Presos da USP articulam contra-ataque político
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
Só faltou a presença do DCE Livre da USP – controlado pelo PSOL. De resto, o ato promovido na tarde deste sábado pelos 73 presos políticos da Universidade de São Paulo, presos no dia 8 de novembro durante a desocupação da reitoria, conseguiu unificar partidos e facções de esquerda (inclusive o PSTU, que não participou da ocupação) em torno de algumas causas – contra o reitor João Grandino Rodas, as polícias militares e o governo paulista.
A reivindicação mais imediata é a anulação dos processos contra os 73 estudantes. Mas os grupos de esquerda articulam um contra-ataque mais amplo. Não querem ficar apenas como vítimas, mas reagir ao que consideram uma violência planejada dos tucanos – em um contexto de, segundo os debatedores, afirmação do fascismo e da luta de classes no Brasil e no mundo. A memória das repressões no Brasil foi um dos temas em debate.
“Quem está com medo é o reitor João Grandino Rodas, é o governador Geraldo Alckmin”, discursou Rosi, a estudante de Filosofia da FFLCH torturada pela polícia durante a reintegração de posse (leia aqui o depoimento dela sobre a tortura). A representante do Comitê Pró-Haiti Brasil, Lucia Skromov, referendou a fala de Rosi: “O fascismo recrudesce. Concordo que eles têm mais medo que nós”. Ela utilizou uma metáfora para falar de resistência: “Onde há muito igrejismo, há bruxas também”.
A própria Lucia foi presa política durante o regime militar, vítima de torturas no II Exército – o mesmo que invadiu o Crusp (Conjunto Residencial da USP) com tanques, em 1968, e deteve 800 pessoas. “Não somos erva-daninhas”, afirmou ela, em dia inspirado. “Somos a flor do asfalto. Somos o caminho que aponta e desfaz o caos. O fascismo está aí. No mundo todo. E ele é bravo. E é importante sabermos o quanto ele está aí. Eles têm muito mais medo de vocês do que vocês deles”.
Foram exibidos dois vídeos com apoios internacionais (da Argentina e do México) e lido um apoio contundente do DCE da Universidade Federal de Rondônia. Uma estudante chilena falou pessoalmente. Quatro professores da USP estiveram na mesa de debates: Jorge Luiz Souto Maior, da Faculdade de Direito, Jorge Luís Grespan e Lincoln Secco, do Departamento de História (FFLCH), e Luiz Renato Martins, o Luizito, da Escola de Comunicações e Artes (ECA). Somente Secco não falou. O professor Osvaldo Coggiola, da História, também teve um tempo de fala.
MEMÓRIA E HISTÓRIA
A mesa foi completada por Rafael Alves e Maria Fernanda Silva Pinto, a Mafê, ambos da FFLCH, dois presos durante a desocupação da reitoria. E por representantes do Sintusp. O termo “presos políticos”, ironizado por jornalistas de direita, ganhou contornos precisos neste sábado – concorde-se ou não com as ideias e atitudes dos estudantes. É um fato que eles estão se articulando em bloco. E que as reivindicações (antes e agora) são, sim, políticas. Os discursos dos debatedores apontaram interpretações em comum do quadro político brasileiro e mundial.
De um modo geral, a estratégia é de inserção da prisão em uma sequência histórica. Em particular, com o movimento estudantil de 1968. Mafê foi mais longe: leu um texto do francês Fernand Braudel, um dos membros da missão francesa que fundou a USP, onde, em 1934, ele descrevia seus alunos como grã-finos. Em 1936, apontava ele, as coisas começaram a mudar na Faculdade de Filosofia –com a entrada de estudantes de outras classes sociais. “Aí começava o ódio à FFLCH”, apontou Mafê.
Ela rebateu artigo do jurista Miguel Reali Jr, publicado hoje no Estadão. “Foi chocante os invasores da Reitoria terem tido a desfaçatez de se autointitularem presos políticos”, escreveu o ex-ministro da Justiça. “Um desrespeito à História, ao sofrimento daqueles que, de forma certa ou errada, comprometeram sua existência por um ideal de liberdade e igualdade ante os regimes ditatoriais”.
