segunda-feira, 23 de abril de 2012

Sobre como a Veja tornou-se uma revista de humor e ninguém percebeu
 
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
 
Quando começou o jogo do Corinthians, neste domingo, pensei: a Ponte Preta não vai ter a mínima chance. Não por conta da superioridade técnica do time paulistano, ou da simpatia que alguns árbitros nutrem por seu escudo. Mas porque a revista Veja me avisara, no sábado: pessoas de maior estatura obtêm melhor desempenho!
 
(Pode ser difícil de acreditar, mas essa foi mesmo a capa da revista. “Do alto, tudo é melhor”, diz a manchete. Segundo a Veja, os mais altos tendem a ser mais bem-sucedidos. Dizem que o deputado ACM neto sentiu-se especificamente ofendido.)
 
Olhei cuidadosamente as duas equipes e concluí: o Corinthians tem jogadores mais altos, já ganhou!
 
Mas foi a Ponte Preta que venceu. Estaria errada a Veja, sempre repleta de certezas inabaláveis?
 
No Twitter, vi um comentário do jornalista Ricardo de Souza, da Petrobras, do alto de seus 1m93. Ele falava de seu chefe, uma cabeça mais baixo que ele, com 1m70. Ricardo estaria utilizando a rede social para reclamar de uma tremenda injustiça? “Eu sou mais alto, eu que deveria ser o chefe!” Claro que não: atestou que seu chefe é muitíssimo competente.
 
Em outras palavras: quando foi mesmo que a Veja tornou-se uma piada nacional? Por que ainda nos indignamos com suas capas fascistas, suas “reportagens” distorcidas, sua defesa incondicional dos mais poderosos, da desigualdade estrutural deste país? Não estaria faltando a nós apenas uma pitada de senso de humor, diante desse Proibidão semanal?
 
Penso nas piores capas de Veja. Uma delas tinha o seguinte tema como manchete: “O Cerco da Periferia”. Em volta de lindas casas de classe média, uma periferia em preto e branco; favelas, casas de pobres. A tese paranóica era a de que os bairros de classe média alta e elite estavam sendo incomodados por essa periferia “ameaçadora”. Um fotógrafo chegou a ser demitido por não conseguir localizar essa imagem em São Paulo. Mas ninguém riu! Ninguém percebeu os contornos de ficção científica da teoria: uma certa entidade chamada Periferia, cercando a pobre Elite Oprimida.
 
O mesmo vale para aquela famosa capa sobre o MST: “A Marcha dos Radicais”. Pessoa alguma percebeu o viés autobiográfico de Veja, a metalinguagem da manchete: a partir daquele momento ela acirrava sua trajetória rumo ao despropósito, às agressões gratuitas, à despolitização sistemática da classe média alta (e da elite). A Veja se afirmava como farsa, dando pistas para a ironia fina de cada piada sua, desde então travestida de jornalismo. Mas nós seguimos enraivecidos: continuamos levando a sério o que já não se podia mais levar a sério.
 
O ápice desse fenômeno atende pelo nome de Reinaldo Azevedo. Dá para acreditar em um jornalista de extrema direita, que tenha militado, nos anos 70, na corrente trotskista Libelu? OK, admito, são muitos exemplos históricos de pessoas que migraram da esquerda para a direita, nós mesmos tivemos a figura de Carlos Lacerda. Mas com aquele vocabulário, aquela compulsão, aquela empáfia, aquela ausência de um mínimo de discernimento, de bom senso? O “tio Rei” tornou-se um grande clown nacional – mas seguimos elevando-o a um patamar de seriedade.
 
Com essa capa sobre a superioridade dos mais altos, Veja dialoga com o que de pior fez em ciência o italiano Cesare Lombroso, que investigava sinais de pessoas criminosas no formato de seus crânios. “Lombrosiano” tornou-se apenas um adjetivo cômico para pessoas (certos políticos, por exemplo) com determinada propensão ao delito. Em outras palavras: a Veja tornou-se apenas uma revista-palhaça. É o CQC das nossas elites, o Tiririca da nossa mídia. Só não vale imaginá-la com nariz de palhaço – pois a Veja odeia a cor vermelha.
 
Eppure, si muove. E, no entanto, a Veja é séria. Extremamente séria. Não por ela – mas por ter apoio para cada uma de suas barbaridades, de suas campanhas higienistas, suas teses arrogantes e estapafúrdias, sua briga semanal com os fatos. Os tais bairros oprimidos pelas periferias, cheios de pessoas altas, refinadas e probas dão o aval a suas reportagens oniscientes e seus colunistas sábios. É o veículo impresso mais lido do país – há muitos anos com mais de 1 milhão de assinantes. Uma multidão de brasileiros que paga para espezinhar e ser espezinhada.
 
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