sexta-feira, 26 de julho de 2013

Globo afirma catolicismo acrítico como seu nicho de mercado

por ALCEU LUÍS CASTILHO
(@alceucastilho)

Os apresentadores da Globo sorriem o tempo todo ao falar do papa. Aquele sorriso condescendente, como se todos concordassem com a santidade do líder religioso. É uma simpatia incondicional, acrítica. Adesão, teatralizada, e não jornalismo. Difícil definir qual deles é o mais subserviente. Sandra Annenberg, no jornal Hoje, até balança a cabeça de tanto sorrir. Nada de tão diferente nos demais programas. Apresentadores e repórteres consideram-se enviados especiais ao paraíso. Um deles imaginou-se, no mesmo jornal vespertino, em pleno Vaticano. “Parece a Praça São Pedro!” – deslumbrava-se.

Não é só pelo tempo da cobertura, portanto, que a Globo afirma os católicos – ainda maioria no Brasil - como seu nicho principal de mercado. Pois é disso que se trata. De uma estratégia com matriz comercial, de olho nos números, de olho na tomada das outras emissoras por programas evangélicos. Isto para não falar da Record, da Igreja Universal. (A Band joga para os dois públicos. Um repórter dessa emissora chegou a pedir bênção, no avião que trouxe o pontífice para o Brasil, de uma maneira reverente ao extremo. Um comportamento de fiel especialmente fanático, não de um repórter.)

Não se trata de pacto com qualquer catolicismo. Este tem suas contradições. O catolicismo progressista - aquele que defende índios e camponeses, por exemplo – fica de fora desse script. A emissora não está enviando repórteres para celebrar os padres e bispos que defendem os excluídos, os moradores de rua. Não falará dos padres que foram assassinados por se posicionarem firmemente em relação aos conflitos no campo. Não teremos Comissão Pastoral da Terra e Conselho Indigenista Missionário no noticiário.

Esse pseudojornalismo em plena afirmação - um jornalismo de hóstia - tenderá a migrar para o restante do noticiário. A partir do momento que a Globo assuma com mais ênfase os valores desse setor do catolicismo. De um papa simpático, que coloca os pobres em pauta (o que tem seu mérito), mas sem vilões, sem opressores. Pobres sem uma história econômica por trás, um sistema produtivo que os prevê, que deles se utiliza para enriquecer uma minoria. “Pobres”, inclusive, com esse termo apenas. E não “trabalhadores”, camponeses, protagonistas.

Ou seja, esse jornalismo tenderá a ser ainda mais alienado e com horror a conflitos. Veremos um acirramento da tradicional varrida desses conflitos para debaixo do tapete. A violência policial seguirá não sendo tomada como deveria ser: como uma ação do Estado para preservar a propriedade privada e seus pactos com as elites econômicas. A violência social (reduzida à violência nas favelas, nas comunidades) não será discutida à luz da história da desigualdade. Os violentos seguirão retratados como se fossem uma espécie de demônios.

Isso vale para a cobertura dos protestos de rua. "Vândalos e baderneiros" encaixam-se nessa narrativa desconectada da história, como se os manifestantes mais revoltados fossem uma expressão diabólica. (Leia aqui: "As elites vândalas, a imprensa baderneira e os policiais bandidos".)
Como é possível compatibilizar uma cobertura sorridente do papa com a crítica à foto do pontífice com policiais do Bope?

Essa lógica vale também para a cobertura de questão agrária, da questão indígena, da questão ambiental. A marcha inexorável dos bonzinhos peitará os políticos proprietários de terra, os desmatadores na Amazônia, os correntões que arrastam árvores, as grilagens, as ameaças sistemáticas a sem-terra? (Práticas, aliás, de muito coronel que vai à missa e comunga toda semana.)

O nicho de mercado redefinido pela Globo é católico, sim. Mas vai ao encontro do nicho anterior: o do pacto dos meios de comunicação tradicionais com as elites brasileiras. E não apenas as elites mais civilizadas, ou com algum sentimento de culpa. Essas elites podem ser, eventualmente, cordiais. O que não as torna menos violentas e promotoras da desigualdade. Sem que a imprensa atente a essa face bem nascida da violência.


