado por uma mulher (bonita)? Não estaríamos atirando fora o bebê junto com a água da bacia? Os direitos dela ao defendermos o direito do acusado? (O que li de gente querendo bater na repórter não está no gibi.)
É claro que o comportamento de
Mirella deve ser não só criticado, mas deplorado. Forçoso assinalar, porém, que ela
não fez - e não faz - nada sozinha. Existe uma lógica
pseudo-jornalística nesse tipo de “reportagem”, e nesse tipo de
“jornalismo” do Brasil Urgente. As críticas devem mirar mais as
estruturas, e não o repórter de plantão, a apresentadora de
plantão. No caso desse jornalismo-cão, feito por dezenas de mãos, quem o patrocina? A Rede
Bandeirantes – hoje reduzida ao nome Band.
(A Record e o SBT possuem programas
similares. Mas, para efeito de raciocínio, fiquemos com a Band.)
A FIXAÇÃO NA GLOBO
Falemos então dessa emissora paulista: a Band. (E não baiana, diga-se de passagem.) E da emissora carioca: a Globo. A aversão de certa parcela da população pela Xuxa sobrepõe-se e confunde-se com a aversão geral e irrestrita de alguns intelectuais pela Globo. Este é um caso oposto ao do linchamento de indivíduos. Aqui os críticos sistemáticos se focam no todo, na emissora como um todo – caindo no problema oposto, o de desprezar o que é específico.
Tudo para dizer que a fúria contra a Globo tornou-se apriorística. Como se essa fosse a pior das emissoras brasileiras. E ela não é. (Sim, eu confesso.) E como se tudo que fosse feito no Jardim Botãnico fosse ruim, nocivo ao país, e maquiavelicamente planejado. (Como se a Globo fosse um equivalente eletrônico da revista Veja, esta sim um produto perfeito para teorias da conspiração.) Não é bem assim.
Este blog já criticou várias vezes a Globo. Por exemplo, na cobertura da desocupação do Pinheirinho, em janeiro, pelo Fantástico e pelo Jornal Nacional: “ “Cobertura do Pinheirnho é o debate Lula x Collor do século 21”. Ou em relação à Cracolândia: “Globo mostra limpeza na Cracolândia e legitima higienismo de Kassab”. Por outro lado, também já elogiou a cobertura da reintegração pelo Bom Dia, Brasil. E algumas reportagens investigativas do próprio Fantástico.
No caso da Band é um tanto mais difícil garimpar algo decente: um Ricardo Boechat aqui, alguma outra coisa ali. Mas a emissora não é objeto da mesma obsessão de blogueiros, esquerdistas etc. Apesar das violações sistemáticas de direitos humanos, da exposição abjeta de suspeitos, e assim por diante. Rafinha Bastos era sempre “o Rafinha Bastos” - e não a Band. O Datena expõe diariamente seu horizonte tímido no telão – mas é mais fácil demonizar a “repórter loira”.
Está bem na hora de acabar com essa blindagem da Band. Não de poupar a Globo de críticas, mas de minimamente democratizá-las. Isto por um lado.
Por outro lado, passou da hora de nos vigiarmos em relação ao machismo. A postura da repórter Mirella Cunha deve ser deplorada. Mas ela tem chefes – loiros, morenos, cabeludos, barbados. Homens e mulheres.
Que o despreparo jornalístico de todos esses senhores e senhoras seja ressaltado. Mas, com eles, os interesses dos patrões – e dos anunciantes. Os mesmos que, nas últimas décadas, varreram o tema do abuso sexual para debaixo do tapete.
LEIA MAIS:
Falemos então dessa emissora paulista: a Band. (E não baiana, diga-se de passagem.) E da emissora carioca: a Globo. A aversão de certa parcela da população pela Xuxa sobrepõe-se e confunde-se com a aversão geral e irrestrita de alguns intelectuais pela Globo. Este é um caso oposto ao do linchamento de indivíduos. Aqui os críticos sistemáticos se focam no todo, na emissora como um todo – caindo no problema oposto, o de desprezar o que é específico.
Tudo para dizer que a fúria contra a Globo tornou-se apriorística. Como se essa fosse a pior das emissoras brasileiras. E ela não é. (Sim, eu confesso.) E como se tudo que fosse feito no Jardim Botãnico fosse ruim, nocivo ao país, e maquiavelicamente planejado. (Como se a Globo fosse um equivalente eletrônico da revista Veja, esta sim um produto perfeito para teorias da conspiração.) Não é bem assim.
Este blog já criticou várias vezes a Globo. Por exemplo, na cobertura da desocupação do Pinheirinho, em janeiro, pelo Fantástico e pelo Jornal Nacional: “ “Cobertura do Pinheirnho é o debate Lula x Collor do século 21”. Ou em relação à Cracolândia: “Globo mostra limpeza na Cracolândia e legitima higienismo de Kassab”. Por outro lado, também já elogiou a cobertura da reintegração pelo Bom Dia, Brasil. E algumas reportagens investigativas do próprio Fantástico.
No caso da Band é um tanto mais difícil garimpar algo decente: um Ricardo Boechat aqui, alguma outra coisa ali. Mas a emissora não é objeto da mesma obsessão de blogueiros, esquerdistas etc. Apesar das violações sistemáticas de direitos humanos, da exposição abjeta de suspeitos, e assim por diante. Rafinha Bastos era sempre “o Rafinha Bastos” - e não a Band. O Datena expõe diariamente seu horizonte tímido no telão – mas é mais fácil demonizar a “repórter loira”.
Está bem na hora de acabar com essa blindagem da Band. Não de poupar a Globo de críticas, mas de minimamente democratizá-las. Isto por um lado.
Por outro lado, passou da hora de nos vigiarmos em relação ao machismo. A postura da repórter Mirella Cunha deve ser deplorada. Mas ela tem chefes – loiros, morenos, cabeludos, barbados. Homens e mulheres.
Que o despreparo jornalístico de todos esses senhores e senhoras seja ressaltado. Mas, com eles, os interesses dos patrões – e dos anunciantes. Os mesmos que, nas últimas décadas, varreram o tema do abuso sexual para debaixo do tapete.
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