(dos expulsos pelo reitor da USP às vítimas de uma democracia-aprendiz)
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)*
A palavra utilizada para expulsar seis estudantes da USP não poderia ser mais
provocadora. O decreto do reitor João Grandino Rodas, publicado na sexta-feira no
Diário Oficial, aplica a seis alunos a pena de “eliminação” do corpo discente
da Universidade de São Paulo.
Chegamos, enfim, a uma espécie de democracia-show. Uma
democracia-empresa, à Roberto Justus. A uma reality-democracia. Uma
democracia-aprendiz.
“Senhores estudantes”,
afirma com palavras parecidas o decreto de Rodas. “Vocês estão... vocês estão eliminados!”
Troquem a voz de Roberto Justus pela de Pedro Bial (ou a de
Brito Junior, João Doria Junior) e teremos o mesmo eco: de uma multiplicação
das violências institucionais. Agora com perfil empresarial, por favor.
As elites brasileiras acabam de assumir, por meio das
palavras de um reitor fundamentalista (não por acaso, um reitor biônico), que
estão dispostas a... eliminar.
E é por isso que me dirijo exatamente a vocês: aos
eliminados.
Não somente a vocês, Aline, Amanda, Jéssica, Bruno, Marcus e
Yves. Os seis estudantes expulsos da USP. Expulsos não – eliminados. Não
somente a vocês, Paulo e Pedro, dois que escaparam da eliminação porque não
eram mais da USP – mas vão ter o caso lembrado em seus “prontuários”, como diz
o decreto do reitor.
Dirijo-me a uma gama muito maior de eliminados.
Dirijo-me aos sem-teto, aos sem-terra, aos indígenas,
quilombolas, aos moradores dos morros e favelas, a todos os que foram
espancados e torturados pelas polícias neste país cordial, a aqueles que
tentaram fazer manifestações em lugares públicos e tiveram suas máquinas
confiscadas, seu direito de ir e vir negado, sua cidadania violentada.
Vocês não são mais apenas “excluídos”, conforme uma das
palavras da moda dos últimos tempos. Não são mais apenas “espoliados” – para
utilizar um termo bem menos em voga. Não são somente “despossuídos”, não apenas
“escanteados” (no país do futebol), não pensem que são unicamente
representantes do “andar de baixo”.
Vocês, meus caros brasileiros, estão sendo estruturalmente, sistematicamente
e cotidianamente... e-li-mi-na-dos!
E chegou a hora da reação. Contundente.
Vocês foram eliminados da USP – tanto os que entraram (e
agora foram expulsos) como os que não lá chegaram.
Foram eliminados por um filtro maldito, por um filtro tecido
durante 500 anos – esse que exclui racialmente e socialmente (das
universidades, dos cargos políticos, dos melhores empregos) os descendentes dos
escravos, os motoboys, as filhas das empregadas domésticas e garis.
Vocês são eliminados todos os dias da grande imprensa, da
grande mídia. Aparecem por lá às vezes para emitir frases pacíficas, adequadas
ao sistema. “Olhem, veja que boazinha a Dona Francisquinha, o Seu Lindomar,
como eles são engraçadinhos e conformados em meio a esta realidade sórdida que
estamos mostrando”.
Como seres críticos, porém, como seres humanos capazes de contestar,
de reivindicar, vocês são sistematicamente eliminados dos jornais, dos meios de
comunicação de massa.
Vocês, donos de rádios comunitárias, sabem bem o que é serem
presos por tentar veicular (a partir de um suposto direito básico à expressão)
notícias diferentes, programas que minimamente estimulem uma participação
social e política mais ativa – que estimulem a cidadania.
Eliminados: assumam todos os contornos dessa palavra.
Centenas de filósofos, historiadores, cientistas sociais de um modo geral (falo
daqueles desprovidos de cinismo) vêm contando a história de vocês, nos últimos
séculos.
