quinta-feira, 23 de maio de 2013

Virada invisível: o artista rosa-choque e o morador de rua

por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)

Paulinho Inn Fluxus é um artista paulistano. Um performer que se veste de rosa-choque. É um dos fundadores da tropa Tanq_ Rosa Choq_, que ficou conhecida durante protestos contra a Polícia Militar no campus da USP. Ao aparato bélico dessa polícia repressiva, ele e seu grupo contrapõem pistolas de brinquedo, um tanque (originalmente um carrinho de supermercado), óculos de esquiador – tudo rosa-choque.

E isso funciona. Causa impacto. Muito mais que alguns discursos sisudos, com começo, meio e fim. Fluxus entra no século 21 fazendo política como artista, dialogando com a tradição dos protestos de rua. E desconstruindo as relações de poder. No ano passado, o rosa-choque foi também símbolo da desconstrução de um candidato à prefeitura de São Paulo, o populista conservador Celso Russomanno (PRB). “Existe amor em SP” era um evento rosa-choque.

Fluxus debocha do consumismo, motor do discurso desse político. Multiplica signos que relativizam o poder político, e o próprio vocabulário – bélico – de alguns milhares de anos de história. Machista, homofóbica, opressora. Temos uma “tropa”? Apenas com a simbologia da cor isso já ganha um contraponto: “somos rosa-choque” . Ou seja, democráticos, igualitários, alegres.

Tudo isso, claro, incomoda o poder. Não à toa, o artista foi um dos presos durante a desocupação da reitoria da USP, em 2011. O espaço fora ocupado em protesto contra a presença ostensiva da PM no campus. Uma das fotos mais divulgadas na época mostra Fluxus na porta do ônibus (73 estudantes foram presos em um ônibus), com sua roupa rosa-choque e segurando um... livro! 



Durante a Virada Cultural, o mega-evento em São Paulo, no sábado retrasado, Paulinho Inn Fluxus foi novamente preso. A acusação? Apontar um laser para o rosto do músico Lobão. Filho de um jornalista torturado durante a ditadura, o artista ficou horrorizado com uma declaração de Lobão simpática aos militares. De forma inusitadamente abjeta, o músico relativizou por duas vezes a tortura: “Só arrancaram umas unhazinhas”.

Mas foi Fluxus, com seu laser “perigosíssimo”, o acusado de “perturbar a ordem”. Não exatamente algo passível de definição muito precisa. Em geral, o discurso da “ordem” serve apenas como pretexto para a repressão – inclusive em tempos democráticos. Profissional da iluminação (já foi ao exterior apresentar seus projetos), o artista deixa claro que Lobão não corria nenhum risco diante de seu protesto. O sentido era político: tornar visível a frase infame do músico.

A BATALHA PELA VISIBILIDADE

Ao caminhar pela Virada Cultural, após deixar a delegacia, Fluxus (o nome não é por acaso) fez uma reflexão sobre o desejo de visibilidade. Que motivou a elaboração deste texto. Ele chegou a acompanhar dois arrastões, alguns passos atrás, para tentar entender o que queriam aqueles jovens. Considera que não estavam ali somente para roubar. Mas para posarem, para se sentirem poderosos junto a um grupo.

Foi nesse contexto – de finos contornos psicológicos e sociológicos - que ele começou a observar um morador de rua. Muitíssimo sujo, contou Fluxus, e muitíssimo forte. Um homem na virada dos 40 para os 50 anos, musculoso. Em frente de um palco, esse paulistano anônimo fazia adbominais. Mas ainda passava despercebido da multidão.

Quando Fluxus se aproximou, houve um conflito. Visual. A simples presença do artista (rosa-choque) desafiava o território do morador de rua. Seu desejo de atenção. O território da visibilidade.

Fluxus conta que o homem veio peitá-lo. “Peitei de volta e entrei no jogo”, escreveu ele, em um registro sobre suas andanças na Virada. “Ele era forte, mas eu mais rápido e mais lúcido”.

Mas o fortão, conforme suas palavras, “não topou jogar junto”. Haveria confronto, violência?

Fluxus decidiu mudar de estratégia. Deixou, então, ao lado da camisa do homem (retirada para os abdominais), um pano rosa-choque que ganhara pouco antes. É do próprio artista o fim do relato:

- Estendi no chão e continuei na minha. Em dois minutos ele trocou o foco com a minha pessoa e começou a contracenar com o pano. Vestiu o rosa-choque na cabeça e aí sossegou. Estava sendo notado. Um outro ambiente se configurou quando as pessoas não mais fingiam que ele não existia, mas davam risada. Um fotógrafo começou a fazer um ensaio e ele só voltou a me empurrar quando eu passei na linha entre a câmera e ele. Missão cumprida.

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2 comentários:

A Matilha _ disse...

Que alegria ver esse texto concatenando as coisas no tempo. Só pra dizer que quem fundou o TANQ_ foi a assembléia das artes plásticas da USP. Proposta de Danilo Bezerra, numa reunião em que eu não estava presente. Fui para a construção do TANQ_ e fui o primeiro a pilotar e a encarnar a criatura performatica. Digamos que sub-comandante faz mais sentido. Pois quem manda mesmo é a tropa, é o rosa, é o choq_ ! Abs

valter machado zero disse...

Uma tão presente "QUARTA PAREDE" é desconstruída numa intervenção cênica, aproximando personagens de cidadãos invisíveis (hipocrisia: Ningèm fica invisível, as pessoas ficam indiferentes perante algo imcompreensível para si, e como normalmente, nas grandes cidades, estão sempre escravizadas por CRONOS (O "DEUS" do tempo na mitologia grega), nunca tem tempo para nem ao mesmo direcionar um olhar, quanto + uma palavra para um possível diálogo !