Esse pacto já foi feito em tempos de democracia e de ditadura. Agora se afirma nesta nossa nova democracia-ditadura, esta democracia pela metade, esta democracia que naturaliza os policiais sem identificação, as prisões sem provas, as detenções com acusações vazias, as manifestações controladas, o direito de ir e vir às favas, os governadores jagunços e uma justiça distraída.


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domingo, 21 de julho de 2013

Ensaio sobre coxinhas



O termo "coxinha" é despolitizado. Ele ameniza a sordidez. Existem policiais violentos, existem políticos que promovem a barbárie, governadores cruéis, existe gente cúmplice, indiferente, canalha. Existem jornalistas cínicos, médicos desumanos, advogados sem ética. Existem elites monstruosas, existem fazendeiros (ou netos de empresários) que escarnecem dos mais pobres, existem oligarcas sem escrúpulos, existem grileiros, desmatadores, ladrões de colarinho branco, existem racistas, homofóbicos. Em todas essas situações está lá, de forma explícita ou latente, a violência. A violência de 513 anos, a violência do sistema econômico, a opção - na maior parte dos casos, consciente - pela espoliação, pela discriminação, pela perpetuação da desigualdade. Nada disso é traduzido pela palavra "coxinha". O conezinho de frango não sintetiza os inimigos. Estes são os canalhas, aqueles que patrocinam a repressão, que envenenam a nossa comida, aqueles que defendem a tortura e a execução de jovens negros. Escravocratas, violadores de direitos, atropeladores da saúde, assassinos da educação, pulhas de diversos quilates. Desalimentemos as imprecisões de linguagem, portanto. Não há modismo linguístico que sintetize a gigantesca soma de violências praticadas no Brasil por vermes, por gente que exclui, que acende diariamente o fogo da exclusão. Aos agressores, os termos exatos. Eles não são um quitute. Os coniventes, também não. Que seja denominada a cada covarde a sua pequenez específica, a sua transbordante falta de glória. Patifes: vocês têm vários nomes.

Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)
Com desenho de Eduardo Simch

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sexta-feira, 19 de julho de 2013

Entrevista sobre Carlo Giuliani ajuda a entender junho de 2013, Brasil

O jornalista italiano Carlo Gubitosa lançou um livro em 2004 sobre a morte de Carlo Giuliani e os conflitos em Gênova, durante reunião do G-8, em 20 de julho de 2001. Há exatamente 12 anos o manifestante italiano era morto por um policial. Levou um tiro. Eu entrevistei Gubitosa para a Agência Repórter Social, logo após o lançamento do livro. Ao reler a entrevista, agora, fiquei impressionado com a atualidade do relato e das considerações do jornalista, tendo em vista o contexto dos protestos brasileiros, em junho de 2013. Está lá a discussão sobre a violência da polícia, sua militarização, estão lá os black bloc e as divergências de estratégias entre os manifestantes, está lá a lógica econômica excludente.
Segue o texto como foi publicado em 2004:

por ALCEU LUÍS CASTILHO (Agência Repórter Social)

Em sua obra "Nome per Nome", lançada na Itália, Gubitosa detalha acontecimentos da reunião do G-8, que gerou um mártir e se tornou um evento-símbolo dos movimentos mundiais por outra globalização

Em julho de 2001, o G-8, grupo de países mais ricos e poderosos do mundo, reuniu-se em Gênova, na Itália, para sua reunião de cúpula, em perímetro fechado para manifestações de protesto. Alguns ativistas invadiram o local reservado e entraram em confronto com a polícia. O estudante Carlo Giuliani morreu – atingido pelo policial Mario Plastanica - e virou símbolo de resistência entre os movimentos mundiais por outra globalização. O jornalista italiano Carlo Gubitosa acompanhou tudo de perto e decidiu escrever um livro – lançado em julho na Itália - contando passo a passo, praça por praça, nome por nome, o que aconteceu naquela semana em seu país. Para os italianos, o episódio tem a mesma importância que o 11 de setembro de 2001 para os norte-americanos. Em entrevista ao Repórter Social, Gubitosa alerta sobre o papel da mídia no acirramento dos confrontos e cobra posturas pacíficas dos ativistas.