Não estou falando somente de Karl Marx e dos teóricos
comunistas, caros eliminados. Deles também, claro. As elites bem sabem o quanto esses senhores (entre muitos outros) descreveram bem os mecanismos
de nosso sistema – esse que perpetua a desigualdade.
A lista dos rebeldes é
enorme. Dos indignados, dos inssurrectos. Dos utópicos, dos esperançosos. Ela inclui
escritores, artistas, inclui ativistas (muitos deles mortos, eliminados),
inclui muita gente nem um pouco alinhada a partidos políticos, a organizações.
Jean Jacques-Rousseau foi um dos que alertaram para a
desigualdade estrutural derivada da posse da terra por uns espertalhões. Chico
Mendes morreu por isso, Dorothy Stang e centenas de brasileiros morreram e
morrem por isso. E boa parte das terras deste pais foi simplesmente... grilada!
Mas, eliminados: quantos hectares vocês têm? Quantos metros
quadrados?
Eliminados: quantas horas vocês já ficaram em filas de
bancos, de supermercados, de pedágio, quantos séculos intermináveis vocês já
ficaram ao telefone tentando reivindicar seus direitos a uma empresa, diante de
um serviço de telemarketing? Quantas vezes foram demitidos, “descontinuados”?
Tudo isso por um motivo muito simples: pela lógica da
eliminação!
Sim, eu sei, muitos dirão a vocês que textos indignados como
este são “panfletos”.
Mas, vejam bem: panfletem! Quem foi mesmo o cínico que disse
que é errado panfletar? Foi alguém do povo? Um eliminado?
Pois os panfletos são instrumentos políticos poderosos. São
palavras que gritam, ou ao menos exclamam. Que exortam, que rememoram os tais
séculos de espoliação, de rapinagem.
Panfletemos! Panfletem! Pois a morte sistemática de
camponeses e indígenas neste País não pode ser encaixotada apenas em discursos
sisudos, ou acadêmicos ou cheios de dedo.
Esse extermínio a que são submetidos milhares de brasileiros
deve ser chamado como tal – de extermínio.
As execuções devem ser chamadas como tais – de execuções.
As torturas de torturas, os esculachos de esculachos, as
ameaças de ameaças. E assim por diante.
E agradeçam ao reitor da USP pela oportunidade de reagir!
Pois foi o reitor João Grandino Rodas quem deu a senha final
para a retirada dos eufemismos. Ele pensava apenas em provocar os estudantes. Em
esfregar na cara de vocês, os eliminados específicos (os alunos expulsos da USP),
que ele detém o poder máximo dentro dessa universidade. Ele quis tripudiar.
Mas Rodas é apenas mais um representante. Um serviçal de um sistema
que elimina.
Ele está dizendo a vocês (e à sociedade) que o errado é
fumar maconha no campus – que são essas as pessoas que colocam a sociedade em
risco! Que é errado protestar contra a presença, nas Cidades Universitárias e
nos morros e favelas, de uma polícia que aborda a todos (e não somente estudantes,
professores, funcionários) com violência.
O serviçal está dizendo que é normal a ocupação da
universidade por empresas, que a universidade faça pesquisas para atender ao
interesse das maiores corporações mundiais; que a universidade perpetue a
lógica da acumulação infinita, do lucro para apenas alguns – em um mundo em que
1 bilhão de pessoas passa fome.
Portanto, eliminados (não somente os da USP): digam a nossos
reitores e nossos chefetes e nossos políticos que não estamos exatamente
satisfeitos com esta nossa condição – a de eliminados.
Que não se trata somente de “incluir”, de “possuir”. Que não
vamos aceitar passivamente sermos atropelados por decretos da ditadura (o
reitor da USP utilizou-se de um deles, de 1972, da era Medici), por uma lógica
do confisco.
Que os eliminados estão decididos a se articular contra
essas várias violências. Em bloco.
Os eliminados querem uma democracia de fato.
E não essa farsa.
* jornalista,
estudante de Geografia na Universidade de São Paulo.
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Um comentário:
Quem merece ser eliminado do jogo é o Rodas!
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