quinta-feira, 12 de abril de 2012

Willy Wonka e a fantástica fábrica de simplificações da internet
 
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
 
Gene Wilder estrelou a “Fantástica Fábrica de Chocolate” em 1971. Johnny Deep, em 2005. Coube à imagem de Wilder protagonizar um dos grandes fenômenos recentes da internet. Sobre a simples figura risonha (e irônica) do dono excêntrico (e obsessivo) da fábrica os internautas colocam, de um modo geral, duas frases.
 
A primeira delas é apenas uma escada para a ironia subsequente. “Então o senhor fuma um baseadinho de vez em quando, não é?” Como esssa leitura tem a imagem de Willy Wonka ao fundo sabemos que lá vem um questionamento – supostamente fulminante. “Conte-me como está contente por sustentar o tráfico.” E assim por diante.
 
Fico pensando na escolha de Wilder para esse papel de irônico sabichão. E não Depp. Talvez Wilder seja mais “puro” que Depp – este, menos indicado para as lições moralistas desses memes. (A palavra “meme”, consagrada no internetês, talvez sintetize essa linguagem tatibitate e engraçadinha dos “protestos”.)
 
Puxo a minha memória de infância e lembro que a “Fantástica Fábrica de Chocolate” era, em si, um fenômeno de repetição, nos anos 70 e 80. Nunca terá havido um filme que passou tantas vezes na Sessão da Tarde. Claro, assistíamos sempre que possível. Do começo ao fim. A relação de crianças e jovens com o filme estrelado por Depp é totalmente diferente – menos moderna, menos comprometida.
 
O fato é que existe um fenômeno. Como o da Luiza, aquela que foi para o Canadá, e tantos que têm marcado a internet. Eu classificaria esse fenômeno Wilder-Wonka de “fantástica fábrica de simplificações da internet”. Em vez de abrirmos debates (como se fazia até no Orkut, tempos atrás), colocamos uma imagem do Wilder, todo risonho, o chapéu representando o signo do esquisito, e uma frase “definitiva”, um suposto tapa na cara de hipócritas, contraditórios etc.
 
Trata-se de uma curiosa espécie de ativismo relâmpago. A aposta é no efeito-cascata, no efeito viral da internet – a partir de uma imagem consagrada pela indústria cultural. Não poderia ser a imagem de alguém muito sério (Jesus Cristo, Che, Martin Luther King), nem mesmo de um grande intelectual (Einstein, Freud). O tom de farsa de Wilder é absolutamente necessário para que esses “questionamentos” surtam o resultado – uma bronca no leitor, ma non troppo. A intolerância a outras opiniões deve ser cuidadosamente disfarçada.
 
Debates sérios sobre as drogas, o aborto, a saúde, para citar apenas alguns casos que vi recentemente associados a Willy Wonka, com espaço para o contraditório, nuances, esses debates não temos visto. Talvez porque sejam pouco imagéticos, pouco engraçados, pouco fugazes. Tanto esquerda como direita (Wilder aparece dos dois lados do espectro político) têm preferido reduzir suas causas a apenas algumas palavras – de preferência em menos de 140 caracteres e apenas duas frases.
 
Não se trata, aqui, de explorar a falsa dicotomia entre internet e “realidade”. Internet é tão realidade quanto qualquer outra coisa. Jesus, Che e Luther King possivelmente utilizariam esse recurso para suas causas. Não é mais possível definir a “realidade” como algo tão distante de chips (ou, antes, válvulas). Até porque podem brotar da internet (como vimos no Egito) a chama para mobilizações “de rua”. A internet é também uma rua – ainda que congestionada por bobagens.
 
A próxima etapa nessa sacralização de Willy Wonka é razoavelmente previsível: alguns internautas se enjoarão do formato e acusarão a “falta de graça” desses memes. Wonka vai se tornar “out”. E aí veremos uma profusão de imagens auto-irônicas de Wilder, satirizando o próprio recurso utilizado anteriormente. Algo do tipo: “Então você acha genial usar a imagem do Wonka, não?” E, mais embaixo: “Já ouviu falar de argumentos?” E assim por diante, de implosão em implosão.


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