Repórter Social – O que mudou depois daqueles sete dias em Gênova, na Itália e no mundo?

Carlo Gubitosa – Na Itália mudou tudo, no mundo nada. Na Itália mudou tudo porque milhões de jovens perceberam que a democracia não é um presente que recebemos de nossos pais, mas uma coisa preciosa a ser cuidado todos os dias pelos nossos filhos, que não pode ser abandonada a si mesma, mas requer a participação e a atenção de todos. As violências cometidas pela polícia revelaram que a polícia na Itália não era mais uma “polícia de Estado”, isto é, gestada pelo Estado e pelos cidadãos, mas está lentamente transformando-se em um grupo de “guardas armados” sem relação de confiança e de colaboração com os cidadãos, instrumentalizados e usados pelos políticos e pelos poderosos para promover a paz em suas festas e reuniões. Por este ponto de vista muitas coisas mudaram, alguns sindicatos de policiais entenderam que a ação das associações e dos movimentos sociais não é um risco para a segurança, mas uma riqueza para a construção conjunta de uma colaboração entre as partes mais saudáveis do país. Em 2002 alguns policiais se encontraram com os garotos espancados em Gênova na escola Diaz, e este encontro foi muito bonito, porque não foi um encontro entre “inimigos”, mas entre pessoas que sofreram diversos tipos de violência. Os garotos tinham sofrido a violência do Estado e os policiais honestos tinham sofrido a violência dos poderosos, que os transformaram em cães de guarda do G8, constrangendo-os a turnos massacrantes e criando um cenário de confronto que poderia ter sido evitado.

Repórter Social – Por que decidiu escrever o livro?

Gubitosa – Porque estava em Gênova e fiquei profundamente impressionado com toda a violência que vi. Trabalhar por dois anos numa investigação sobre os fatos de Gênova foi uma forma de automedicação que me ajudou a superar o trauma daqueles dias com uma busca constante da verdade, mesmo quando esta verdade era incômoda ou repulsiva. No meu livro, na verdade, não se condena somente a violência física, mas também aquela verbal, sobretudo quando quem a utiliza são os grupos que se manisfestaram em Gênova. Refiro-me à “declaração de guerra” dos “Tute Bianche” (Macacões Brancos) italianos, que pretendia ser somente um modo de atrair a atenção e gritar em voz alta a própria contrariedade em relação às injustiças e desigualdades, mas se transformou numa perigosa “arma midiática” que contribuiu para elevar o nível de confronto durante as manifestações.

Repórter Social – Que coisas acontecem nos protestos por outra globalização que os jornais não publicam?

Carlo Gubitosa – Nas manifestações de protestos os jornais dão voz somente à violência, criando uma espiral onde vence quem levanta mais a voz e leva as mensagens mais “fortes” e “sensacionais”. É por isso que, do ponto de vista da mídia, quem venceu em Gênova foram os Black Bloc (anarquistas radicais), que se tornaram o grupo organizado mais visível e conhecido. Aquilo que é necessário interromper é a espiral crescente que alimenta a violência da praça com a violência midiática. Os jornais oferecem aos jovens uma mensagem escondida: “se quebrarem a vitrine conseguirão a primeira página, se falarem de conteúdo sério, infelizmente não serão notícia”. É por isso que o movimento dos Black Bloc cresceu e se desenvolveu nos EUA a partir da Europa, porque é exatamente nos Estados Unidos que a política-espetáculo atingiu sua máxima expressão. O que persiste ignorado e coberto por um véu de silêncio são as importantes reflexões científicas e culturais realizadas por todos os grupos, associações, ONGs e os especialistas que estão estudando os problemas das biotecnologias, da distribuição injusta dos recursos do planeta, da necessidade de encontrar uma alternativa à energia do petróleo, dos riscos ambientais associados ao nosso modelo de desenvolvimento. Este ano na Europa muitas pessoas morreram por causa do calor, e se fala de milhares de vítimas. Muitos acreditam que este calor tenha sido um fenômeno natural e inevitável, outros pensam que o superaquecimento do planeta não seja natural, mas sim devido à estupidez humana na gestão da única terra que possuímos.