A estudante diz que quem destroi a memória é quem organiza a repressão em São Paulo, “onde a PM atua de modo brutal”. “Quem destroi a memória é um governo fraco, dito de esquerda, que é incapaz de abrir os arquivos da ditadura militar”. Segundo Mafê, a anistia a Carlos Marighella, na Bahia, é insuficiente. Sob aplausos, ela pediu reparação para os demais torturados e mortos durante o regime militar. “Querem discutir memória? Então vamos!”.
RADICALIZAÇÃO E INTOLERÂNCIA
O professor Souto Maior apontou uma crise profunda do capitalismo e se declarou assustado com o “desprezo à razão”, segundo ele uma característica do que vem acontecendo no Brasil – e é ilustrado pelos episódios de repressão na USP. “Não parece mais ficção o filme Matrix”, disse. Ele criticou o “déficit democrático” da universidade e o “massacre público” sofrido pelos estudantes. “Pessoas de todos os credos mostraram seu ódio, do governador até a atendente da lanchonete. A radicalização contra os estudantes é fruto da intolerância – grave – contra todos os movimentos sociais”.
Em fala que deu o tom ao debate, Osvaldo Coggiola disse que os acusados “têm de se transformar em acusadores”. “Quem está violando a legalidade são o governador, a Secretaria de Segurança Pública e o reitor”. Ele disse que as cláusulas do convênio da reitoria com a SSP têm sido violentadas sistematicamente. “Temos de levar ao barco dos acusados os verdadeiros responsáveis pela situação. Caso contrário, poderá haver outros acontecimentos desse tipo. Vencemos em Rondônia e vamos vencer na USP”.
Luiz Renato Martins, do curso de Artes Plásticas da ECA, apontou a origem elitista da USP: “Ela é de direita e está nas mãos da direita. Fizeram com ela um projeto nacional e antissocial, de reprodução da desigualdade, racismo, repressão, alienação, construção de um sistema de ensino que nada tem a ver com as realidades do Brasil”. Ele observou que professores de esquerda jamais comandaram a universidade. E que a USP nunca foi invadida de fora, por iniciativa alheia. “A iniciativa sempre foi de dentro. Tropas atenderam convocações da reitoria e direções de unidade”.
Luizito lembrou que, em audiência na Assembleia Legislativa na segunda-feira, o deputado Carlso Giannasi (PSOL) e o Sintusp denunciaram um sistema de espionagem na USP, “montado a partir da reitoria, muito provavelmente em relação com o governador do Estado. “É todo um aparato repressivo. Foi divulgado um relatório elaborado por espiões, com nomes de trabalhadores e frases ditas em reuniões”. Ele disse também que professores estão sendo ameaçados “de forma velada” por membros do Conselho Universitário.
O historiador Jorge Grespan defendeu uma união das três categorias (estudantes, funcionários e professores) por uma greve geral da USP. “Está sendo planejada uma escalada de violência”, afirmou, em relação ao governo estadual. Ele apontou um esfacelamento do centro em todo o mundo, o que leva a uma polarização entre esquerda e direita. “E, quando o centro cai, a luta de classes fica clara. E a direita é forte. Quando a crise bater aqui o PT – que é esse centro no Brasil – se desmorona”.
Grespan considera que as ações de Alckmin na USP fazem parte de uma orquestração tucana para a direita chegar ao governo federal: “Na década de 30 e 40, a esquerda perdeu. Quem ganhou foram os fascistas e nazistas. De novo a gente não pode perder. A luta agora é só o começo. É longa. O movimento não é um ataque só à USP. A direita está se preparando para a luta de classes”.
Além de Mafê, Rafael e Rosi, falaram rapidamente pelos estudantes representantes das seguintes organizações políticas: PCO, LER-QI, Práxis, MNN, PSTU e Espaço Socialista. A plateia do Teatro Coletivo, na Rua da Consolação (bem em frente do cemitério), estava lotada. Estudantes sentavam-se e deitavam-se no palco. A imprensa, ausente, foi citada em vários discursos. Como o de Bruno Gilga, da LER-QI: “A imprensa diz que estamos parados em 1968. E nós vamos trazer 1968 de volta”.
