domingo, 29 de abril de 2012

Cacique Guajajara é a primeira grande vítima do novo Código Florestal

por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho

Os ruralistas que comemoraram a aprovação do novo Código Florestal já podem comemorar sua primeira vítima. Ela se chama Maria Amélia Guajajara. Uma cacique de 52 anos, de um povo perseguido por madeireiros no Maranhão.

A notícia do assassinato de Maria Amélia – com dois tiros na cabeça, na frente de sua família – foi dada pelo jornal maranhense Vias de Fato. O fato ocorreu ontem no município de Grajaú, a 600 quilômetros de São Luís. Em um Estado com quatro senadores da República.

Ruralistas, comemorando? Não se trata de exagero. Vejam a descrição do jornal Valor Econômico, de 25 de maio de 2011:


- Era perto das 16h quando uma cena grotesca aconteceu no plenário da Câmara dos Deputados. O líder do Partido Verde, José Sarney Filho, lia uma reportagem sobre o extrativista José Claudio Ribeiro da Silva, brutalmente assassinado pela manhã no Pará, junto com sua mulher Maria do Espírito Santo da Silva, também uma liderança amazônica. Ao dizer que o casal que procurava defender os recursos naturais havia morrido em uma emboscada, ouviu-se uma vaia. Vinha das galerias e também de alguns deputados ruralistas.

Há os que comemoram e há os que são indiferentes – ou cúmplices. A morte de Maria Amélia é notícia para ter repercussão internacional. Como o assassinato do seringalista Chico Mendes em 1988, como a execução da missionária Dorothy Stang em 2005. E cabe a cada brasileiro cobrar do poder político a importância que o fato possui.

Essa importância é multiplicada pela aprovação do novo Código Florestal, no dia 25, já bem definido como “uma lei de consolidação de atividades agropecuárias ilegais, ou uma lei de anistia”.

Atividades ilegais, no campo, estão associadas a desmatamento – e também a trabalho escravo. E a assassinatos.


Não à toa, o que estava sendo discutido no dia das vaias era o novo Código Florestal.

Cada voto ruralista é um tiro. Cada voto em um ruralista, um aval. O silêncio da grande imprensa, um túmulo.


(Atualização do dia 02 de maio, quarta-feira: os portais G1 e Estadão repercutiram o caso. De resto, silêncio.)


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segunda-feira, 23 de abril de 2012

Sobre como a Veja tornou-se uma revista de humor e ninguém percebeu
 
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
 
Quando começou o jogo do Corinthians, neste domingo, pensei: a Ponte Preta não vai ter a mínima chance. Não por conta da superioridade técnica do time paulistano, ou da simpatia que alguns árbitros nutrem por seu escudo. Mas porque a revista Veja me avisara, no sábado: pessoas de maior estatura obtêm melhor desempenho!
 
(Pode ser difícil de acreditar, mas essa foi mesmo a capa da revista. “Do alto, tudo é melhor”, diz a manchete. Segundo a Veja, os mais altos tendem a ser mais bem-sucedidos. Dizem que o deputado ACM neto sentiu-se especificamente ofendido.)
 
Olhei cuidadosamente as duas equipes e concluí: o Corinthians tem jogadores mais altos, já ganhou!
 
Mas foi a Ponte Preta que venceu. Estaria errada a Veja, sempre repleta de certezas inabaláveis?
 
No Twitter, vi um comentário do jornalista Ricardo de Souza, da Petrobras, do alto de seus 1m93. Ele falava de seu chefe, uma cabeça mais baixo que ele, com 1m70. Ricardo estaria utilizando a rede social para reclamar de uma tremenda injustiça? “Eu sou mais alto, eu que deveria ser o chefe!” Claro que não: atestou que seu chefe é muitíssimo competente.
 
Em outras palavras: quando foi mesmo que a Veja tornou-se uma piada nacional? Por que ainda nos indignamos com suas capas fascistas, suas “reportagens” distorcidas, sua defesa incondicional dos mais poderosos, da desigualdade estrutural deste país? Não estaria faltando a nós apenas uma pitada de senso de humor, diante desse Proibidão semanal?
 
