segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Esquerda modista não está nem aí para novo Amarildo

por ALCEU LUÍS CASTILHO
(@alceucastilho) 

Quem lamentará o destino do frentista João Paulo? Ele está desaparecido desde o dia 30 de setembro. Câmeras registram o momento em que três policiais militares de Fortaleza o colocam na viatura. Nunca mais foi visto.

O caso é similar ao do pedreiro Amarildo, no Rio. Amarildo Dias de Souza, morador da Rocinha, foi detido na porta de sua casa, em julho de 2013, para ser levado à sede da Unidade de Polícia Pacificadora. Sumiu.

João Paulo de Sousa Rodrigues possuía um sobrenome – Sousa – idêntico ao de Amarildo. Este, Souza. Com “z”. Mas sem que seu sequestro pelo próprio Estado tenha gerado alguma comoção. Mesmo tendo sido noticiado pelo Jornal Nacional: http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2015/10/tres-policias-suspeitos-sao-presos-por-desaparecimento-de-frentista-no-ceara.html

Por anos pensamos e escrevemos que a falta de notícias nos principais veículos de comunicação era um problema central na perpetuação de nossa desigualdade. “Ah, se todo mundo soubesse...” Mas e quando um caso importante vira notícia no principal jornal da Globo e passa despercebido?

O título deste artigo se refere à indiferença específica da esquerda modista. Essa Esquerda Amarildo Guarani Kaiowá, com suas indignações sazonais, seu culto a ondas meméticas de suposta conscientização e comiseração coletiva. Esquerda movida a arroubos. Modinha. Engraçadinha.

Claro que o desaparecimento de um cidadão sob as asas do Estado não deveria ser um tema apenas daqueles que se consideram de esquerda. Qualquer um com um mínimo de noção democrática deveria estar perplexo. (Imaginem se o filho de um governador tivesse sido sequestrado.)

Longe disso: João Paulo continua invisível. Se nem aqueles mais acostumados a denunciar a violência policial, ou os mais cientes de que há um genocídio da juventude pobre (e negra), dão a ele alguma atenção, o que esperar dos demais? Apenas shows adicionais de despolitização.

A não ser que a foto de João Paulo se torne um meme. Ou quando ela ganhe gradações cromáticas, quando for veiculada sua foto como criança. Quando criarem uma hashtag muito legal. #cadêJoãoPaulo #ondeestáJoãoPaulo #somostodosfrentistas

Ou os manifestantes de 2013 apenas surfaram na imagem de Amarildo?




Outra pergunta: o que o governador Camilo Santana (PT) tem a dizer sobre o desaparecimento do frentista? (Desta vez não foi a polícia do Cabral. Nem a do Pezão. Já tivemos Copa e o governador pertence ao Partido dos Trabalhadores.)

Algo está muito invertido neste país. É mais fácil vermos uma pichação racista no banheiro de uma universidade paulistana ser replicada – divulgando a mensagem do racista – do que indagações sobre o desaparecimento de um jovem. Que nem sabemos se ainda está vivo.

João Paulo morreu de antemão. Simbolicamente. Duplamente sequestrado, em plena democracia (essa espécie de democracia do entretenimento), por policiais cearenses e por nossa insustentável frivolidade.


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quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Como os jornalistas devem cobrir a política de extermínio? 

por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)

Acabo de ver o Profissão Repórter de ontem, sobre chacina em Osasco/Barueri. Após recomendações. Infelizmente, porém, constato que Caco Barcellos - um jornalista que respeitamos - desta vez errou na mão. Conseguiu uma boa notícia: houve outra chacina na região, uma semana antes dessa que teve repercussão nacional. Mas a reportagem resvala em um sensacionalismo que não é próprio do repórter. http://g1.globo.com/…/osasco-teve-serie-de-assassinatos-dia…

Os primeiros 25 minutos têm muito sangue, exploração excessiva da dor dos parentes. Há momentos que poderiam estar naqueles pseudojornais (Band, Record) do fim de tarde. Chega a ser constrangedor ver um dos melhores jornalistas do país permitir uma edição como essa, meio que na linha aqui-e-agora. Essa superficialidade é agravada pela característica do próprio programa, onde os repórteres também se tornam personagens. Não era o caso.

