Por que não boicotamos empresas ligadas a
assassinatos, desmatamento, espancamentos?
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
Ativistas do Greenpeace estão agarrados há três
dias à corrente da âncora de um navio, no Maranhão. Tentam impedir
que ele saia do país com um carregamento de 30 mil toneladas de
ferro-gusa, matéria-prima do aço. A organização denuncia
utilização, na cadeia produtiva, de trabalho escravo, desrespeito a povos indígenas e
desmatamento – ou seja, floresta queimada para virar carvão,
utilizado ilegalmente pelas siderúrgicas.
A Amazônia não seria destruída sem o aval dos
consumidores. O Greenpeace lembra que, entre os clientes do minério
extraído na Amazônia (PA, AM e TO) estão as montadoras Ford,
General Motors, Nissan, Mercedes e BMW. E a produtora de equipamentos
agrícolas John Deere. Isto conforme o estudo “Carvoaria Amazônia:como a indústria de aço e ferro gusa está destruindo a floresta”.
A pergunta é: por que o brasileiro não leva a
sério propostas de boicote? Por que essas empresas não sofrem um
mísero arranhão em suas vendas?
Quando falo que boicoto a empresa Gol Linhas
Aéreas as pessoas estranham. E muito. É como se eu estivesse
falando grego. A maioria nem sabe que seu dono, “Nenê”
Constantino de Oliveira, é acusado pelo pistoleiro João Marques dos
Santos de ser mandante de oito assassinatos. Um deles, em 2001,
contra o líder comunitário Márcio Leonardo de Sousa Brito. Por
esse caso o empresário foi indiciado, em 2008, pela Polícia Civil.
Constantino já foi denunciado por outros crimes. É acusado de tentativa de homicídio duplamente qualificado contra o próprio genro. O empresário estaria insatisfeito com sua interferência nos negócios da família e por não querer dividir o patrimônio de uma empresa chamada Viação Satélite. “Nenê” vai a júri popular por conta disso. E segue, desde março de 2011, em prisão domiciliar.
Constantino já foi denunciado por outros crimes. É acusado de tentativa de homicídio duplamente qualificado contra o próprio genro. O empresário estaria insatisfeito com sua interferência nos negócios da família e por não querer dividir o patrimônio de uma empresa chamada Viação Satélite. “Nenê” vai a júri popular por conta disso. E segue, desde março de 2011, em prisão domiciliar.
Não só todos continuam de olho nas promoções
da empresa como as divulgam nas redes sociais. Solidariedade a
brasileiros assassinados? Bobagem: melhor garantir a passagem mais
baratinha. Simplesmente não conheço mais ninguém – nem uma única
pessoa – que compartilhe da minha proposta específica de boicote à
Gol. E ainda me olham como se como se eu lutasse contra moinhos de
vento.
Essa lógica do “cada um por si”, essa Lei de
Gerson aplicada ao consumo, pode ser vista também em São Paulo. E
não somente relacionada ao consumo de produtos. Tão importante
quanto economizar uns trocos na compra, numa sociedade
mercantilizada, é ter prestígio social. Ir a lugares “bem
freqüentados”. Que o diga o sucesso de uma das festas mais
badaladas da cidade, uma referência no meio teatral, que atende pelo
nome de Gambiarra.
Essa festa – não raro freqüentada por globais,
por gente descoladíssima- é organizada pela atriz Anna Cecília
Junqueira. Ela disse à jornalista Eliane Brum, da revista Época,
ser sócia de um “condomínio” no Pará. Não são bem um
condomínio as terras controladas por seu pai, um fazendeiro da
região de Ribeirão Preto (SP). No Pará, conta Eliane
(provavelmente a melhor repórter do Brasil), o que eles têm é uma
fazenda grilada, em uma área de conservação, com intensa extração
de madeira em seu interior.
Conheci Anna Cecília quando ela era jornalista,
no Estadão. Depois virou atriz. É uma mulher muito bonita,
simpática. Difícil não gostar dela. Indagada por Eliane sobre o
que acontecia no Pará, demonstrou confiança nos relatos familiares.