Penso nas piores capas de Veja. Uma delas tinha o seguinte tema como manchete: “O Cerco da Periferia”. Em volta de lindas casas de classe média, uma periferia em preto e branco; favelas, casas de pobres. A tese paranóica era a de que os bairros de classe média alta e elite estavam sendo incomodados por essa periferia “ameaçadora”. Um fotógrafo chegou a ser demitido por não conseguir localizar essa imagem em São Paulo. Mas ninguém riu! Ninguém percebeu os contornos de ficção científica da teoria: uma certa entidade chamada Periferia, cercando a pobre Elite Oprimida.
 
O mesmo vale para aquela famosa capa sobre o MST: “A Marcha dos Radicais”. Pessoa alguma percebeu o viés autobiográfico de Veja, a metalinguagem da manchete: a partir daquele momento ela acirrava sua trajetória rumo ao despropósito, às agressões gratuitas, à despolitização sistemática da classe média alta (e da elite). A Veja se afirmava como farsa, dando pistas para a ironia fina de cada piada sua, desde então travestida de jornalismo. Mas nós seguimos enraivecidos: continuamos levando a sério o que já não se podia mais levar a sério.
 
O ápice desse fenômeno atende pelo nome de Reinaldo Azevedo. Dá para acreditar em um jornalista de extrema direita, que tenha militado, nos anos 70, na corrente trotskista Libelu? OK, admito, são muitos exemplos históricos de pessoas que migraram da esquerda para a direita, nós mesmos tivemos a figura de Carlos Lacerda. Mas com aquele vocabulário, aquela compulsão, aquela empáfia, aquela ausência de um mínimo de discernimento, de bom senso? O “tio Rei” tornou-se um grande clown nacional – mas seguimos elevando-o a um patamar de seriedade.
 
Com essa capa sobre a superioridade dos mais altos, Veja dialoga com o que de pior fez em ciência o italiano Cesare Lombroso, que investigava sinais de pessoas criminosas no formato de seus crânios. “Lombrosiano” tornou-se apenas um adjetivo cômico para pessoas (certos políticos, por exemplo) com determinada propensão ao delito. Em outras palavras: a Veja tornou-se apenas uma revista-palhaça. É o CQC das nossas elites, o Tiririca da nossa mídia. Só não vale imaginá-la com nariz de palhaço – pois a Veja odeia a cor vermelha.
 
Eppure, si muove. E, no entanto, a Veja é séria. Extremamente séria. Não por ela – mas por ter apoio para cada uma de suas barbaridades, de suas campanhas higienistas, suas teses arrogantes e estapafúrdias, sua briga semanal com os fatos. Os tais bairros oprimidos pelas periferias, cheios de pessoas altas, refinadas e probas dão o aval a suas reportagens oniscientes e seus colunistas sábios. É o veículo impresso mais lido do país – há muitos anos com mais de 1 milhão de assinantes. Uma multidão de brasileiros que paga para espezinhar e ser espezinhada.
 
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quarta-feira, 18 de abril de 2012

Ivo viu a PM – e por ela foi brutalmente assassinado, em janeiro, no Pinheirinho
 
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
 
Ivo Teles dos Santos, de 69 anos, morreu na semana passada. Até janeiro, era morador do Pinheirinho, em São José dos Campos.
 
A Rádio Brasil Atual informou há pouco que, segundo a liderança Valdir Martins, o Marrom, ele não resistiu às sequelas do espancamento que sofreu da Polícia Militar, durante a reintegração de posse da área pertencente ao especulador Naji Nahas.
 
A morte de Ivo ocorre um dia após uma efeméride: os 16 anos da execução de 19 sem-terra em Eldorado dos Carajás (PA). E menos de três meses após o despejo. Vídeos divulgados em janeiro mostram um morador sendo gratuitamente espancado por policiais militares.
 
Não era Ivo. E não se tratava de somente um espancador. A violência de Estado, no Brasil, é estrutural. Contra quem não possui bens. Isto sabemos. O que ainda não sabemos é como são construídos, de fato, os mecanismos da indiferença.
 
