por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
A dica político-literária está no livro “Privataria Tucana” (Geração Editorial, 2011).
Ao falar de Eduardo Jorge, o ex-tesoureiro da campanha eleitoral de Fernando
Henrique Cardoso, o autor Amaury Ribeiro Jr (em observação digna dos bons tempos
de Arnaldo Jabor) descreve-o como protagonista de uma “grande ópera bufa”:
- Nos dias anteriores ouvira relato de jornalistas e mesmo de
tucanos de que o “Sombra” (Eduardo Jorge) havia transformado a cobertura
midiática da quebra do sigilo numa grande ópera bufa, em que ele era o mais
divertido dos personagens. Com ironia, colegas de imprensa diziam que (...) o
prócer do PSDB travestira-se de pauteiro e editor de veículos dos quais
arrancara indenizações milionárias em ações de danos morais.
É grande a tentação de se estender a imagem - e falar de uma
gigantesca ópera bufa da política brasileira. Ou, ao menos, de uma ópera bufa
da era das privatizações. O próprio livro de Ribeiro Jr é uma fonte preciosa para essa dramaturgia às avessas, com seus personagens (políticos e jornalistas) disputando
poder e espaço midiático de uma forma pouco republicana. Só as histórias de sombras
e arapongas são suficientes para mostrar o quanto vivemos em um roteiro
precário, em um simulacro de democracia.
Mas vou centrar a proposta de ópera bufa em três personagens
centrais da história recente do Brasil: Eduardo Jorge de Caldas Pereira,
Delúbio Soares de Castro e Paulo César Siqueira Cavalcante Farias. Eles coordenaram
as campanhas eleitorais mais importantes da virada do século: as de Fernando
Collor de Mello (1990-1992), Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e Luiz
Inácio Lula da Silva (2003-2010). Nada menos, nada mais.
As histórias que
contam desses três primeiros senhores são pouco edificantes. Poderiam motivar
apenas relatórios – ou inquéritos, processos, investigações. Em meio a elas, porém, emergem personagens curiosos. Cômicos,
canhestros. Prontos para entrar no palco e cantar a tragédia da política
brasileira.
EDUARDO JORGE DE CALDAS PEREIRA
Amaury Ribeiro Jr desenvolve um aspecto específico da personalidade de
Eduardo Jorge ao falar da sua fixação em mover processos contra jornalistas. Ele
não só contratava os melhores advogados, conta o jornalista, mas acompanhava pessoalmente o passo dos
algozes.
Uma das cenas do livro (na página 284) é representativa:
- Certa vez, quando
trabalhava na IstoÉ, vi EJ sentado na plateia ouvindo o depoimento que o procurador
da República Luiz Francisco de Souza, que o havia denunciado à Justiça,
prestava em uma comissão do Senado. Perguntei-lhe por que estava ali. “Eu vou a
toda palestra que ele (Souza) dá. Sigo-o para onde vai. É sempre muito divertido
vê-lo falar”, respondeu com ironia.
A cena tem o seu quê de sinistro – mas, admitamos, em estilo
bem mais clean (e menos subterrâneo) do que um de seus antecessores, PC Farias.
Ribeiro Jr diz também que os repórteres devem estar
preparados para um certo dom de Eduardo Jorge: “Sua outra façanha é que ele se
metamorfoseia de réu em vítima num passe de mágica”.
Personagens secundários: procurador Luiz Francisco de Souza,
FHC, os irmãos Mendonça de Barros, Daniel Dantas, editores e donos de jornais e
revistas. Como sugere o nome do livro de
Ribeiro Jr, “Privataria Tucana”, vale aqui uma abordagem neobarroca, com jogos
de linguagem. Música: alguma sofisticadamente pretensiosa. Ao piano. Atenção, pessoal do figurino: tucanos de alta pluma tentam se
vestir de modo an-te-na-dís-si-mo.
DELÚBIO SOARES DE CASTRO
Este me parece o mais difícil dos três – dramaticamente
falando. Por trás de sua barba hirsuta esconde-se uma personalidade (ela mesma)
hirsuta, quase inexpugnável. Sua gestualidade e seus movimentos são pouco expressivos.
Delúbio é daqueles que, se pudessem, fugiriam do palco para recontar a féria. Como se não bastasse, é pouco eloquente, fala pra dentro, hesitante.
Do trio, o matemático Delúbio Soares é, sem dúvida, o mais
obediente. Um “quadro” do partido. Ao contrário do estilo ostentatório (e
vaidoso) dos outros dois tesoureiros, com suas mansões e atrevimentos visuais, o
petista goiano destaca-se por uma certa simplicidade – não seria inverossímil
vê-lo (feliz da vida) numa mesa de um botecão, tomando uma pinga de igual pra
igual e jogando um carteado com o povão.
