Os dez mandamentos de um debate eleitoral sórdido
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
1) Atacarás a pessoa, e não as propostas do partido.
Os
candidatos de quem o eleitor não gosta são vistos como inimigos, e não
como expressões de outros projetos de poder. O objetivo é atacar o
caráter, arrebentar com a dignidade. Desconstruir – a pessoa.
Desqualificar – o ser humano. A biografia deste pouco importa. Importa
editá-la. Demonizar o político a partir de características existentes ou
não, exageradas ou não. O respeito passa longe.
2) Distorcerás informações.
Este
é um dos exercícios prediletos desse eleitor apaixonado. Seja por
redução calculada das ideias e promessas do outro, seja pelas distorções
propriamente ditas. Essa distorção pode ser infame, pode ser uma
mentira deslavada. Mas o objetivo eleitoreiro – desprovido de cidadania –
permite o milagre da multiplicação da falta de escrúpulos. Às favas as
informações, e às favas o bom senso.
3) Serás precipitado, afoito, intempestivo.
Este
item tem relação direta com o item anterior. Tudo ganha um sentido de
aparente urgência. É preciso desqualificar o outro, e logo, numa espécie
de corrida de cavalos. Com isso aumenta a chance de se distorcer a
informação, e de se promover uma campanha injusta, agressiva, desumana. O
relógio corre e inspira precipitação; esta precipitação potencializa
todos os demais itens.
4) Enxergarás contradições apenas do adversário.
Os
erros do candidato que se defende são totalmente minimizados, jogados
para debaixo do tapete. Os do adversário, hipertrofiados. Esse exercício
de cinismo ganha musculatura na medida em que os demais apaixonados
concordam com os linchamentos e com o completo absurdo que seria o
adversário ser eleito. Monta-se, então, uma caça às contradições. Mas
uma caça sem regras, sem limites.
5) Importarás o que houve de pior em eleições anteriores.
Em
vez de se aprender com os erros, eles são multiplicados. A sordidez
espetacular de 1989 – um marco na história dos ataques eleitorais, com a
invenção de uma tentativa de aborto – ganha filhotes eloquentes,
eleição após eleição, em terrenos onde cada eleitor deveria guardar o
mínimo de distância e respeito. Não são desenvolvidos novos formatos,
com reprodução automática do que se fez de pior. Essa violência toda é
também um filhote da ditadura.
6) Adjetivarás. (E simplificarás, insultarás.)
Com
redução ao máximo das características positivas de seus adversários, e
amplificação ao máximo de seus defeitos. Aqui, com um viés linguístico –
redutor, embotador. O importante, nesse caso, é transformar toda uma
visão de mundo, ou um projeto de país, evidentemente criticáveis, numa
palavra-chave, de modo que até o próprio postante possa entender. A
linguagem como carimbo.
7) Utilizarás argumentos de cor, classe, gênero.
Misoginia,
racismo e preconceito de classe (especialmente quando se trata de
origem pobre) estão presentes em milhares de memes e em milhões, dezenas
de milhões de comentários na internet. Tudo em larga escala. A condição
de mulher motiva piadas e insultos específicos. O racismo costuma ser
disfarçado em formato de “piadas”, ou comparações grotescas. O
obscurantismo como farra, diversão.
8) Serás menos cuidadoso que teu próprio candidato.
Em
outras épocas os ataques menos escrupulosos vinham de alguns
candidatos, fossem os majoritários ou alguns nanicos. Estes eram
escolhidos a dedo para a tarefa de enxovalhar os adversários, dizer
coisas que poderiam pegar mal para o candidato majoritário. Funcionavam
como uma espécie de jagunços eleitorais, de franco-atiradores. Muitas
vezes de forma grotesca. O papel dos nanicos cabe hoje aos internautas.
9) Promoverás o apocalipse.
Somente
no caso de determinado candidato vencer teremos um país sério, uma
democracia consolidada, uma economia estável. Com os demais, virá o
caos. Meu candidato? Locus amoenus, tudo lindo – o espaço da calma, da
amenidade. O adversário? Locus horrendus – o espaço do horror. No
limite, isso resulta em golpismo, que pode ser observado em eleitores de
direita e esquerda, governistas ou não.
10) Ignorarás uma discussão séria sobre um projeto de país.
O
décimo item é o pai de todos os demais. É dessa ausência de discussões
mais sisudas, com um circuito mais consistente de informações e
argumentos, que decorre a disposição para a infantilização e redução do
debate. Observe-se que muitos temas importantes simplesmente somem do mapa. O horizonte se encolhe. A história do país se apequena. Fulano
ou beltrano se tornam mais importantes que 500 anos (ou milhares) de
história.
Isoladamente, alguns itens listados cima, como apontar
contradições ou utilizar adjetivos, podem ser legítimos. Com
comedimento. Juntos, apenas ajudam a promover o obscurantismo eleitoral.
Debates de fundo funcionam melhor sem precipitação. E com a percepção
de nuances, matizes. De um país e de um mundo político um pouco mais
caleidoscópico que o preto no branco desse comportamento eleitoral
binário.
Essa gritaria toda – essa voracidade toda, essa
intolerância toda - não colabora com a democracia. E nem com as
candidaturas que esse eleitor, mais ou menos mal-intencionado (às vezes
apenas um distraído), julga defender. Então, por que perpetuar essa
lógica? A tarefa de construir um país mais justo e menos desigual exige
bem mais substância, paciência. E ética. Outro debate eleitoral é
possível.
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