A escritora francesa Viviane Forrester cunhou, em 1980, o conceito de “violência da calma”. Que, reduzindo muito, poderia também ser chamada de violência da indiferença. Vejamos um trecho sobre o tema, no livro “Horror Econômico”:
 
- É a mais perigosa, a que permite que todas as outras se desencadeiem sem obstáculo; ela provém de um conjunto de opressões oriundas de uma longa, terrivelmente longa, tradição de leis clandestinas. 'A calma dos indivíduos e das sociedades é obtida pelo exercício de forças coercitivas antigas, subjacentes, de uma violência e de uma eficácia tal que passa despercebida', e que, no limite, não é mais necessária, por estar inteiramente integrada; essas forças nos oprimem sem ter mais que se manifestar. Só aparece a calma a que fomos reduzidos antes mesmo de nascer. Essa violência, escondida na calma que ela própria instituiu, sobrevive e age, indetectável. Ela cuida, dentre outras coisas, dos escândalos que ela própria dissimula, impondo-os mais facilmente e conseguindo suscitar uma tal resignação geral que já não se sabe mais ao que se está resignando: de tão bem que ela negociou seu esquecimento!"


Mais de Forrester sobre a indiferença. Ela consegue expressar melhor o que, nos últimos meses, tenho tentado falar sobre o tema:
 
- A indiferença é feroz. Ela constitui o partido mais ativo, e certamente o mais poderoso. Ela permite todas as exações, os desvios mais funestos, mais sórdidos. (...) Para um sistema, obter a indiferença geral representa uma vitória maior que qualquer adesão parcial, por mais considerável que seja".
 
Lutar contra a violência, portanto, é lutar contra a indiferença.

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É morador de rua? Tem pertences, sacolas? 'Sou da prefeitura, vou confiscá-los'

Este é o relato da companhia de teatro Auto-Retrato sobre uma ação da Guarda Civil Metropolitana no dia 12, na Praça da Sé, em conjunto com a subprefeitura da Sé:

“Nós, integrantes do grupo de teatro Companhia Auto-Retrato, presenciamos às 10hs da manhã do dia 12 de abril de 2012, na Praça da Sé, um conjunto formado por Guardas Civis Metropolitanos (GCM) e funcionários da Subprefeitura da Sé promovendo a apreensão de objetos pessoais de algumas das pessoas que ali estavam: sacos, sacolas, bolsas, roupas. Aparentemente, o critério para a tomada dos objetos, das mãos de seus donos, era o fato destes pertencerem a pessoas que supostamente não têm residência.

Diante da resistência por parte dos donos dos objetos, houve resposta truculenta da GCM, que deu continuidade à ação ao lado de uma equipe uniformizada da Subprefeitura da Sé, munida de luvas e máscaras.

Quando questionado por um dos integrantes da Companhia, o comandante da ação, que se apresentou como Sérgio, alegou que o procedimento fazia parte de um contexto maior de ações coordenadas pela prefeitura, e citou o exemplo da Polícia Militar, que estava encarregada de retirar os objetos guardados nas bocas de lobo, dentro de um processo de “limpeza da cidade”. Reiteramos que testemunhamos objetos sendo retirados sobretudo das mãos das pessoas, e não apenas objetos dispostos no chão ou dentro de bueiros. Nos parece claro que a questão não se refere à limpeza física dos bueiros ou do passeio público, e sim a um processo consciente de gentrificação. À resposta evasiva do comandante, somou-se sua orientação para que procurássemos a Subprefeitura da Sé para esclarecimentos sobre o decreto que estabelece esse procedimento.

Em menos de dez minutos, dois caminhões foram plenamente abastecidos com objetos pessoais. Mesmo sob protestos de moradores de rua e demais munícipes que, de passagem, se mostravam abismados com a natureza e com a violência da ação, os funcionários da Subprefeitura e da GCM não nos informaram com precisão qual seria o destino dos objetos apreendidos. A resposta foi, mais uma vez, evasiva.

