Quem
leria sobre a nova descoberta da física se ela não se chamasse “partícula de
Deus”?
por
ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
Não
entendo de física nuclear. Por isso devo ter sido um dos tantos a
ler a notícia sobre a descoberta de uma partícula, segundo os
pesquisadores "consistente com o Bóson de Higgs", por
conta do nome midiático que deram a ela, "partícula de Deus".
É assim que ela está descrita na imprensa – e não somente a
brasileira.
Temos
assim um gigantesco paradoxo. Uma pesquisa gigantesca feita por
físicos para tentar entender o universo, levando o nome daquele que,
por fé, bilhões de pessoas definem como seu criador e mantenedor.
Leio
que o apelido foi dado no livro "The
God Particle: If the Universe Is the Answer, What Is the Question?" (1993), de Leon Lederman (prêmio Nobel de Física em 1988) e
Dick Teresi. Não havia uma intenção religiosa por trás. Peter
Higgs é ateu. Ou seja: os dois autores venderam mais livros por conta dessa comparação. O que também acontece com os jornais.
Lederman
brincou no livro que os editores não o deixariam batizar a partícula
de “Goddamn Particle”, ou Partícula Maldita. Alegou que deu o
nome por ser ela “tão central na física hoje, tão crucial para
o entendimento final da estrutura da matéria, e, no entanto, tão
indefinida”.
BIOLOGIA,
FÍSICA E COMUNICAÇÃO
Intenção
não religiosa à parte, é fato que estamos lendo sobre essa partícula
(com destaque nos jornais e portais) por conta dessas quatro
letrinhas: “Deus”. Tentemos imaginar um título na linha:
“Descoberta partícula proposta por Peter Higgs”. Nem vou cogitar
o uso da palavra “bóson” no título. Leríamos?
Saiu
nestes dias uma notícia de uma pesquisa feita por um biólogo. Lendo
trabalhos acadêmicos feitos por médicos veterinários, ele percebeu que estavam
recheados de referências religiosas. Ao contrário dos biólogos,
alegou, mais influenciados pela teoria evolucionista.
A
definição de alguém como criacionista chega a ser uma espécie de
ofensa científica. O geógrafo Aziz Ab'Saber, falecido este ano, não
gostava da ex-ministra Marina Silva, e, para desqualificá-la,
chamou-a uma vez exatamente de “criacionista”.
Como
não sou biólogo nem físico, prefiro falar de comunicação. Existe
nesse caso da “partícula de Deus” algo extremamente
representativo da batalha ambígua de discursos na qual vivemos. Excepcionalmente, a redução (ou a ambiguidade) no batismo da partícula não foi proposta por um jornalista, mas por um físico renomado. E esperto.
Esses
discursos (o científico e o religioso) se sobrepõem, formam uma só massa – sem trocadilhos,
aqui, com o termo da física, mas pensando no formato dos meios de comunicação. É como se dois corpos pudessem ocupar
um mesmo espaço. Deus e a partícula de Higgs.
À parte a transformação de tudo em mercadoria, não
acho isso necessariamente ruim. O tema pode ser utilizado nas aulas
de Biologia e Física como fator motivador. Só está faltando
explicar melhor por que Deus foi invocado nesse tema: como signo
do imponderável.
Uma piadinha de cientista. Do jeito que é divulgado fica parecendo que descobriram uma pista para comprovar sua existência.
LEIA MAIS:
Ernesto Sabato explica por que é impossível explicar conceitos avançados da física
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