domingo, 2 de novembro de 2014

O fascismo emergente não é apenas um espasmo exótico

por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)

A esquerda precisa admitir que é assustador o número de pessoas na rua nessas manifestações de extrema direita, a pedir intervenção militar e o impeachment de uma presidente reeleita há apenas uma semana. Assim como é assustador o número de pessoas que compartilham as fotos e as ideias desses fascistas. Não é apenas mais uma brincadeirinha de ignorantes, meus caros. Eles estão se levando a sério. E arrebatando incautos. A partir da soma das viúvas da ditadura com o sentimento antipetista mais radical, despolitizado e primário.

Os dilmistas mais empedernidos também precisam admitir que ajudaram a chocar esse ovo da serpente, ao radicalizarem contra Marina Silva, permitindo a ressurreição do tucanato - com o substrato de direita inerente à volta do Fla-Flu entre PT e PSDB. Isso significa fazer um mea culpa imediato, emergencial, e cobrar atitudes sensatas daqueles que foram eleitos. Vocês que se precipitaram tanto são também responsáveis por esse... por esse clima.

O Ricardo Mendonça, jornalista da Folha, observou no Twitter que o PSDB precisa ser rápido e se distanciar dessa corja de golpistas. Em respeito à sua história. Mas não é o que parece estar acontecendo. Em Brasília havia um carro de som de um deputado do PSDB, Izalci. Os tucanos começaram a abrigar a bancada da bala. E alimentam o pseudonoticiário de revistas inescrupulosas, como IstoÉ e Veja. Buliram com a credibilidade.

Onde estão os democratas? Por que estão tão calados? Em São Paulo, o deputado eleito Eduardo Bolsonaro (PSC), eleito com os votos de Marco Feliciano, discursou e falou que, caso seu pai fosse candidato, teria "fuzilado" Dilma Rousseff. Ora, é preciso haver reação imediata. Processo nele. E em qualquer liderança que coloque em risco a democracia. Em caso de incitação ao crime, mais do que isso.

SILÊNCIO E HISTÓRIA

Será mesmo o silêncio a a melhor estratégia? A história da humanidade é a história de ditaduras e teocracias, de democracias extremamente imperfeitas e apenas eventuais. Na América Latina, em história recente, tivemos golpe em Honduras, no Paraguai (apoiado por nossa mídia estúpida), quase tivemos na Venezuela (comemorado por essa mesma imprensa venal). E a história do Brasil não é a mais abonadora a respeito.

Por que, então, agirmos como avestruzes, como se não estivesse acontecendo nada? O que exatamente garantiria um estado permanente de democracia em nosso país, além de nossos vastos e bem intencionados desejos? Nossas "honradas e sólidas" instituições? Mas quais, exatamente? Essa Justiça e esse Congresso de decisões casuísticas, de indignações oportunistas, movidas pelas pautas da mencionada imprensa golpista?



Vale lembrar que, durante os protestos de 2013 em São Paulo, sindicalistas, sem-terra e outros manifestantes ficaram acuados em plena Avenida Paulista por uma horda de fascistas. Estes saíram quebrando bandeiras vermelhas, ou que não fossem do Brasil. Houve ameaças e agressões. Os manifestantes de esquerda ficaram isolados, fizeram um cordão. Por incrível que pareça, black blocs foram os responsáveis por não ter havido uma tragédia - ao protegerem os movimentos institucionalizados. Pouca gente percebeu os sinais. E as eleições acabaram colocando mais lenha na fogueira.

REPENSANDO A AGENDA

Sou crítico de políticas apenas reativas. Acho que a esquerda se moveu demais, nos últimos tempos, em torno de Felicianos e quetais, ajudando a promovê-los, e com dificuldades imensas de emplacar os próprios temas, as próprias reivindicações. Da mesma forma que considero um erro se mover apenas em função do que os ruralistas aprontam no Congresso, de forma a se conquistar apenas (quando muito) a retirada de bodes na sala. Correndo atrás do prejuízo.

Sim, acho que deveríamos estar promovendo as discussões de longo prazo (vítimas de sucessivas tentativas de assassinato durante esse último debate eleitoral emburrecedor). Como a questão agrária, o modelo de consumo, o modelo de mobilidade urbana, de ocupação do território, as causas primeiras da violência. A questão ambiental, mãe da crise hídrica. Não deveríamos esquecer dos indígenas, de todos os povos tradicionais que seguem sendo vítimas desse modelo econômico suicida.

Mas este é um momento de admitir que falhamos em tudo isso. Erramos. Fracassamos. (Lembro-me aqui da ideia do "pacto entre derrotados", do Ernesto Sabato.) E, portanto, precisamos, ainda que em paralelo com as discussões listadas acima, colocar de vez em pauta essa explosão de obscurantismo, esses lobões e lobófilos lombrosianos, esses discursos do ódio, essa defesa abjeta da tortura, do golpe, da morte, a morte do sistema, a morte como sistema.


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