Antropólogo relata como PM o espancou na Paulista
O antropólogo Danilo Paiva Ramos, de 30 anos, conta abaixo
como foi espancado pela Polícia Militar na noite do domingo, na Avenida
Paulista. “Sem nenhum motivo”, diz – a não ser o fato de vestir uma camiseta do
Corinthians. “Estava caminhando, parei alguns minutos para ver a comemoração e
começaram a me bater”.
A descrição é de um comportamento sádico dos PMs. Ramos tem 1m68 e 60 kg. Ele cursa o doutorado no Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo. Não é negro. Declara-se branco (hispânico).
“Estou sim, disposto a dar continuidade ao processo”, disse ele a este blog. Ele fez o Boletim de Ocorrência e, na manhã desta terça-feira, estava indo fazer a denúncia na Corregedoria da Polícia Militar. Ramos também pretende ir à Ouvidoria da Polícia.
Segue o relato completo:
Na noite de ontem, o que mais me aterrorizou enquanto era espancado por um PM não identificado na Avenida Paulista não foi a violência dos golpes cada vez mais fortes em minha mão e barriga. “Cuzão!”. “Seu merda!”. “Filho da puta!”. “Quer ser espancado de verdade?”. Essas eram as palavras que acompanhavam as pancadas que eu ia recebendo sem ter como me defender.
Mas também não foram as ameaças ou as ofensas que mais me aterrorizaram ontem. O que mais me assombrou foi perceber, enquanto era espancado, o sorriso e o olhar do policial que mostravam um prazer maior a cada bofetada. A cada pancada meu medo aumentava. E foi com espanto que vi o prazer e ódio que cresciam nos rostos dos policiais à medida que investiam contra qualquer pessoa que, naquele momento, estivesse com uma camiseta do Corinthians comemorando na calçada, pacificamente, a vitória do campeonato.
Indignado, sem saber por que apanhava, perguntei o nome de meu agressor. Mais ofensas e ameaças seguiram-se enquanto ele erguia novamente sua arma contra mim. Afastando-me, perguntei por que me batia. Ele, então, respondeu: “As pessoas da Paulista precisam dormir”.
Essa talvez fosse a fala de um “camisa negra”, grupo fascista que, na Itália, perseguia os operários que faziam greve. Ou talvez a fala de um policial da ditadura que investisse contra estudantes que lutavam pela democracia. Mas estranhei muito que o motivo da violência com que acabaram com a “festa da vitória” que um grupo de pessoas fazia por volta das 23hs na calçada da Paulista fosse o sono dos edifícios de bancos e empresas.
Ainda sendo coagido pelos policiais, fui conversar com o sargento que liderava o grupo. Comuniquei a ele que havia sido espancado por um de seus policiais e que queria saber a razão disso e o nome de meu agressor. Ele pediu que eu apontasse o oficial. Identifiquei-o. O 3º Sgt Luiz disse que não conhecia o policial que continuava a espancar e a coagir as pessoas.
Memorizei a identificação do sargento Luiz e fui a uma delegacia próxima à minha casa. Quando contei ao delegado minha intenção de fazer um Boletim de Ocorrência (B.O), por ter sido espancado por um PM, ele alterou seu tom de voz. Falando alto e gesticulando fortemente, afirmou que um policial “não batia por nada” e perguntava repetidamente o que eu tinha feito.
- Nada, não fiz nada! Estava voltando para casa. Saí do Metrô Trianon-Masp, após assistir ao jogo com meus amigos, parei durante 5 minutos para ver a festa que o grupo fazia na calçada. Estava um pouco longe do grupo. Um cordão de policiais formou-se atrás de mim sem que eu percebesse. Quando virei meu corpo, já recebi os primeiros golpes. Não fiz nada.
Vítima, machucado e apavorado, tive que perguntar ao delegado se esse era o modo de tratar as vítimas em sua delegacia. Afirmei que iria a outro Distrito Policial fazer minha ocorrência, já que naquela não me sentia seguro. Somente então o delegado começou a tratar-me como vítima. Registrei a queixa, fiz exame de corpo de delito e aguardo que consigam identificar o sargento e meu agressor. Por sugestão do delegado, irei à corregedoria da polícia militar para fazer uma queixa.
Antropólogo, pesquisador da USP, venho acompanhando a violência, o prazer e a liberdade com que policiais, soldados e autoridades “competentes” restabelecem a “ordem” na Universidade, na avenida Paulista ou na Amazônia, onde realizo meu trabalho com um povo indígena. Espancar, ofender, perseguir, rir, ameaçar parecem ser modos cada vez mais rotineiros das autoridades que aplicam a coerção física do Estado em estudantes, torcedores, índios, professores, trabalhadores etc.
