quarta-feira, 2 de abril de 2014

Militares investigam militares por crimes cometidos por militares

por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)

Manchete da Folha: "Militares criam comissões para investigar tortura". Os outros jornais vão na mesma linha. Lemos que os militares vão investigar "centros de tortura da ditadura" (Estadão), que as Forças Armadas investigarão "tortura e morte em quartéis" (O Globo).

Então tá. Os militares vão investigar os militares sobre torturas praticadas por militares durante uma ditadura.

A primeira imagem que me veio à cabeça foi a da lanterna de Diógenes. Só que às avessas. O filósofo grego andava com uma lanterna acesa, durante o dia. À procura de um homem honesto. Ou da verdade.

Já que estamos a falar de filosofia, não custa invocar o doutor Pangloss, personagem de Voltaire. Ele é o guru de Cândido, o jovem ingênuo que acreditava que todas as desgraças, no fundo, viriam para melhor. (Pollyanna viria a ser uma personagem mais popular nesse campo do otimismo empedernido.)

No sentido contrário, não consigo enxergar nessa lanterna verde-oliva mais do que uma reafirmação da obscuridade. Uma lanterna para inglês honesto ver, uma verdade para torturadores, auto-redentora.

O próprio Voltaire definia metafísica como procurar, em um quarto escuro, um gato preto que não está lá. Mas aqui estamos novamente às avessas: os torturados estavam lá, os desaparecidos existiram, os mortos se multiplicaram e ainda nem foram devidamente contados. (Pois temos os indígenas, os camponeses.)

E as tais comissões verde-oliva terão 30 dias para apurar tudo. Trinta dias! Um disparate, claro, que até agora passa despercebido por nossa imprensa tão peculiar, essa da "ditabranda", essa que transforma um mea culpa, por ter apoiado o golpe, num esquisitíssimo "meia culpa".


Trinta dias! Fiquei pensando: por que não 25 dias? Ou 21? Assim teríamos um dia para cada ano de perseguições, abusos, espancamentos, paranoia, em cada Unidade da Federação.

Eu me lembro que, quando servi o Tiro de Guerra, em São Carlos, o sargento Castro falava abertamente sobre tortura. Podiam chamar o sargento Castro para as investigações!

Na melhor das hipóteses, como imagina o Valor, esse encaminhamento peculiar da história recente do Brasil vai motivar "desculpas" por parte dos militares, "perdão".

Como não é isso que eu quero, esses jornais não me representam. Na minha opinião eles deviam estar exclamando palavras como "deboche", "escárnio". Clamando por investigação de verdade e pelo devido respeito à história de homens e mulheres violentados pelo Estado.


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