Há um problema metodológico na abordagem. Sim, jornalismo também tem método. Ou pelo menos deveria. E o problema é que a notícia não estava somente na exploração dos cenários do crime, onde nem sempre as pessoas se sentem à vontade para falar o que gostariam. Lembremos que estamos falando de grupos de extermínio. Quem nas periferias pode dizer tudo o que pensa?

A notícia está na perspectiva histórica. No fato de crimes como esse se sucederem ao longo do tempo, sem punição adequada. E sem comoção nacional. Está no fato de que teremos outros episódios similares. Está na cobrança do poder público pela falta de apuração, e pela participação central de policiais nos crimes. A dor dos parentes e a história dos mortos deveria compor uma história maior - se queremos mesmo respeitar essa dor e essas biografias.

A Câmara acabou de ter uma CPI do Extermínio da Juventude Negra. Com recomendações ao poder público. Por que não repercuti-la? Tempo para apuração, havia. Em 2006 tivemos uma CPI do Extermínio no Nordeste. Muito pouco, se pensarmos que os grupos de extermínio agem - como mostrei no sábado - em todas as Unidades da Federação: http://alceucastilho.blogspot.com.br/…/uma-democracia-com-g…. Cabe aos jornalistas amplificar e contextualizar esse tipo de informação.

A Globo tem estrutura para isso. E um jornalismo (apesar de tudo) melhor que o das concorrentes. Caco Barcellos é exatamente um dos caras mais indicados para a tarefa. Mas, desta vez, não fez jus à carreira brilhante. Parece acomodado. Não há coragem, Caco, em expor litros de sangue na calçada. Você sabe disso. E sim em colocar em evidência a participação de policiais civis e militares num pacote de crimes (não se trata apenas de vingança) que resultam nas execuções.

Faltou ouvir especialistas em segurança pública. E em execuções. Faltou ouvir o governo estadual. Faltou ouvir as Mães de Maio. Faltou convidar a turma da Ponte Jornalismo, que entende do assunto. A pena de morte instantânea está institucionalizada no Brasil. E convida os jornalistas brasileiros a uma cobertura mais sistemática, com a mencionada perspectiva histórica. Menos choro e menos vela, e mais jornalismo analítico, investigativo. Menos show, mais ousadia.

A escravidão foi supostamente abolida em 1888. Os tataranetos dos escravos continuam a ser regularmente executados. E precisamos de novas abolições: da tortura, do extermínio, da violência policial. Que é movida não só por desejos tresloucados de vingança, mas também por interesses econômicos. Pelo crime organizado - aquele com farda e distintivo. Sem a participação responsável e corajosa de jornalistas, nada feito. Seguiremos sendo cúmplices.


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sábado, 15 de agosto de 2015

Uma democracia com grupos de extermínio. Em Osasco somente? Não. Por todo o país

por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)

Segue um exemplo (entre muitos outros) por Unidade da Federação. Boa parte das notícias é de 2015.