O prazer que vi no rosto de meu agressor me aterrorizou. A dificuldade de identificar meu agressor, causada pela falta de distintivo, pela atitude do sargento que disse não conhecer seus soldados, pelo comportamento do delegado que insistiu que eu devia ter provocado ou pela dificuldade de saber de qual batalhão eram os PMs que atuavam na Paulista àquela hora — tudo me assombra.
O riso e o prazer de meu agressor iniciam-se no motivo banal da “Paulista que precisa dormir” e terminam no saciamento do sadismo com que golpeava meu corpo que, naquele momento, por acaso — apenas por acaso —, era o corpo de um torcedor corintiano.
A reportagem do portal R7 publicou, na noite do dia 6, o caso da agressão a Danilo. A Polícia Militar não se pronunciou. A Secretaria de Segurança Pública informou ao portal que a delegada titular Victória Lobo Guimarães, do 78º Distrito Policial, não se pronunciará sobre a conduta do delegado que atendeu a ocorrência.
O portal G1 também repercutiu o caso. Segundo o site, o batalhão da PM responsável pela Avenida Paulista não havia se pronunciado até as 20h20 desta terça-feira (6 de dezembro). A Folha Online foi outro veículo a divulgar o episódio - o repórter procurou este blog para obter o contato do antropólogo.
CASO NÃO É ISOLADO
A descrição é de um comportamento sádico dos PMs. Ramos tem 1m68 e 60 kg. Ele cursa o doutorado no Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo. Não é negro. Declara-se branco (hispânico).
“Estou sim, disposto a dar continuidade ao processo”, disse ele a este blog. Ele fez o Boletim de Ocorrência e, na manhã desta terça-feira, estava indo fazer a denúncia na Corregedoria da Polícia Militar. Ramos também pretende ir à Ouvidoria da Polícia.
Segue o relato completo:
Na noite de ontem, o que mais me aterrorizou enquanto era espancado por um PM não identificado na Avenida Paulista não foi a violência dos golpes cada vez mais fortes em minha mão e barriga. “Cuzão!”. “Seu merda!”. “Filho da puta!”. “Quer ser espancado de verdade?”. Essas eram as palavras que acompanhavam as pancadas que eu ia recebendo sem ter como me defender.
Mas também não foram as ameaças ou as ofensas que mais me aterrorizaram ontem. O que mais me assombrou foi perceber, enquanto era espancado, o sorriso e o olhar do policial que mostravam um prazer maior a cada bofetada. A cada pancada meu medo aumentava. E foi com espanto que vi o prazer e ódio que cresciam nos rostos dos policiais à medida que investiam contra qualquer pessoa que, naquele momento, estivesse com uma camiseta do Corinthians comemorando na calçada, pacificamente, a vitória do campeonato.
Indignado, sem saber por que apanhava, perguntei o nome de meu agressor. Mais ofensas e ameaças seguiram-se enquanto ele erguia novamente sua arma contra mim. Afastando-me, perguntei por que me batia. Ele, então, respondeu: “As pessoas da Paulista precisam dormir”.
Essa talvez fosse a fala de um “camisa negra”, grupo fascista que, na Itália, perseguia os operários que faziam greve. Ou talvez a fala de um policial da ditadura que investisse contra estudantes que lutavam pela democracia. Mas estranhei muito que o motivo da violência com que acabaram com a “festa da vitória” que um grupo de pessoas fazia por volta das 23hs na calçada da Paulista fosse o sono dos edifícios de bancos e empresas.
Ainda sendo coagido pelos policiais, fui conversar com o sargento que liderava o grupo. Comuniquei a ele que havia sido espancado por um de seus policiais e que queria saber a razão disso e o nome de meu agressor. Ele pediu que eu apontasse o oficial. Identifiquei-o. O 3º Sgt Luiz disse que não conhecia o policial que continuava a espancar e a coagir as pessoas.
Memorizei a identificação do sargento Luiz e fui a uma delegacia próxima à minha casa. Quando contei ao delegado minha intenção de fazer um Boletim de Ocorrência (B.O), por ter sido espancado por um PM, ele alterou seu tom de voz. Falando alto e gesticulando fortemente, afirmou que um policial “não batia por nada” e perguntava repetidamente o que eu tinha feito.
- Nada, não fiz nada! Estava voltando para casa. Saí do Metrô Trianon-Masp, após assistir ao jogo com meus amigos, parei durante 5 minutos para ver a festa que o grupo fazia na calçada. Estava um pouco longe do grupo. Um cordão de policiais formou-se atrás de mim sem que eu percebesse. Quando virei meu corpo, já recebi os primeiros golpes. Não fiz nada.
Vítima, machucado e apavorado, tive que perguntar ao delegado se esse era o modo de tratar as vítimas em sua delegacia. Afirmei que iria a outro Distrito Policial fazer minha ocorrência, já que naquela não me sentia seguro. Somente então o delegado começou a tratar-me como vítima. Registrei a queixa, fiz exame de corpo de delito e aguardo que consigam identificar o sargento e meu agressor. Por sugestão do delegado, irei à corregedoria da polícia militar para fazer uma queixa.