Na conversa que tivemos com os Guardas Civis e com pessoas que estavam na praça fomos informados de que essa ação acontece frequentemente, em dias e horários alternados, em vários espaços públicos do centro da cidade de São Paulo.

Dois dos integrantes da Companhia, seguindo as orientações da GCM, foram à Subprefeitura da Sé. Conduzidos por diversos setores diferentes, obtiveram a informação de que o responsável pelo procedimento não se encontrava no prédio. Eles chegaram, então, à assessoria jurídica, onde foram informados da existência do Decreto 50448, de 2009, que define como função das Subprefeituras e da GCM garantir a possibilidade de livre circulação no espaço público e fornecer assistência social (esse decreto e suas posteriores alterações estão disponíveis na internet: http://www3.prefeitura.sp.gov.br/cadlem/secretarias/negocios_juridicos/cadlem/integra.asp?alt=26022009D%20504480000).

O procedimento correto, segundo o assessor jurídico, seria o encaminhamento dos moradores de rua para abrigos e, seus pertences, guardados em embalagens lacradas – cujos contralacres seriam entregues aos proprietários, para que pudessem retirá-los no lugar onde fossem armazenados.

Independentemente da discussão que se pode fazer a respeito do teor do decreto, o que testemunhamos claramente não corresponde ao seu conteúdo. Os objetos pessoais eram simplesmente jogados nos caminhões e não eram dadas, aos seus donos, informações de se e como eles poderiam ser recuperados. A opinião geral de quem acompanhou a ação era de que tudo aquilo seria jogado em algum lixão.

Nós, da Companhia Auto-Retrato, acreditamos que essa ação corresponde a uma grave violação aos direitos dos cidadãos anônimos que estavam na praça, que tiveram seus bens confiscados sem qualquer justificativa nem possibilidade de defesa. Tão inquietante quanto isso é a questão que fica: que critérios serviram de fundamento para a escolha das pessoas que tiveram seus bens confiscados?”

Companhia Auto-Retrato

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domingo, 15 de abril de 2012

Yago, 17, e Alisson, 15: execuções em SP são por “acidente” ou por rotina?
 
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
 
Yago estava na frente de uma escola, na manhã deste sábado, na Cohab 2 (José Bonifácio, Itaquera), zona leste de São Paulo. Tomou uma abordagem “de rotina” da polícia militar. Por “acidente”, levou dois tiros e morreu. Em junho de 2011, Alisson estava na frente de um bar, em São Miguel Paulista. Também na zona leste. Moradores ligaram para a polícia por causa do barulho dos bares. A PM chegou e, “por acidente”, deu um tiro - fatal - em sua cabeça.

O governador Geraldo Alckmin, de 59 anos, gastou 50 palavras para lamentar a morte de Yago. Vejamos a nota:

- O governador Geraldo Alckmin lamentou o triste episódio que culminou na morte de um cidadão nestas circunstâncias. Independentemente da investigação conduzida pela Policia Militar, a responsabilidade do Estado é inegável. Portanto, o governador determinou a imediata instauração de procedimento com vistas ao pagamento de indenização do Estado a família da vitima.
 
O que a teria a dizer a polícia militar sobre Yago?
 
Em nota, a PM, “com imenso pesar” disse que o soldado Bueno efetuou disparo acidental, atingindo sua mão direita e o ombro direito”. Mas o major Vagner Seraphim Queiroz disse (conforme o portal G1) que, provavelmente, “o rapaz deve ter feito algum gesto brusco".
 
E sobre Alisson, enterrado no Cemitério da Saudade? O que a PM disse sobre sua execução, no ano passado? Vejamos:
 
- Por motivos a serem esclarecidos, um dos policiais integrante da guarnição de uma viatura de Força Tática do 29º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano, ao abordar indivíduos suspeitos, na avenida Dr. Ussiel Cirilo, Vila Jacuí, efetuou um disparo de arma acidental, que atingiu o adolescente.
 
ACIDENTES SISTEMÁTICOS
 
De novo temos o “disparo acidental”, portanto. Em duas abordagens “de rotina”, para utilizar uma expressão da PM em relação à morte de Yago.Os dois PMs com dedo mole foram presos por homicídio culposo – e não doloso.
 