Ocorrem-me as peculiares cenas de churrasco envolvendo o
tesoureiro. Um deles, este ano em Buriti Alegre (GO), comemorou sua volta ao PT,
seis anos após a expulsão do partido, em 2005. Um vereador de Goiânia comemorou
em faixa o retorno do “velho camarada que não perdeu a ternura e a vontade de
viver”. A Folha descreveu assim o ato:
- Aberto aos moradores da cidade, o
evento ofereceu churrasco a cerca de 200 amigos e correligionários do
ex-tesoureiro num ginásio da paróquia local.
Não foi nem será o último churrasquinho paroquial: anos
antes o Brasil estava um turbilhão político, a mídia antipetista histérica, a
oposição apoplética, e a Delúbio (com sua teimosia sorrateira) já ocorria a
ideia de fazer singelos churrasquinhos – “passem-me o sal, por favor”.
A abordagem deste personagem pode ser minimalista. Ou
engajada – na esteira das obras revolucionárias do comunismo do século XX. Personagens
secundários: Lula, o Metalúrgico. Marcos Valério, o vilão à Yul Brynner. Trilha sonora: sertanejo. O
setor barbudo da novela só precisa deixar crescer a barriguinha de cerveja.
PAULO CÉSAR SIQUEIRA CAVALCANTE FARIAS
PC Farias quase dispensa apresentações. Poucas informações
seriam mais significativas do que o nome
de um dos livros sobre este personagem melífluo: “Morcegos Negros”. O leitor
distraído pensará que se trata de brincadeira – mas foi escrito, sim, e muito
bem escrito, pelo jornalista Lucas Figueiredo (Editora Record, 2000).
É quase como se já estivesse tudo pronto a respeito de PC. Era
uma inesgotável fonte de histórias – de alto escalão, baixo escalão, trombadas,
ameaças, atropelamentos e morte. O livro de Figueiredo mostra nada menos que
conexões internacionais do esquema PC com a máfia italiana. (O leitor imagine
agora Paulo Cesar ajeitando os óculos e cuspindo para o lado.)
Não à toa, há muita gente que interpreta essa Era Collor
como apenas um avanço de sinal. Não se tratavam de métodos exatamente novos de
fazer política. Mas sim de uma exacerbação do clientelismo – bandoleiro e pouco
cordial. Aumentava-se o valor das propinas – para a revolta dos corruptores de
plantão. Some-se a isso a monumental intriga familiar, o delator Pedro Collor,
a musa Thereza, e estava pronto o roteiro da tragédia.
Os personagens secundários multiplicam-se, com larga hegemonia
alagoana: Fernando Collor de Mello, o sobrevivente, sempre em primeiro plano
(com PC chupando tortamente um charuto ao fundo), a namorada Suzana Marcolino,
o irmão Augusto Farias e uma legião midiática de médicos legistas.
Dúvida consistente: que ator magnífico poderia interpretar
PC Farias? Melhor seria assumir um simulacro: Matheus Nachtergaele e Gero Camilo
alternariam-se com atores comuns. Ou melhor: atores não profissionais, homens
minimamente roliços e ensaboados praticando os olhares furtivos de PC. Uma
homenagem ao neorealismo italiano – mas não à sua poesia. Figurino? Aleatório,
claro. Música: Arrigo Barnabé e sua "Clara Crocodilo".
O dramaturgo Mario Viana discorda veementemente da escolha dos atores: "PC tem de ser Mauro Mendonça, um dos grandes de sua geração. Ou Paulo Goulart. Ou Ary Fontoura".
O dramaturgo Mario Viana discorda veementemente da escolha dos atores: "PC tem de ser Mauro Mendonça, um dos grandes de sua geração. Ou Paulo Goulart. Ou Ary Fontoura".
O difícil no caso de PC Farias é fazer Fernando Collor não roubar
completamente a cena. Afinal, todos sabem que a família Collor caiu em um
caldeirão de dramaturgia quando era pequena. Collor de Jet-ski, Collor com os
punhos cerrados e cara de mau, Collor redivivo no Senado, o pai de Collor
matando um colega no Senado, os figurinos explosivos de Rosane Collor, a saga
da família Malta e seu faroeste muito particular no sertão alagoano...
Enquanto não surge um roteirista mais petulante (e com tanta
imaginação), fiquemos apenas com os três simpáticos e eficientes tesoureiros.
Eduardo, Delúbio, Paulo. Que Honoré de Balzac se ressinta por não ter escrito milhares
de páginas sobre esses espetaculares fabricantes de desilusões.
LEIA MAIS:
Veja por que "Privataria Tucana" é também um livro sobre imprensa
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