terça-feira, 6 de dezembro de 2011

A batalha (virtual) de Belo Monte – parte II

por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)

Na parte I apresentamos a batalha sobre a construção da usina de Belo Monte como virtual. Enumeramos argumentos exaustivos publicados em sites e blogs, focados na conquista racional do leitor. Falemos agora dos vídeos. Eles são um exemplo interessante da diversidade dos métodos virtuais de persuasão. E, nos últimos meses, colocaram-se no centro dos debates.

Eles vão de aparição de “artistas globais” ao aval de “professores universitários”. Ou de estudantes – alçados a uma autoridade que não lhes é dada pela opinião pública em outros contextos, como os conflitos na USP. Invocam algum tipo de autoridade, portanto. Mas, em algum momento, a maioria apela para a emoção, por utilização de recursos teatrais ou cinematográficos.

-> o vídeo dos artistas globais, o Gota D’Água mais 10, teve mais de 1,3 milhão de acessos no YouTube. “A Usina de Belo Monte vai alagar... inundar... destruir... 640 quilômetros quadrados de Floresta Amazônica”, diz dramaticamente um dos atores. Por esse apelo emocional, compara-se o vídeo com a participação de artistas nos vídeos “Lula Lá”, um clássico da campanha eleitoral de 1989 - “Brilha uma Estrela, Lula Lá...”, “Sem medo ser feliz” etc. Em 2011, é a sucessora de Lula quem banca – assim como o ex-presidente – a construção de usina.

A reação ao vídeo dos globais motivou a produção de outros vídeos, como forma de contra-ataque. Alguns casos estabeleceram-se apenas como curiosos; outros propuseram-se a entrar pesado na batalha de informações sobre a usina.

-> um dos vídeos, com mais de 70 mil acessos, traz (durante 13 minutos) uma mão e uma caneta, ambas apontando números sobre a usina. O tom é professoral, mas na linha “técnica”. O autor do vídeo, que se identifica apenas como Magrão, logo no início diz que “não é um ator global”, mas vai mostrar “alguns números”.  "Algns Números sobre Belo Monte" traz o argumento da prancheta.
  Não se fala de índios.

-> o mais conhecido até agora talvez seja o vídeo “Tempestade em Copo D’Água”, produzido por alunos de Engenharia Civil da Unicamp. Ele investe na paródia – pela imitação (tosca, é bem verdade) da gestualidade e da alternância dos atores globais. O discurso é nacionalista e contra os banqueiros. O professor Sebastião de Amorim diz que há muita desinformação circulando sobre o projeto. E encerra sua participação balançando os braços, com os punhos fechados – feito um político das antigas. O vídeo já teve mais de 400 mil visitas.

-> a própria ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, atreveu-se a elogiar um vídeo humorístico, protagonizado pelo pop star oportunista Rafinha Bastos, onde ele satiriza os atores globais. Bastos é o tipo da figura que passaria ao largo de outras pastas do governo, como a Secretaria de Direitos Humanos – por seu estilo de humor apelativo e grosseiro. Difícil imaginar ministros anteriores, como Marina Silva ou mesmo Carlos Minc, dando aval a personagens desse naipe. O vídeo chamado “Movimento Gota de Bosta” – com um vocabulário igualmente de quinta categoria - já tem quase 1 milhão de visitas.

-> a melhor dessas respostas, segundo o jornalista Paulo Moreira Leite (da revista Época), é um vídeo produzido por estudantes da UnB, "Verifique os fatos", onde respondem a cada questão feita pelos globais. Leite diz que deu “muita risada” vendo o vídeo . Mas os estudantes em Brasília (com melhor dom para a paródia do que os campineiros) também investem na guerra de números, onde buscam legitimar o discurso de defesa da usina. Publicado no dia 29, em uma semana ele já estava com 66 mil visitas no YouTube.

-> de volta ao lado contrário a Belo Monte, vale destacar o vídeo do ISA (Instituto Socioambiental), “Xingu – a Luta dos Povos pelo Rio”. Dirigido por Beto Ricardo e André Villas Bôas (coordenador do programa Xingu, do ISA), o documento, como sugere o título, foca no ponto de vista dos indígenas – e das batalhas que travam em Altamira desde 1989. Uma música dramática pontua o filme. A qualidade técnica do vídeo é muito superior à dos que defendem a usina - pois estes têm surgido de forma improvisada, como resposta às propagandas contrárias ao projeto.

-> como em alguns filmes a favor da usina, há vídeos que investem na argumentação racional.
 Esta semana ganhou muitas menções de internautas a reprodução de uma entrevista com o professor Osvaldo Sevá, no programa Ação Nacional, da TV Século 21.

O fato é que o recurso dos vídeos vem se mostrando mais eficaz, em termos de audiência, do que os artigos exaustivos sobre o mesmo tema. Em poucos dias, na última semana, o acesso a quase todos esses vídeos disparou – em alguns casos, exponencialmente.

Isso tem acontecido com outros temas de debate público pelo Brasil e pelo mundo. Talvez seja inevitável que a disputa política em nossa época ganhe esse contorno audiovisual. Isso tem várias implicações – uma delas, financeira. Vídeos bem feitos custam mais dinheiro que manter um site.

Não à toa, no próximo tópico discutiremos um vídeo específico. É uma divulgação preliminar do filme “Belo Monte – Anúncio de uma Guerra”, ainda não finalizado. Nesse caso, pelo que se vê nas imagens iniciais, a qualidade está garantida. Mas os diretores tiveram de passar o chapéu – também virtual – para viabilizar o filme.

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3 comentários:

DiRaOL disse...

Alceu, bem legal seu post.
Mas gostaria de destacar um ponto que não vi em seu texto...

Eu acredito que todos estes vídeos citados demonstram uma tendência atual de nossa sociedade de não se aprofundar nos assuntos. A questão de Belo Monte é muitíssimo profunda, e não se pode resumi-la em 5, 10 ou 15 minutos de vídeo, seja este "comédia", "paródia", "teatral" ou "professoral".
Isso me preocupa.
Tomar uma posição sobre uma questão como essa apenas embasado em vídeos superficiais só me leva a crer que serão decisões não bem fundamentadas, superficiais, tomadas apenas para demarcar uma posição - previamente "tomada" em função de pontos de vista de mundo ("sou pró-empresas/indústrias/mercado" x "sou contra-empresas/indústrias/mercados").
Isso representa, inclusive, a forma como nossos políticos aparentemente tomam as decisões. Sem uma fundamentação técnica clara.

Fui eu quem fez o comentário no post anterior sobre os vídeos do Escritório Piloto (http://escritoriopiloto.org/artigo/debate-belo-monte). Este vídeo não foi feito "em formato cinema/produção", foi apenas o registro de uma atividade que organizamos para nos aprofundar no tema - por isso o total de 3h de gravações.

Alceu Castilho, jornalista. disse...

olá. No post seguinte eu vou entrar um pouco na questão do aprofundamento. Mas vale observar que, há algum tempo, nem a esses materiais (artigos e vídeos) teríamos acesso, não?

DiRaOL disse...

Com certeza Alceu! Eu acho a internet uma ferramenta fantástica e que dá à sociedade a possibilidade de revolucionar a forma como a sociedade se organiza.
Infelizmente boa parte das pessoas só se interessam nas recursos "artísticos" e curtos (porque "não dá pra ficar perdendo tempo com essas coisas sabe, hoje tem que ser tudo fast-and-food").
Mas eu acredito de verdade nas possibilidades que a ferramenta internet oferece, em especial no quesito acesso à informação. Se não acreditasse não militaria no movimento Transparência Hacker! =)
Abraços