Repórter Social – Os Fóruns Sociais, como os de Porto Alegre e Mumbai, são uma alternativa suficiente aos movimentos sociais?

Gubitosa – É importante reunir as pessoas de todo o mundo, mas é igualmente importante que nestes encontros elas aprendam a se reunir e organizarem-se também sozinhas, sem “Fóruns Sociais” ou eventos excepcionais, criando pequenos grupos em cada cidade e em cada quarteirão. Aldo Capitini, que levou a cultura da não-violência ao meu país e é conhecido como o “Gandhi italiano”, sustentava a necessidade de substituir o capitalismo, o militarismo, o socialismo e o comunismo por uma nova forma de “poder de baixo” que ele chamava de “omnicracia” (o poder de todos). Para a realização de uma sociedade baseada na omnicracia é necessário que todos os dias cada cidadão seja uma parte ativa do território em que vive, e não somente um espectador dos grandes eventos mundiais. Portanto acho que há necessidade de eventos “globais”, mas eles não são suficientes para mudar as coisas se não criam poderes “locais” e distribuídos que tenham condições de representar uma verdadeira alternativa ao poder centralizado e violento que se exprime nas formas mais diversas, mesmo no interior dos movimentos quando não se escutam as vozes de todos, mas somente dos poucos que tomam as decisões.

Repórter Social – A polícia no resto do mundo é muito diferente da italiana?

Gubitosa – Por sorte não tenho experiência direta com a polícia do resto do mundo, mas posso dizer que a polícia italiana está cumprindo um processo de involução autoritária. Em 1981 a polícia foi desmilitarizada e transformada em um órgão civil, graças também à colaboração entre policiais e sindicatos, realizada com a mediação dos partidos católicos e da esquerda. Isto levou à criação de uma polícia onde os policiais tinham mais direitos e se sentiam mais próximos dos cidadãos que defendiam. Nos anos 90, com o governo de Massimo D’Alema ocorreu o fenômeno contrário: os carabinieri foram transformados numa corporação militar, e por fim treinaram o novo exército afegão nascido após a guerra. Isto distanciou os carabinieri dos cidadãos, e de fato no meu livro são pouquíssimos os carabinieri que falam e contam suas experiências, porque são levados a respeitar o segredo militar. Hoje estamos no auge desta involução, que distancia a polícia dos cidadãos e a transforma num aparato militar, onde não se aplica o diálogo e a prevenção, para evitar os crimes antes que aconteçam, mas se exercita uma forte repressão contra todas as formas de discordância.

Repórter Social – Existe mesmo democracia no Ocidente?

Gubitosa – Acho que ainda existe, mas infelizmente uma geração viciada que não conheceu a ditadura não percebeu ainda que a democracia é consquistada todos os dias. O que acontece é exatamente o oposto: as pessoas não vão mais votar, há desinteresse pela política, quem se engaja nas associações é rotulado como um idealista, um sonhador pouco concreto ou um subversivo.

Repórter Social – Quais são os grandes erros daqueles que não aceitam a ordem atual?

Gubitosa – O maior erro é a falta de coragem em rejeitar todas as formas de violência, não apenas as militares e policiais, mas também as violências verbais e aquelas da política onde se decide quem tem mais poder e não quem tem as melhores idéias. Um movimento verdadeiramente revolucionário deveria seguir o exemplo dos maiores resultados da luta não violenta: penso na libertação da África do Sul por Mandela, na luta de Martin Luther King contra a segregação, no empenho anticolonial de Gandhi e no fato que hoje temos um continente pacífico, a Europa, onde há apenas 50 anos europeus assassinavam outros europeus durante a guerra. Esses exemplos demonstram que é possível criar um continente pacífico, e portanto podemos esperar um mundo pacífico, e, sem utilizar a violência, mesmo a verbal, se pode verdadeiramente mudar o mundo. A revolução de verdade é aquela da não-violência de Gandhi, mas nos movimentos sociais nem todos escolheram esse caminho.

Repórter Social - Como a imprensa européia publica as notícias sobre os movimentos brasileiros, como o MST?