ACRE. "Agentes penitenciários denunciam ação de grupo de extermínio". http://bit.ly/…/…/agentes-penitenciarios-denunciam-acao.html (2015)
ALAGOAS. "Integrante de grupo de extermínio chefiou Guarda Municipal". http://tnh1.ne10.uol.com.br/…/pilar-integrante-de-grupo-de-… (2015)
AMAPÁ. "Prisão de comerciantes revela existência de grupo de extermínio de assaltantes". http://g1.globo.com/…/prisao-de-comerciantes-revel…/2670032/ (2013)
AMAZONAS. "Grupo de extermínio liderado por policial militar reformado é preso". http://acritica.uol.com.br/…/Manaus-Amazonas-Amazonia-exter… (2015)
BAHIA. "Jovens negros na mira de grupos de extermínio". http://apublica.org/…/jovens-negros-na-mira-de-grupos-de-e…/ (2013)
CEARÁ. "Há grupo de extermínio dentro da PM do Ceará". http://blog.opovo.com.br/…/capitao-wagner-ha-grupo-de-exte…/ (2012)
DISTRITO FEDERAL. "Polícia do DF investiga participação de PMs em morte de três jovens". http://g1.globo.com/…/policia-do-df-investiga-participacao-… (2012)
ESPÍRITO SANTO. "Polícia investiga volta da Le Cocq". http://www.folhavitoria.com.br/…/policia-investiga-volta-d…/ (2015)
GOIÁS. "Rodrigo Janot vai acompanhar investigações de grupos de extermínio". http://www.correiobraziliense.com.br/…/rodrigo-janot-vai-ac… (2015)
MARANHÃO. "Quilombolas denunciam grupos de extermínio". http://www.palmares.gov.br/?p=12334 (2011)
MATO GROSSO. "Polícia também investiga grupo de extermínio em Sinop; Sete são baleados em menos de uma hora". http://www.hipernoticias.com.br/…/policia-tambem-inve…/47165 (11 de agosto de 2015)
MATO GROSSO DO SUL. "Coronel da PM suspeito de mortes é vereador". http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1997/8/24/cotidiano/30.html (1997)
MINAS GERAIS. "PM eleito vereador é preso suspeito de chefiar grupo de extermínio". http://g1.globo.com/…/pm-eleito-vereador-e-preso-suspeito-d… (2013)
PARÁ. "PMs são acusados de facilitar trabalho de grupo de extermínio no Pará". http://www1.folha.uol.com.br/…/1618241-pms-sao-acusados-de-… (2015)
PARAÍBA. "Grupo de extermínio intimida Júri na Paraíba". http://colunaesplanada.blogosfera.uol.com.br/…/caso-manoel…/ (2014)
PARANÁ. "PMs de Curitiba são presos suspeitos de formar grupo de extermínio". http://g1.globo.com/…/pms-de-curitiba-sao-presos-suspeitos-… (2014)
PERNAMBUCO. "Três PMs são presos por integrar grupo de extermínio no Sertão de PE". http://g1.globo.com/…/tres-pms-sao-presos-por-integrar-grup… (2015)
PIAUÍ. "Grupo de extermínio pode estar agindo em Teresina e envolvido na morte de Eduardo Oliveira". http://www.meionorte.com/…/grupo-de-exterminio-pode-estar-a… (2015)
RIO DE JANEIRO. "Grupo de extermínio era financiado por centrais de 'gatonet', diz PF". http://g1.globo.com/…/grupo-de-exterminio-era-financiado-po… (2010)
RIO GRANDE DO NORTE. "Dezessete policiais são presos suspeitos de grupo de extermínio no RN". http://noticias.r7.com/…/dezessete-policiais-sao-presos-sus… (2013)
RIO GRANDE DO SUL. "Júri de ex-PM acusado de integrar grupo de extermínio em Alvorada é cancelado". http://wp.clicrbs.com.br/casodepoli…/…/grupo-de-exterminio/… (2015)
RONDÔNIA. "Latifúndio contrata PMs para exterminar camponeses". http://www.anovademocracia.com.br/…/2726-rondonia-latifundi…
RORAIMA. "Grupo de extermínio pode ser autor das últimas mortes em Boa Vista". http://www.fatoreal.blog.br/…/assassinatos-em-rr-grupo-de-…/ (2013)
SANTA CATARINA. "Polícia prende grupo de extermínio que atuava em Chopinzinho". (No Paraná. Mas também em Santa Catarina.) http://www.diariodosudoeste.com.br/…/policia-prend…/1346548/ (2015)
SÃO PAULO. "Em cada batalhão da PM tem um grupo de extermínio". http://racismoambiental.net.br/…/em-cada-batalhao-da-pm-te…/ (2012)
SERGIPE. "PF prende 11 suspeitos de integrar grupos de extermínio". http://noticias.uol.com.br/…/pf-prende-11-suspeitos-de-inte… (2015)
TOCANTINS. "Delegado que investigou grupo de extermínio de Grurupi é exonerado". http://www.t1noticias.com.br/…/delegado-que-investig…/46803/ (2013)

***
Dica: abra os links e veja nas chamadas as motivações. As redes. Não seja ingênuo. Não estamos numa luta entre mocinhos e bandidos. O crime organizado também usa farda. Ou distintivo.