Chama a atenção a repetição sistemática de casos assim. Em Brasília, em 2008, um policial saiu correndo atrás de um torcedor do São Paulo, Nilton César de Jesus, de 26 anos. Quando este estava com as mãos para cima, levou uma coronhada – e um tiro. Morreu.
 
Mas lemos sempre que se tratam de casos “isolados”, “excepcionais”. Não são. São de rotina. Em São Paulo e no Rio as “resistências seguidas de morte” são um eufemismo para as execuções policiais. Em São Paulo, aumentaram 63,16%, em 2011, em relação a 2009: foram 186 mortes pela Rota, contra 114 no período anterior. Sempre em bairros pobres, como os de Yago e Alisson. Elas ocorrem às centenas, milhares ao longo dos anos. Tornaram-se endêmicas.
 
Yago, 17 e Alisson, 15, não tinham feito absolutamente nada. Ao contrário de Nilton, envolvido em uma briga de torcidas. (Evidentemente, não era exatamente a solução de Estado para a briga executar um torcedor acuado.) Mesmo assim, canalhas costumam escrever nas redes sociais que a vítima “deve ter feito algo”. Yago não fez. Ele e Alisson não fizeram.
 
A reação da mídia é tímida - ou pusilânime. Os portais divulgaram o caso de uma forma, digamos, rotineira. Uma notícia se sobrepõe à outra, tudo é passageiro. O discurso embutido – ainda que inconsciente - é de aval às mortes acidentais. “Ah, a PM matou mais um por acidente – façamos um registro”. E que partamos para a notícia seguinte – de política, de economia, de automobilismo, de luta livre.
 
Deveria partir da imprensa a indignação mais enfática. Para que não haja embotamento, para que não pensemos que essas “distrações” policiais sejam legítimas, que façam parte do jogo. Eles estão apontando armas a torto e a direito, para pessoas desarmadas. Para adolescentes. E executando. Às centenas.
 
Lemos nos portais, por sinal, no caso de Yago, que a polícia matou um “homem”. Ora, ele deve ser descrito como adolescente, não apenas como homem. Porque a palavra “adolescente” indica que ele tinha mais direitos que os demais homens. E, portanto, multiplica o absurdo da violência de Estado no Brasil. Essa que reduz cidadãos à condição de “indivíduos suspeitos”.
 
(Na quinta-feira, duas crianças, de 10 e 12 anos, foram algemadas na Praça da República. O conselheiro tutelar Jackson Douglas de Castro reivindicou, educadamente, os direitos previstos no ECA e foi igualmente preso pelos policiais.)
 
CANIBAIS NA SALA DE JANTAR
 
É mais fácil, porém, ficarmos horrorizados com os pernambucanos que comiam carne humana. Um caso deplorável, relacionado aos evidentes problemas mentais dos protagonistas. Observemos que o trio canibal de Garanhuns matou três pessoas. Três mulheres. Somente na notícia acima relatamos a morte de três pessoas pela PM. Qual caso tem mais chance de se repetir? O dos canibais ou o dos PMs?
 
É o dos PMs. Como mostram os números das “resistências seguidas de morte”. No entanto, agimos – leitores e mídia – com uma espécie de paranoia desviada, equivocada, fora de foco. Como se estivéssemos, em nosso cotidiano, à mercê de canibais. Não estamos. Estamos, sim, à mercê de uma das polícias mais despreparadas do planeta.
 
Mas o próximo disparo na zona leste corre o risco de ganhar ainda menos palavras de lamento do governador de plantão. E menos linhas nos jornais.
 
No caso do torcedor morto em Brasília, em 2008, o governador José Roberto Arruda (posteriormente cassado por corrupção) foi também bastante sucinto, diante das câmeras, ao comentar o episódio. Visivelmente enfadado por ter de falar – mecanicamente - sobre o assunto, logo passou a falar – enfaticamente – que o caso não poderia tirar de Brasília a sua condição de “grande centro de eventos”.
 