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por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
Só faltou a presença do DCE Livre da USP – controlado pelo PSOL. De resto, o ato promovido na tarde deste sábado pelos 73 presos políticos da Universidade de São Paulo, presos no dia 8 de novembro durante a desocupação da reitoria, conseguiu unificar partidos e facções de esquerda (inclusive o PSTU, que não participou da ocupação) em torno de algumas causas – contra o reitor João Grandino Rodas, as polícias militares e o governo paulista.
A reivindicação mais imediata é a anulação dos processos contra os 73 estudantes. Mas os grupos de esquerda articulam um contra-ataque mais amplo. Não querem ficar apenas como vítimas, mas reagir ao que consideram uma violência planejada dos tucanos – em um contexto de, segundo os debatedores, afirmação do fascismo e da luta de classes no Brasil e no mundo. A memória das repressões no Brasil foi um dos temas em debate.
“Quem está com medo é o reitor João Grandino Rodas, é o governador Geraldo Alckmin”, discursou Rosi, a estudante de Filosofia da FFLCH torturada pela polícia durante a reintegração de posse (leia aqui o depoimento dela sobre a tortura). A representante do Comitê Pró-Haiti Brasil, Lucia Skromov, referendou a fala de Rosi: “O fascismo recrudesce. Concordo que eles têm mais medo que nós”. Ela utilizou uma metáfora para falar de resistência: “Onde há muito igrejismo, há bruxas também”.
A própria Lucia foi presa política durante o regime militar, vítima de torturas no II Exército – o mesmo que invadiu o Crusp (Conjunto Residencial da USP) com tanques, em 1968, e deteve 800 pessoas. “Não somos erva-daninhas”, afirmou ela, em dia inspirado. “Somos a flor do asfalto. Somos o caminho que aponta e desfaz o caos. O fascismo está aí. No mundo todo. E ele é bravo. E é importante sabermos o quanto ele está aí. Eles têm muito mais medo de vocês do que vocês deles”.
Foram exibidos dois vídeos com apoios internacionais (da Argentina e do México) e lido um apoio contundente do DCE da Universidade Federal de Rondônia. Uma estudante chilena falou pessoalmente. Quatro professores da USP estiveram na mesa de debates: Jorge Luiz Souto Maior, da Faculdade de Direito, Jorge Luís Grespan e Lincoln Secco, do Departamento de História (FFLCH), e Luiz Renato Martins, o Luizito, da Escola de Comunicações e Artes (ECA). Somente Secco não falou. O professor Osvaldo Coggiola, da História, também teve um tempo de fala.
MEMÓRIA E HISTÓRIA
A mesa foi completada por Rafael Alves e Maria Fernanda Silva Pinto, a Mafê, ambos da FFLCH, dois presos durante a desocupação da reitoria. E por representantes do Sintusp. O termo “presos políticos”, ironizado por jornalistas de direita, ganhou contornos precisos neste sábado – concorde-se ou não com as ideias e atitudes dos estudantes. É um fato que eles estão se articulando em bloco. E que as reivindicações (antes e agora) são, sim, políticas. Os discursos dos debatedores apontaram interpretações em comum do quadro político brasileiro e mundial.
De um modo geral, a estratégia é de inserção da prisão em uma sequência histórica. Em particular, com o movimento estudantil de 1968. Mafê foi mais longe: leu um texto do francês Fernand Braudel, um dos membros da missão francesa que fundou a USP, onde, em 1934, ele descrevia seus alunos como grã-finos. Em 1936, apontava ele, as coisas começaram a mudar na Faculdade de Filosofia –com a entrada de estudantes de outras classes sociais. “Aí começava o ódio à FFLCH”, apontou Mafê.
Ela rebateu artigo do jurista Miguel Reali Jr, publicado hoje no Estadão. “Foi chocante os invasores da Reitoria terem tido a desfaçatez de se autointitularem presos políticos”, escreveu o ex-ministro da Justiça. “Um desrespeito à História, ao sofrimento daqueles que, de forma certa ou errada, comprometeram sua existência por um ideal de liberdade e igualdade ante os regimes ditatoriais”.