Gubitosa – Estas realidades são praticamente ignoradas, com algumas exceções. Além do sítio onde colaboro, www.peacelink.it, os fatos da América Latina são relatados de maneira séria também por agências como a "Redattore Sociale" (www.redattoresociale.it) e a "Misna" (www.misna.org). Mas os grandes diários e televisões ignoram sistematicamente o trabalho de quem retratar a América Latina de outra perspectiva.


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segunda-feira, 15 de julho de 2013

Aviãozinho de Daniel Barata não é exceção: o escárnio das elites é diário

por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)

Daniel Barata não teve dúvida. Da janela do Copacabana Palace, o parente de Jacob Barata, o rei dos ônibus no Rio, soltou um aviãozinho em direção aos manifestantes. Feito com uma nota de R$ 20. Como se dissesse: “Vejam só, seus pobres. Nós podemos”. Outro participante da festa de casamento preferiu lançar um cinzeiro: feriu Ruan Martins, de 24 anos, morador do Complexo do Alemão.

Ao escárnio de Daniel Barata se somaria a tradicional dose de violência da polícia do Rio, em defesa sistemática das elites fluminenses. Bombas de gás lacrimogêneo, efeito moral etc.




A sociedade deve se indignar e tomar o caso Barata como emblemático. Mas não pode se esquecer de que o escárnio das elites brasileiras é diário.

Tomemos um exemplo na coluna de Mônica Bergamo, hoje, na Folha de S. Paulo. Primeiro ela conta que o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB), colocou uma aliança Cartier dentro da taça de champanhe da noiva. Mas são as duas notas seguintes que mostram como as oligarquias nordestinas (e o noivo de Beatriz Barata vem desse setor), perpetuadas no sistema político brasileiro, lidam com o dinheiro:

- Outro parlamentar do Rio Grande do Norte que está com casamento marcado é Felipe Maia (DEM-RN), filho do senador José Agripino Maia, presidente do DEM. Ele mandou fechar o resort Txai, na Bahia, para a festa. Seus convidados ficarão nos bangalôs e suítes do lugar, onde já se hospedaram, por exemplo, o ex-presidente da França Nicolas Sarkozy e sua mulher, Carla Bruni.

Cada noite num bangalô do Txai sai por R$ 2.120, mais 15% de taxa de serviço. No apartamento mais simples, a diária é de R$ 1.140.


Serei objetivo. Aos protestos de rua deve se somar a iniciativa de uma espécie de Observatório do Escárnio. Uma crítica política ao exibicionismo das elites, neste país que naturaliza a desigualdade. Um monitoramento desse tapa na cara diário, dessa outra bomba de efeitos morais.

Não é à toa que o escárnio específico de Daniel Barata foi acompanhado de violência: a policial e a do atirador de cinzeiros. Todo o pacote diário de nossas oligarquias constitui uma violência. E é preciso reagir – politicamente. Com inteligência.

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Dos ônibus às fazendas: marido da neta de Jacob Barata é de família de políticos ruralistas no CE

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domingo, 14 de julho de 2013

Dos ônibus às fazendas: marido da neta de Jacob Barata é de família de políticos ruralistas no CE

por ALCEU LUÍS CASTILHO (
@alceucastilho)*

Causou furor ontem, no Rio, o casamento entre Beatriz Barata (neta do "rei do ônibus" na cidade, Jacob Barata) e Francisco Feitosa Filho. Manifestantes protestaram em frente da Igreja do Carmo e em frente do Copacaba Palace, onde Barata chegou de Mercedes-Benz. Haverá alguma relação entre esse mundo dos transportes, aparentemente urbano, e o universo ruralista?

Sim, são muitas as relações. Vejamos uma delas. O pai de Francisco Feitosa Filho, o ex-deputado Chiquinho Feitosa, é um político ruralista. Pretende disputar uma vaga na Assembleia cearense em 2014. Candidato à suplência do Senado em 2010, pelo DEM, ele declarou mais de R$ 5 milhões em bens; R$ 3,4 milhões de empréstimo à FF Agropecuária e Empreendimentos.

Feitosa também é empresário do setor de transportes coletivos. “É dele a maior frota de ônibus de Fortaleza e de transporte intermunicipal”, escreve Roberto Moreira no Diário do Nordeste. Mas esses bens não aparecem em sua declaração entregue ao TSE.