É uma espécie de zapping do embotamento. Quando não da cumplicidade. Quando não do protagonismo. São policiais-Macunaíma, governadores-Macunaíma, jornalistas-Macunaíma, leitores-Macunaíma. Qual o próximo assunto, por favor?
 

“Ih, matei mais um adolescente, foi mal. Vamos à padaria comer uma coxinha?” Ou: “Que notícia temos hoje? Mataram um adolescente de 17 anos? Onde, em Higienópolis? Ah, não, na zona leste. Escreve aí 20 linhas e vai ver o que temos hoje sobre os canibais”.
 
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quinta-feira, 12 de abril de 2012

Willy Wonka e a fantástica fábrica de simplificações da internet
 
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
 
Gene Wilder estrelou a “Fantástica Fábrica de Chocolate” em 1971. Johnny Deep, em 2005. Coube à imagem de Wilder protagonizar um dos grandes fenômenos recentes da internet. Sobre a simples figura risonha (e irônica) do dono excêntrico (e obsessivo) da fábrica os internautas colocam, de um modo geral, duas frases.
 
A primeira delas é apenas uma escada para a ironia subsequente. “Então o senhor fuma um baseadinho de vez em quando, não é?” Como esssa leitura tem a imagem de Willy Wonka ao fundo sabemos que lá vem um questionamento – supostamente fulminante. “Conte-me como está contente por sustentar o tráfico.” E assim por diante.
 
Fico pensando na escolha de Wilder para esse papel de irônico sabichão. E não Depp. Talvez Wilder seja mais “puro” que Depp – este, menos indicado para as lições moralistas desses memes. (A palavra “meme”, consagrada no internetês, talvez sintetize essa linguagem tatibitate e engraçadinha dos “protestos”.)
 
Puxo a minha memória de infância e lembro que a “Fantástica Fábrica de Chocolate” era, em si, um fenômeno de repetição, nos anos 70 e 80. Nunca terá havido um filme que passou tantas vezes na Sessão da Tarde. Claro, assistíamos sempre que possível. Do começo ao fim. A relação de crianças e jovens com o filme estrelado por Depp é totalmente diferente – menos moderna, menos comprometida.
 
O fato é que existe um fenômeno. Como o da Luiza, aquela que foi para o Canadá, e tantos que têm marcado a internet. Eu classificaria esse fenômeno Wilder-Wonka de “fantástica fábrica de simplificações da internet”. Em vez de abrirmos debates (como se fazia até no Orkut, tempos atrás), colocamos uma imagem do Wilder, todo risonho, o chapéu representando o signo do esquisito, e uma frase “definitiva”, um suposto tapa na cara de hipócritas, contraditórios etc.
 
Trata-se de uma curiosa espécie de ativismo relâmpago. A aposta é no efeito-cascata, no efeito viral da internet – a partir de uma imagem consagrada pela indústria cultural. Não poderia ser a imagem de alguém muito sério (Jesus Cristo, Che, Martin Luther King), nem mesmo de um grande intelectual (Einstein, Freud). O tom de farsa de Wilder é absolutamente necessário para que esses “questionamentos” surtam o resultado – uma bronca no leitor, ma non troppo. A intolerância a outras opiniões deve ser cuidadosamente disfarçada.
 
Debates sérios sobre as drogas, o aborto, a saúde, para citar apenas alguns casos que vi recentemente associados a Willy Wonka, com espaço para o contraditório, nuances, esses debates não temos visto. Talvez porque sejam pouco imagéticos, pouco engraçados, pouco fugazes. Tanto esquerda como direita (Wilder aparece dos dois lados do espectro político) têm preferido reduzir suas causas a apenas algumas palavras – de preferência em menos de 140 caracteres e apenas duas frases.
 
Não se trata, aqui, de explorar a falsa dicotomia entre internet e “realidade”. Internet é tão realidade quanto qualquer outra coisa. Jesus, Che e Luther King possivelmente utilizariam esse recurso para suas causas. Não é mais possível definir a “realidade” como algo tão distante de chips (ou, antes, válvulas). Até porque podem brotar da internet (como vimos no Egito) a chama para mobilizações “de rua”. A internet é também uma rua – ainda que congestionada por bobagens.
 
