sábado, 26 de novembro de 2011

Ordem e retrocesso

A USP teve ontem à noite uma aula pública particularmente especial. Sentados no “morrinho” do prédio da História, cerca de cem alunos assistiram a um debate sobre maconha. Foi justamente por ali que, no fim de outubro, três alunos da Geografia foram detidos por policiais, fato que deflagrou a revolta dos estudantes, as ocupações (da FFLCH e da Reitoria) e a greve estudantil.

Dizer que foi um debate sobre maconha é pouco. Foi também uma aula sobre liberdade de expressão. O professor Henrique Carneiro, da História, fez questão de abrir sua fala fazendo referência à revolta no Egito. Contou o caso do militante Ahmed Harara que, em protesto no dia 28 de janeiro, perdeu um olho, no confronto com a polícia. De volta às ruas de Cairo, no último dia 19, mais confronto – e ele perdeu o outro olho. Em sua homenagem, os manifestantes saíram às ruas com um olho tapado. Com ele à frente.

A imagem da cegueira é precisa. Penso em Saramago e seu Ensaio sobre a Cegueira. E no Informe sobre Cegos de Ernesto Sabato. No caso da maconha, a sociedade brasileira ainda não acordou para a dimensão do problema que é a criminalização de uma droga leve – levando simples consumidores e portadores à prisão. Thandara Santos, da Marcha Mundial das Mulheres, lembrou que boa parte das mulheres presas foi condenada por levar drogas aos maridos nos presídios. A ausência delas desagrega as famílias e gera novos ciclos de exclusão.

Thandara contou que mais da metade das apreensões de drogas ocorre no Estado de São Paulo. Não à toa, os paulistas são os que mais investem em policiamento – ou seja, em polícia ostensiva, e não em serviços inteligentes de segurança. É uma sociedade de vigilância, como observava Michel Foucault. Mas vigilância de algo banal: consumo de maconha. Tudo em nome da “ordem pública” – um conceito que, observa Thandara, não foi em nenhum momento definido juridicamente.

Como não foi definido, vale tudo. E passa a caber às forças policiais definir o que é a tal “ordem”. Lembrando do Egito: quem estaria ali em nome da ordem ou em nome da desordem?

Henrique Carneiro diz que a sociedade brasileira é simpática à legalização da maconha. Uma prova seria a reação contrária à repressão policial ao ato realizado em maio, em São Paulo. Ele diz que, ao adotarem o recurso das ocupações (mascarados), os estudantes perderam a oportunidade de promover um debate nacional sobre o tema – e de liderar manifestações massivas pela legalização.

A repressão ao direito de se manifestar tem-se afirmado como grande tema nacional. Mas, no reino das manifestações, alguns têm mais direitos que outros. Esta semana, estudantes contrários ao novo Código Florestal tiveram os cartazes confiscados no Senado. Mas o mesmo não ocorrera, dias antes, com os ruralistas favoráveis à nova legislação – devastadora, na contramão da história.

O novo Código Rural, como diz Marina Silva, é empurrado aos brasileiros em nome do “progresso”. A palavra está lá na nossa bandeira. Ao lado exatamente da palavra “ordem”. Os ruralistas que desmataram, que agrediram o ambiente, serão absolvidos. Jovens consumindo maconha, na USP e em todo o Brasil, esses são criminalizados.

por Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)


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