Chiquinho Feitosa é descrito na imprensa cearense como dono de fazendas. “O maior criador de caprinos e ovinos do Ceará”, conforme Roberto Moreira. Em 2012 ele promoveu um leilão de gado gir, leiteiro, na Fazenda Boisa – que não aparece em sua declaração de bens. É onde ele recebe políticos de peso, como o governador cearense, Cid Gomes (PSB).

Diz a notícia do portal Gir que Feitosa tem três fazendas e um rebanho de mais de 120 animais – que também não constam da declaração entregue à Justiça Eleitoral. O portal diz que o nome dele é presença constante nos leilões de gado gir. Ainda em 2012, Chiquinho ganhou o primeiro lugar em Circuito de Vaquejada. Representando a fazenda Haras Boisa, em Caucaia. Nessa cidade ele declarou apenas um terreno, por R$ 59 mil.

O jornalista Macário Batista contou no jornal O Estado que Chiquinho vai para a fazenda de jato, um CJ2 – comprado do senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), um dos políticos brasileiros com mais propriedades rurais.

Francisco Feitosa Filho é também sobrinho do deputado federal Mário Feitoza (PMDB). O “z” do Feitoza foi um erro do escrivão em relação à tradicional família da oligarquia política cearense. A MCF Agropecuária – sigla que vem de Mário Carvalho Feitoza – foi declarada por apenas R$ 6 mil, em 2010. Mas o próprio político já contou em entrevista que, desde 1989, o grupo adquiriu “fazendas e propriedades” na região dos Inhamuns.

A família tem as marcas Mar e Rio, de produtos derivados da tilápia, e Arraial do Sol, de derivados de caprinos e ovinos. Cria também cavalos da raça Crioulo, “além da locação de máquinas e equipamentos, produção agrícola de grãos e caprinos e ovinos de pista das raças Anglo Nubiano e Santa Inês”.

Uma das irmãs dele e de Mário Feitoza é casada com o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal.

Outro político que alterna propriedades rurais com empresas de transporte é o deputado Camilo Cola (PMDB-ES), dono da Itapemirim. Uma de suas fazendas já esteve envolvida em denúncias de trabalho escravo.


* o titular deste blog é também o autor do livro "Partido da Terra - como os políticos conquistam o território brasileiro" (Editora Contexto, 2012)

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Partido da Terra

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Quem matou MC Daleste? (Uma reflexão sobre polícia, cultura, periferias e violência.) 

por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)

Uma estrela do funk, MC Daleste, morreu baleada durante show em Campinas, no sábado. Enquanto falava de um enquadro policial. Ou seja, de uma batida ostensiva, de um baculejo, tão comum nas periferias. Aquelas abordagens truculentas que atingem os mais pobres, preferencialmente os negros. Marcados diariamente pela humilhação e pela ameaça.

Cortemos agora para uma música do MC Daleste, "Apologia". Sobre a rotina de um assaltante: Frase-chave: "Fala pra nois quem é o poder/ matar os polícia é a nossa meta".

Leio no Correio da Bahia que, em um dos posts sobre a morte do músico no Facebook, alguém comemora sua morte e transcreve um trecho dessa letra. O comentário tinha recebido 200 "curtidas". Como? Duzentas pessoas comemoraram a execução do artista por ele ter escrito música contra a polícia? (E nem estamos aqui a falar dos outros milhares de bárbaros que comemoraram a morte porque ele era funkeiro.)

Basta ler os comentários nessa página da música, no portal Terra, para ver mais gente celebrando o que consideram uma vingança. Por exemplo: “Um tiro foi pouco, esse tá lá no inferno vendo milhares rindo da morte dele”. Ou então: “Eu vou ser policial. Quer matar polícia? Se fudeu, peba. Bandido bom é bandido morto”. E assim por diante.

Isso significa que foi alguém ligado à polícia, ou dela um defensor cego, que efetuou o disparo? Não é possível afirmar isso. Pode até ter sido alguém se aproveitando desse contexto, para disfarçar um crime comum. Pode ter sido qualquer assassino, qualquer covarde. Mas é possível afirmar – e lamentar – que a hipótese de ação de um grupo de extermínio seja perfeitamente verossímil.