A próxima etapa nessa sacralização de Willy Wonka é razoavelmente previsível: alguns internautas se enjoarão do formato e acusarão a “falta de graça” desses memes. Wonka vai se tornar “out”. E aí veremos uma profusão de imagens auto-irônicas de Wilder, satirizando o próprio recurso utilizado anteriormente. Algo do tipo: “Então você acha genial usar a imagem do Wonka, não?” E, mais embaixo: “Já ouviu falar de argumentos?” E assim por diante, de implosão em implosão.


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Sobre a morte de crianças indígenas, Luiza e a falta de assunto na internet
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sábado, 7 de abril de 2012

Sobre democracia, Mafalda e a escolha – por PT e PSDB - do 2º colocado na lista

por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)

O governador Geraldo Alckmin (PSDB) escolheu o segundo mais votado entre promotores e procuradores para chefiar o Ministério Público. O procurador Márcio Rosa teve 838 votos, menos que os 894 de Felipe Locke, mas foi o escolhido. A atitude foi criticada: não ocorria desde o governo de Mário Covas (1930-2001), igualmente tucano.

No Twitter, o deputado federal Ricardo Berzoini (PT-SP) chamou Alckmin de “antidemocrático”. O tucano Andrea Matarazzo, ex-secretário do prefeito Gilberto Kassab (PSD), respondeu: “Jaques Wagner escolheu o terceiro da lista. Tarso Genro, o segundo”.

É verdade. Em junho de 2011, o governador Tarso Genro (PT) escolheu o segundo colocado numa lista para a vaga de desembargador do Tribunal de Justiça. O contemplado foi Francesco Conti. Ele teve 22 votos, contra 23 votos de Fábio Sbardelotto e 18 votos de Alceu Schoeller.

E Jacques Wagner? Em março de 2010, uma mulher foi a mais votada para o cargo de Procurador-Geral de Justiça da Bahia. Norma Angélica Cavalcanti recebera 287 votos; Olímpio Campinho Júnior, 229 votos. Mas o governador petista preferiu Wellington Silva, que teve 140 votos.

A escolha do atual reitor da USP, João Grandino Rodas, também foi marcada por essa polêmica. Em 2009, Rodas foi o segundo colocado no colégio eleitoral, com 104 votos. Glaucius Oliva, hoje presidente do CNPq, teve 161 votos. Mas o então governador José Serra (PSDB) escolheu Rodas – cuja gestão está longe de ser uma unanimidade.

Temos, então, nessa amostra, três casos do PSDB e dois do PT. Cinco governadores diferentes ignoraram as votações – indiretas – e optaram por seus preferidos. E são apenas alguns exemplos. A democracia está em jogo, como pensam Berzoini e os estudantes da USP?

Nessas horas é difícil não pensar naquela charge de Quino, com Mafalda, onde a argentina lê no dicionário a definição de democracia: “Governo em que o povo exerce a soberania”.
Nos três quadrinhos seguintes Mafalda não consegue parar de rir. Quino não insere mais nenhuma palavra na tirinha. O humor é universal.


A escolha dos primeiros colocados na lista seria, sim, bem-vinda. Para o simulacro de democracia em que vivemos. As votações para os cargos na USP, no Ministério Público e no Tribunal de Justiça são todas indiretas. Não havia nada que impedisse Alckmin, Covas, Serra, Genro e Wagner de eleger o segundo e o terceiro colocados.


Em 2009, perguntei ao deputado José Eduardo Cardozo (PT) o que achava do caso Rodas. Ele foi objetivo: não condenava a indicação, por José Serra, do segundo colocado. Pois estava previsto na lei.

E o PT também poderia se valer desse recurso. Hoje Cardozo é o ministro da Justiça. Ele é anti-democrático?

Na definição atual de democracia, nenhum desses cinco políticos foi anti-democrático.

Eles estão seguindo as normas de nossa democracia representativa – no Brasil, particularmente excludente, à mercê de humores políticos, conchavos e decisões nem sempre muito republicanas.

Na visão de Mafalda, eles são uns pândegos.

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