quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Um texto sobre ciganos para ser lido: no espanhol El País

O espanhol El País publicou há cinco dias um belo texto sobre ciganos franceses, que ali tiveram um campo de concentração específico - não nazista. Com aquela qualidade que o jornalismo brasileiro não costuma ter. Está disponível, gratuitamente, na internet: http://internacional.elpais.com/internacional/2013/11/02/actualidad/1383422739_935400.html

O UOL oferece o artigo traduzido, mas somente para assinantes. Pior: transformou o texto original, de 26 parágrafos, em um de 18 parágrafos. O original de 2.081 palavras foi desidratado quase pela metade: virou um guisado de 1.255 palavras. Ora, se é online, por que essa transfiguração? Estão economizando o quê?

Mas deixemos o UOL de lado. Esse texto do El País tem o mérito de tocar o dedo na ferida em relação às infâmias praticadas contra os ciganos. Infâmias que, historicamente, anunciaram desastres humanitários ainda maiores. "Artistas e intelectuais franceses alertam para a amnésia e os novos sintomas racistas", diz outra chamada. "A perseguição aos romanis antecedeu as duas guerras mundiais".

Roubo de crianças? Os europeus paranóicos costumam acusar os ciganos. Como há bem pouco tempo, com a criança loirinha. Mas foi esse campo de concentração francês que tirou as crianças ciganas dos pais. O repórter pergunta (mas não está na tradução): "¿quién ha robado niños a quién a lo largo de la historia?"

E com isso me lembro de reportagem racista assinada pela Veja, há algumas semanas, por seu correspondente em Paris. Com todo o discurso deplorado pelo texto espanhol: o preconceito, a ausência de humanismo. E o diálogo com aquele passado asqueroso que resultou em genocídio - proporcionalmente idêntico ao dos judeus.

Ao contrário dos judeus, não houve indenização nem compensação moral para os ciganos. Pois o caso não ficou na memória coletiva.

"Quizá por eso, la persecución dura todavía", escreve o repórter. Talvez por isso a perseguição ainda continue. (Os dois últimos parágrafos também foram cortados, arrisco-me na tradução.)

"Entre la indiferencia general, los prejuicios atávicos alentados por los medios, la comprensible renuencia de un pueblo masacrado a exigir justicia –ya sea de forma individual o colectiva-, y el consenso infernal que suscitan entre los políticos de las democracias neoliberales, los gitanos siguen siendo el perfecto chivo expiatorio, la primera señal de alarma de que algo muy profundo no va bien".

Em meio à indiferença geral, os preconceitos atávicos estimulados pelos meios de comunicação, a compreensível relutância de um povo massacrado em exigir justiça - seja de forma individual ou coletiva -, e o consenso infernal que eles suscitam entre os políticos das democracias neoliberais, os ciganos continuam sendo o perfeito bode expiatório, o primeiro sinal de alarme de que algo muito profundo não vai bem.

UOL, que tal traduzir direito o texto e liberar para os não assinantes?


Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)

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