(Os jornais cariocas, curiosamente, exploraram mais o detalhe do enquadro policial, instantes antes de MC Daleste ser baleado, que os paulistas.)

Não se trata aqui – e muito longe disso - de defender esta ou aquela letra. Será sempre injustificável, numa sociedade minimamente sadia, a defesa de crime contra a vida. Se dissesse isso numa entrevista (e um jornalista sério perguntaria a ele se concordava com a letra), seria processado. Numa letra? Um tema para pessoas especializadas, juristas. Mas também para sociólogos.

O fato é que, mesmo sendo considerada uma apologia ao crime, a solução mais absurda para defensores da vida de policiais (e todos os defensores de direitos humanos o são) seria a execução do letrista. Solução paradoxal, inclusive, por se tratar de outro crime. Que só gerará mais violência. Mas a realidade das periferias é assim: absurda e violentíssima.

Existe pena de morte em São Paulo? E com a assinatura de policiais? Claro que existe. E não só em SP: vide a recente chacina na Maré, no Rio, minimizada pela imprensa brasileira. (Leiam Eliane Brum: “Também somos o chumbo das balas”.) O jornalista Caco Barcelllos denunciou os grupos de extermínio lá atrás, no livro “Rota 66” - e mesmo assim foi hostilizado, durante os protestos de junho, por manifestantes desinformados.

O caso de MC Daleste é a primeira execução de um letrista revoltado com a polícia? Não, não é o primeiro caso. Vejamos este título do R7, de 2012: “Sobe para seis o número de funkeiros mortos na Baixada Santista”. Estamos diante de um extermínio específico?

Curiosamente, leio que MC Daleste estava preferindo o "funk ostentação", que deixou de lado letras sociais para dar lugar a temas como grifes, roupas de marca, carros de luxo, bebidas, dinheiro e mulheres. Aos 20 anos, estava ganhando muito dinheiro.

Talvez o músico optasse por nem falar mais do cotidiano humilhante na periferia? Talvez. Mas também isso fica agora apenas como hipótese. O fato é que, ao menos durante os shows, ele ainda cantava as músicas de protesto.

Há cinco anos, na Folha de S. Paulo, o apresentador Luciano Huck (distraído em relação a crimes ambientais) ocupou espaço para reclamar de um roubo. Levaram seu Rolex. O escritor Ferréz escreveu um texto ficcional, onde o narrador (o assaltante) dizia que, no fim das contas, todos saíram ganhando: “O assaltado ficou com o que tinha de mais valioso, que é sua vida, e o correria ficou com o relógio”.

Ferréz foi processado. E ficou abalado com a reação judicial a uma peça de ficção. Achou que, com esse recurso, sua liberdade de expressão seria preservada. Longe disso.

Esses episódios, somados, entre fatos e possibilidades, mostram que a fronteira entre ficção e realidade (em uma civilização, desejável) não existe em São Paulo. Nem aos olhos da Justiça, nem nas ruas.

A cultura de massas, obviamente, reflete a cultura vivida. Se esta é composta por assaltantes, traficantes, e por uma polícia covarde e assassina, como fugir disso? Terão os artistas da periferia de falar apenas de roupas de marca e mulheres?

Hoje se matará porque um músico fez apologia a algum crime. O que já será um sintoma de nossa barbárie intrínseca, disfarçada de defesa da legalidade. Amanhã se matará por qualquer letra. Por um músico denunciar – legitimamente – um baculejo. Ou a humilhação, a opressão, a desigualdade. É como dizia John Lennon (branco e rico), baleado em 1980: “Do jeito que as coisas vão, eles vão me crucificar”.

Crucificar artistas é mais fácil que discutir e combater a violência.

E por isso assusta o silêncio dos jornalistas e dos músicos em relação a MC Daleste. Ou à morte sistemática de funkeiros. O silêncio de todos aqueles músicos (brancos e negros) que lutaram contra a ditadura. Dos jornalistas que veem colegas serem mortos ou exilados por fazer reportagens sobre violência policial.

Parece que estão achando que não é com eles.

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