Pergunta: por que esse não é um tema prioritário da imprensa? Com cobertura sistemática, e não ocasional? Editoriais, artigos indignadíssimos, cobrança diária? Por que tamanha distração?

Consideração: se você pactua com tudo isso (de posts na internet a selfies ingênuas), meu amigo, saiba que essa gente mata qualquer um. Se liga. Osasco é aqui. Brasil.


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quinta-feira, 2 de julho de 2015

Carta para a minha filha de 15 anos. (Sobre um país que se reduz.)

por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)

No seu próximo aniversário você fará 16 anos. Ainda outro dia - ontem mesmo, informam meus olhos angustiados - era uma criança. Poderá votar. E que país receberá? Um país mais seguro? Onde possa caminhar nas ruas sem que seu pai fique intranquilo? Um país mais maduro? Que enfrente seus problemas sem simplismo, em patamares civilizatórios? Mais alegre? Não. Um país com... redução da maioridade penal. Sua geração poderá ser presa, mais do que já é. Eis o legado da minha geração. Um país muito pior do que aquele entrevisto na Constituição. Para trás. Reduzido.

Escrevo enquanto ouço Mike Oldfield, aquele trecho do "Tubular Bells" que foi parar na trilha do Exorcista. O disco é de 1973. Estávamos na ditadura e o presidente chamava-se Médici. Eu era uma criança. Os jornalistas, naquela época, costumavam ser comunistas. Sonhavam com um país melhor, sem Médicis. Alguns morreram por isso. Outros se venderam. Alguns escrevem (ou editam, tanto faz) textos que dão aval a essa sanha vingativa, a essa lógica do extermínio. Às favas os escrúpulos. Os escrúpulos de consciência, a mínima percepção de que algo diferente teria de passar pela educação.

Não exorcizamos os nossos males, Helena. O país onde choravam Marias e Clarices não puniu quem tinha de ser punido; anistiou quem não devia. E agora os filhos cegos ou cínicos daqueles senhores de óculos sinistros pregam abertamente a barbárie. Eu e meus amigos (em boa parte jornalistas entristecidos) ajudamos as coisas chegarem a esse ponto, esse ponto que quase parece um ponto do não retorno. Onde teremos de engolir em seco e assistir ao culto ecumênico das serpentes. Os ovos já tiveram tempo de esquentar novamente. E os torturadores não precisam mais da ligação direta dos porões.

Você que decidiu (aos 10 anos) ser uma psicóloga terá muito trabalho. Atenderá a gerações com camadas de traumas; camadas ditatoriais e democráticas, semi ditatoriais, semi democráticas. Com conquistas aqui e ali, uma ou outra defesa mais sistemática de minorias, em meio a uma guerra civil. Mas gerações herdeiras de um gigantesco marasmo, de um pacto pela mediocridade, um acordo conivente com as mencionadas forças sinistras. Em um país que não reconhece nem os indígenas, que não distribuiu suas terras. Um país, com otimismo, pela metade. Talvez um país reduzido a seu dízimo.

"E hoje eu canto e choro... num show..." Cantava o mutante Arnaldo Baptista (você sabe o quanto ele é importante para mim) em 1974. O enlouquecido Arnaldo, o visionário Arnaldo, o Arnaldo que se agarra a mundos paralelos para poder enfrentar a realidade. E ele completava, lá naquela obra-prima, o "Loki": "Seria o maior barato tocar seu coração". Sim, Arnaldo, cê tá certo. Mas diz aí, para onde você vai? "Vivo a pensar pra frente. Quando não mais houver... cidaaaaaade".

Com mil de anos de idade lamentaremos estes tempos sombrios, Helena. Com 16 anos você olhará para mim e ainda saberá - sempre saberá - que não desisto. Mas sim, está sendo difícil processar essa dor (entre outras dores, esta dor específica), a dor de ver um projeto de país fugir por entre os dedos. A paisagem será o grito de Munch. Tocaremos nossos corações, aqueles de uma minoria perplexa, apenas eles.

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Como é ter uma filha. Criá-la. Amá-la. E ouvir os disparates do resto da humanidade.