A estudante diz que quem destroi a memória é quem organiza a repressão em São Paulo, “onde a PM atua de modo brutal”. “Quem destroi a memória é um governo fraco, dito de esquerda, que é incapaz de abrir os arquivos da ditadura militar”. Segundo Mafê, a anistia a Carlos Marighella, na Bahia, é insuficiente. Sob aplausos, ela pediu reparação para os demais torturados e mortos durante o regime militar. “Querem discutir memória? Então vamos!”.
RADICALIZAÇÃO E INTOLERÂNCIA
O professor Souto Maior apontou uma crise profunda do capitalismo e se declarou assustado com o “desprezo à razão”, segundo ele uma característica do que vem acontecendo no Brasil – e é ilustrado pelos episódios de repressão na USP. “Não parece mais ficção o filme Matrix”, disse. Ele criticou o “déficit democrático” da universidade e o “massacre público” sofrido pelos estudantes. “Pessoas de todos os credos mostraram seu ódio, do governador até a atendente da lanchonete. A radicalização contra os estudantes é fruto da intolerância – grave – contra todos os movimentos sociais”.
Em fala que deu o tom ao debate, Osvaldo Coggiola disse que os acusados “têm de se transformar em acusadores”. “Quem está violando a legalidade são o governador, a Secretaria de Segurança Pública e o reitor”. Ele disse que as cláusulas do convênio da reitoria com a SSP têm sido violentadas sistematicamente. “Temos de levar ao barco dos acusados os verdadeiros responsáveis pela situação. Caso contrário, poderá haver outros acontecimentos desse tipo. Vencemos em Rondônia e vamos vencer na USP”.
Luiz Renato Martins, do curso de Artes Plásticas da ECA, apontou a origem elitista da USP: “Ela é de direita e está nas mãos da direita. Fizeram com ela um projeto nacional e antissocial, de reprodução da desigualdade, racismo, repressão, alienação, construção de um sistema de ensino que nada tem a ver com as realidades do Brasil”. Ele observou que professores de esquerda jamais comandaram a universidade. E que a USP nunca foi invadida de fora, por iniciativa alheia. “A iniciativa sempre foi de dentro. Tropas atenderam convocações da reitoria e direções de unidade”.
Luizito lembrou que, em audiência na Assembleia Legislativa na segunda-feira, o deputado Carlso Giannasi (PSOL) e o Sintusp denunciaram um sistema de espionagem na USP, “montado a partir da reitoria, muito provavelmente em relação com o governador do Estado. “É todo um aparato repressivo. Foi divulgado um relatório elaborado por espiões, com nomes de trabalhadores e frases ditas em reuniões”. Ele disse também que professores estão sendo ameaçados “de forma velada” por membros do Conselho Universitário.
O historiador Jorge Grespan defendeu uma união das três categorias (estudantes, funcionários e professores) por uma greve geral da USP. “Está sendo planejada uma escalada de violência”, afirmou, em relação ao governo estadual. Ele apontou um esfacelamento do centro em todo o mundo, o que leva a uma polarização entre esquerda e direita. “E, quando o centro cai, a luta de classes fica clara. E a direita é forte. Quando a crise bater aqui o PT – que é esse centro no Brasil – se desmorona”.
Grespan considera que as ações de Alckmin na USP fazem parte de uma orquestração tucana para a direita chegar ao governo federal: “Na década de 30 e 40, a esquerda perdeu. Quem ganhou foram os fascistas e nazistas. De novo a gente não pode perder. A luta agora é só o começo. É longa. O movimento não é um ataque só à USP. A direita está se preparando para a luta de classes”.
Além de Mafê, Rafael e Rosi, falaram rapidamente pelos estudantes representantes das seguintes organizações políticas: PCO, LER-QI, Práxis, MNN, PSTU e Espaço Socialista. A plateia do Teatro Coletivo, na Rua da Consolação (bem em frente do cemitério), estava lotada. Estudantes sentavam-se e deitavam-se no palco. A imprensa, ausente, foi citada em vários discursos. Como o de Bruno Gilga, da LER-QI: “A imprensa diz que estamos parados em 1968. E nós vamos trazer 1968 de volta”.
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