Mudou imediatamente seu nome no Facebook, para não ser incomodada –
e bola pra frente. Enviei a ela perguntas a ela sobre o caso, em
fevereiro, mas Anna nunca me respondeu.
Eventualmente somos informados dessas faces
ocultas (e não tão belas) de pessoas e empresas, mas não movemos
um músculo para protestar. “Bora para a Gambiarra, dançar até o
sol nascer?” E lá vamos nós. Não houve nenhum movimento de
protesto contra os Junqueira, Anna Cecília ou sua festa para
descolados, tudo segue conforme o antigo script – não importa que
a Amazônia esteja sendo grilada ou despedaçada.
Em Curitiba, no início do mês, um jovem de 18
anos ficou assustado no badalado James Bar e saiu correndo. Ele
descobriu que estava sem dinheiro para pagar toda a conta, de R$ 60.
Foi alcançado por seguranças e espancado. No hospital, teve sua
perna amputada. Os donos do bar insistem que o segurança (de 110 kg)
fez o procedimento correto. A amputação da perna de um brasileiro é
definida como um “acidente”.
Desta vez a passividade não foi absoluta. Protestos
contra o bar motivaram seu fechamento por um dia, nesta quarta-feira.
Mas por um único dia - ele reabriria nesta quinta. Não faltará
quem pague para entrar. E o mesmo vale para dezenas (centenas) de bares e boates
pelo Brasil que têm na truculência de seus seguranças uma de suas
marcas mais bem definidas. Mexer do bolso desses patrões não é
considerado uma estratégia válida.
Poderíamos invocar a famosa cordialidade, como
bem definida por Sergio Buarque de Holanda, para tentar explicar essa
falta de memória do brasileiro. Ou esse déficit de atitude política no
momento do consumo. Mais importante é estar bem com os amigos (que
vão à Gambiarra ou ao James Bar), viajar baratinho pela Gol para o
Nordeste (para curtir a vida), ligar o carrão – eventualmente
construído a partir de carvão da Amazônia e mão-de-obra escrava.
Se alguém fala algo sobre boicotar a Gol é visto
como um extra-terrestre. Uma espécie de ingênuo. Ou então um
“radical”. Boicotar, eu? Não faz parte do nosso vocabulário,
das nossas práticas de povo devidamente oprimido e despolitizado. A
indignação se inverte: em vez de nos rebelarmos contra pilantras,
assassinos, grileiros, torcemos o nariz para o sujeito que propõe o
boicote e o consumo consciente como armas. “Que cara chato”.
Esse tipo de comportamento não representa apenas
indiferença ante as dores dos demais. Do ponto de vista coletivo,
possui um efeito bumerangue: as vítimas somos todos nós. Mesmo
assim ocorre a alienação coletiva. Ela possui sintomas parecidos
com o daquela síndrome por que passam pessoas sequestradas, pela
qual elas desenvolvem dependência e até afeto por seus algozes.
Sim: o brasileiro possui uma indisfarçável e
sórdida Síndrome de Estocolmo.
PS: algumas amigas observam que deixaram de comprar roupas na Zara, após a revelação, no ano passado, de que a marca utilizava mão-de-obra escrava.
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PS: algumas amigas observam que deixaram de comprar roupas na Zara, após a revelação, no ano passado, de que a marca utilizava mão-de-obra escrava.
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Um comentário:
Parabéns Alceu! Excelente texto. Minha esposa e eu, sempre que tomamos conhecimento sobre uma linha de conduta ou comportamento que fira nosso princípios éticos e morais, interrompemos o uso do serviço ou a compra de produtos da empresa em questão. Porém, é fato que há muita coisa errada em praticamente todas as empresas e que quando consumimos algo dificilmente não estamos contribuindo com impactos socioambientais. Mesmo empresas que alegam serem "verdes" e possuir "responsabilidade social", etc, estão longe de algo minimamente adequado. Mesmo assim, não devemos justificar erros com mais erros e sim optar pelo que achamos ser menos lesivo. Um grande abraço!
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