Antropólogo, pesquisador da USP, venho acompanhando a violência, o prazer e a liberdade com que policiais, soldados e autoridades “competentes” restabelecem a “ordem” na Universidade, na avenida Paulista ou na Amazônia, onde realizo meu trabalho com um povo indígena. Espancar, ofender, perseguir, rir, ameaçar parecem ser modos cada vez mais rotineiros das autoridades que aplicam a coerção física do Estado em estudantes, torcedores, índios, professores, trabalhadores etc.
O prazer que vi no rosto de meu agressor me aterrorizou. A dificuldade de identificar meu agressor, causada pela falta de distintivo, pela atitude do sargento que disse não conhecer seus soldados, pelo comportamento do delegado que insistiu que eu devia ter provocado ou pela dificuldade de saber de qual batalhão eram os PMs que atuavam na Paulista àquela hora — tudo me assombra.
O riso e o prazer de meu agressor iniciam-se no motivo banal da “Paulista que precisa dormir” e terminam no saciamento do sadismo com que golpeava meu corpo que, naquele momento, por acaso — apenas por acaso —, era o corpo de um torcedor corintiano.
A reportagem do portal R7 publicou, na noite do dia 6, o caso da agressão a Danilo. A Polícia Militar não se pronunciou. A Secretaria de Segurança Pública informou ao portal que a delegada titular Victória Lobo Guimarães, do 78º Distrito Policial, não se pronunciará sobre a conduta do delegado que atendeu a ocorrência.
O portal G1 também repercutiu o caso. Segundo o site, o batalhão da PM responsável pela Avenida Paulista não havia se pronunciado até as 20h20 desta terça-feira (6 de dezembro). A Folha Online foi outro veículo a divulgar o episódio - o repórter procurou este blog para obter o contato do antropólogo.
CASO NÃO É ISOLADO
A nova denúncia de espancamento ocorre em um contexto de acirramento das repressões – no Brasil e no mundo. Isto segundo vários especialistas. Em texto enviado para amigos pela internet, Danilo Paiva Ramos colocou o seguinte título: “A Paulista precisa dormir”. Mas os argumentos têm variado conforme o sabor dos ventos – e dos cacetetes. Da Paulista à Amazônia, dos morros e periferias até a Cidade Universitária.
Durante ato no sábado, no Teatro Coletivo, vários professores da USP apontaram a tendência de acirramento do fascismo no Brasil e no mundo. A tendência, disseram eles (vejam neste texto), é a de crescimento da direita no mundo, diante de um esvaziamento da faixa do centro político – representado pelos governos social-democratas (como os últimos governos brasileiros).
A polícia paulista foi citada diretamente como repressora e símbolo dessa tendência. No dia 8 de novembro, a estudante Rosi, do terceiro ano de Filosofia da FFLCH (a mesma faculdade de Ramos) foi torturada por policiais durante a reintegração de posse da reitoria da USP. Veja aqui o relato detalhado da tortura.
Quem serão os próximos? Palmeirenses? Professores? Sem terra? Motoboys? Moradores de rua? Membros da Parada Gay? Estudantes?
A ação mais criativa e inteligente dos estudantes da USP, até agora, foi a bem humorada Tropa de Rosa Choq. O humor é capaz de muita coisa. Talvez seja um dos grandes recursos que a sociedade paulista tenha para protestar contra abusos policiais.
Esses abusos e essa violência são velhos conhecidos das periferias, dos morros, das favelas, mas agora vêm atingindo mais nitidamente a classe média. Em uma sociedade assim, todos correm risco: engajados, libertários, comunistas, mas também os distraídos. Até mesmo os conservadores, até mesmo os fascistas.
7 comentários:
Isso so mostra opq a policia esta ai...
Alceu, sou o repórter que gravou a entrevista da Rosi. Pode me passar seu contato para falar sobre o caso do antropólogo?
abs
olá, Raphael. Não achei seu email, enviei pelo Facebook. Abraço, Alceu.
Não vi nada no facebook. mas meu email é raphael.sassaki@gmail.com, ou @grupofolha.com.br
abs
enviado!
Nossa, meio descontextualizado e potencialmente provocativo e inadequadamente comparativo dizer "ele não é negro. se declara branco..."
Pq?
olá, Natália. Provocativo, sim. Descontextualizado, não. Desculpe-me (sinceramente) se me expressei mal. Mas quis mostrar também o racismo das abordagens policiais - e não justifícá-lo, obviamente. Diariamente, os negros são mais desrespeitados pelas polícias: abordados, achincalhados, humilhados. Danilo estava fora do estereótipo da repressão - o que apenas mostra o alcance dela. Caso queira conversar mais sobre isso, meu email é o alceucastilho@gmail.com. Abraço!
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