segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

A trapalhada de Kassab e a implosão parcial da vergonha política

por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)

A imagem de um prédio parcialmente implodido marcou este início de ano em São Paulo. O objetivo oficial, preservar o tráfego dos trens, ao lado. O prédio pegou fogo durante o incêndio da Favela do Moinho, antes do Natal. Moradores estão desabrigados. Alguns dormem ao relento. Mas o prefeito Gilberto Kassab (PSD) comemorou a implosão parcial – na verdade, uma grande trapalhada de seus engenheiros.  De qualquer modo, a cena – metaforicamente muito rica - dá margem a várias análises.

Fica evidente que o prefeito – munido de seus ideais higienistas – queria mesmo ver aquela cena de implosão geral e irrestrita, aquela que a Rede Globo sempre gostou de mostrar, com algum engenheiro descrevendo euforicamente a proeza. Uma favela pegou fogo? Dois moradores morreram? Pela lógica de Kassab, “queimemos as evidências”. “Mostremos que esta cidade tem comando. Eu sou um prefeito realizador: vou lá e implodo mesmo”.

Diante do fracasso midiático, o dinâmico prefeito se reuniu por uma hora e meia com os técnicos para “avaliar o sucesso da ação”. Encerrados esses 90 minutos, feito um jogador de futebol emitindo platitudes após uma partida, ele se saiu com a tese de que a implosão parcial fora “bem sucedida”. Que o objetivo – diz Kassab - era liberar as linhas da Companhia de Trens Metropolitanos e era preciso achar um “ponto de equilíbrio”.

Poderíamos perguntar aqui, equilibradamente, até onde vai a cara-de-pau (essa que nunca parece pegar fogo) dos políticos brasileiros. Mas busquemos um contra-exemplo. Na sexta-feira, em entrevista à Folha, o governador carioca Sergio Cabral (PMDB) mostrou que ainda é possível (aqui e ali) ouvir políticos dizerem a verdade. Ainda que em um único trecho de entrevista. Diante de uma pergunta sobre educação, a última feita pelos repórteres, Cabral respondeu:

- É vexatória a situação. Vigésimo sexto no Ideb me envergonhou profundamente. Meu compromisso é estar entre os cinco do Ideb em 2014.

Claro, seria pedir muito que um político não agregasse uma promessa a uma constatação vexatória. Oportuno também lembrar que educação não é uma competição, uma corrida entre cavalos. Nem algo passível de mudanças bruscas em tão pouco tempo – não se trata de tentar classificar ninguém para alguma Copa do Mundo.

Mas reconheçamos: o governador do Rio admitiu que está envergonhado. Pode até ter levado depois uma chamada de seus marqueteiros, porém declarou-se “profundamente envergonhado”.

E Gilberto Kassab? Não estaria ele envergonhado? Ainda que não tão “profundamente”? Não por sua implosão de araque num ano novo chuvoso, mas por administrar uma cidade cujas moradias pegam fogo?

Existe ainda espaço para a “profunda vergonha” na política brasileira?

Dilma Rousseff tem “profunda vergonha” do desmatamento e do novo Código Florestal? Ou do trabalho infantil? Luiz Inácio Lula da Silva tem vergonha por não ter cumprido a promessa de erradicar o analfabetismo? Fernando Henrique Cardoso fica vexado ao ser confrontado com os números da “privataria tucana”? Governadores de todo o Brasil declaram-se envergonhados diante das violências policiais – nos porões e nas ruas?

E o trabalho escravo (esse sobrevivente), a exploração sexual de crianças e adolescentes, as violências praticadas contra as nações indígenas brasileiras? Elas inspiram em nossos governantes (entre eles todos os ministros recentes da Justiça, de Renan Calheiros a José Eduardo Cardozo) alguns sentimentos humanos – de vergonha, ou de pena, comiseração?

O que mais no Brasil está “parcialmente implodido”?

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Um comentário:

@Limarco disse...

Se isso foi sucesso, imaginem o resto.