quarta-feira, 4 de julho de 2012

Quem leria sobre a nova descoberta da física se ela não se chamasse “partícula de Deus”?
 
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
 
Não entendo de física nuclear. Por isso devo ter sido um dos tantos a ler a notícia sobre a descoberta de uma partícula, segundo os pesquisadores "consistente com o Bóson de Higgs", por conta do nome midiático que deram a ela, "partícula de Deus". É assim que ela está descrita na imprensa – e não somente a brasileira.
 
Temos assim um gigantesco paradoxo. Uma pesquisa gigantesca feita por físicos para tentar entender o universo, levando o nome daquele que, por fé, bilhões de pessoas definem como seu criador e mantenedor.
 
Leio que o apelido foi dado no livro "The God Particle: If the Universe Is the Answer, What Is the Question?" (1993), de Leon Lederman (prêmio Nobel de Física em 1988) e Dick Teresi. Não havia uma intenção religiosa por trás. Peter Higgs é ateu. Ou seja: os dois autores venderam mais livros por conta dessa comparação. O que também acontece com os jornais.
 
Lederman brincou no livro que os editores não o deixariam batizar a partícula de “Goddamn Particle”, ou Partícula Maldita. Alegou que deu o nome por ser ela “tão central na física hoje, tão crucial para o entendimento final da estrutura da matéria, e, no entanto, tão indefinida”.
 
BIOLOGIA, FÍSICA E COMUNICAÇÃO
 
Intenção não religiosa à parte, é fato que estamos lendo sobre essa partícula (com destaque nos jornais e portais) por conta dessas quatro letrinhas: “Deus”. Tentemos imaginar um título na linha: “Descoberta partícula proposta por Peter Higgs”. Nem vou cogitar o uso da palavra “bóson” no título. Leríamos?
 
Saiu nestes dias uma notícia de uma pesquisa feita por um biólogo. Lendo trabalhos acadêmicos feitos por médicos veterinários, ele percebeu que estavam recheados de referências religiosas. Ao contrário dos biólogos, alegou, mais influenciados pela teoria evolucionista.
 
A definição de alguém como criacionista chega a ser uma espécie de ofensa científica. O geógrafo Aziz Ab'Saber, falecido este ano, não gostava da ex-ministra Marina Silva, e, para desqualificá-la, chamou-a uma vez exatamente de “criacionista”.
 
Como não sou biólogo nem físico, prefiro falar de comunicação. Existe nesse caso da “partícula de Deus” algo extremamente representativo da batalha ambígua de discursos na qual vivemos. Excepcionalmente, a redução (ou a ambiguidade) no batismo da partícula não foi proposta por um jornalista, mas por um físico renomado. E esperto.
 
Esses discursos (o científico e o religioso) se sobrepõem, formam uma só massa – sem trocadilhos, aqui, com o termo da física, mas pensando no formato dos meios de comunicação. É como se dois corpos pudessem ocupar um mesmo espaço. Deus e a partícula de Higgs.
 
À parte a transformação de tudo em mercadoria, não acho isso necessariamente ruim. O tema pode ser utilizado nas aulas de Biologia e Física como fator motivador. Só está faltando explicar melhor por que Deus foi invocado nesse tema: como signo do imponderável.

Uma piadinha de cientista. Do jeito que é divulgado fica parecendo que descobriram uma pista para comprovar sua existência.
 

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